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A regulação e a fiscalização do mercado do futebol e da SAF

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Atualizado às 07:34

No livro Futebol, Mercado e Estado - Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento1, que foi o embrião da Lei da SAF e da própria SAF, sugeriu-se a criação de uma Comissão Nacional de Valorização, Integração e Desenvolvimento do Futebol e do Mercado do Futebol, com o propósito de criar e implementar normas infralegais para formação do ambiente em que clubes, investidores e demais agentes pudessem, com segurança, se encontrar, realizar negócios e desenvolver a atividade futebolística no país (e contribuir, portanto, para o desenvolvimento econômico e social).

A proposta foi deixada de lado durante o processo legislativo, não por falta de mérito, mas por conveniência política (assim como também caíram outras sugestões igualmente relevantes, a exemplo da possibilidade de conversão de créditos tributários em participação societária em SAF, com a condição de que as ações de emissão da SAF recebidas pelo credor fossem subsequentemente vendidas em bolsa de valores, dentro de curto prazo previsto no próprio projeto).

Entendeu-se, lá atrás - e com razão -, que o debate em torno da Comissão politizaria o trâmite e, talvez, inviabilizasse a consumação do propósito maior, consistente na criação da SAF.

Importante lembrar: quando a ideia surgiu e, ainda, durante todos os anos em que perambulou como projeto de lei, quase ninguém acreditava que a SAF poderia prosperar, por conta da resistência de uma casta cartolarial hermética e intransigente, estabelecida especialmente em entidades de administração (mas presente também em entidades de prática esportiva), que dominava a pauta e impunha obstáculos à oxigenação do sistema. 

Passados dois anos do advento da Lei da SAF, e após a ocorrência de dezenas de negócios, dos mais singelos aos realmente complexos, o tema merece ser resgatado. E há motivos para isso: a solução do futebol, como sempre afirmou nesta coluna, adviria - e advirá - de uma conjunção de forças do mercado e do Estado.

Os papeis são claros: o Estado regula, fiscaliza e sanciona (para, assim, oferecer segurança, confiabilidade e previsibilidade), enquanto o mercado disponibiliza recursos e cria instrumentos para realização de financiamentos e investimentos (dentro de um ambiente jurídico conhecido e regulado).

E é justamente por isso que a criação de uma comissão, uma agência reguladora ou outra figura - cuja natureza e sua alocação serão oportunamente investigadas neste espaço - faz mais do que sentido: representa, na verdade, a complementação estrutural (e necessária) do chassi instituído pela Lei da SAF.

Neste sentido, a Lei da SAF cria o espaço de atuação dos proprietários do futebol (os clubes), bem como dos agentes econômicos, e, dentro dele, confere liberdade de atuação; porém, mesmo dentro de seus limites espaciais, a atividade, pela sua relevância econômica e social, deve ser objeto de normatização infralegal e, como já se afirmou acima, de fiscalização.

O sistema já oferece estruturas mais ou menos semelhantes. Veja-se, por exemplo, a atribuição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel): "cabe à Anatel adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade".

No âmbito do mercado do futebol, há, de modo indiscutível, um interesse público a zelar; assim como também se deve desenvolver a atividade que é acompanhada com maior ou menor frequência por aproximadamente 150 milhões de brasileiros e que, talvez mais do que qualquer outra, pode contribuir para a inclusão das gentes e o crescimento de todas as regiões do país.

Outros argumentos se somam aos anteriores: nenhuma autarquia, agência ou entidade pública ou privada (de qualquer natureza) tem competência para atuar da forma que se propõe, no âmbito do mercado do futebol, incluindo a CVM, a CBF ou federações estaduais, de modo que, conforme a arquitetura atual, inexistem orientações ou vias específicas de fiscalização do ambiente em formação.

Sob outro enfoque (o sistêmico), o impacto positivo ou negativo, de distintas naturezas, que as operações em clubes podem gerar, justifica a definição de normas e vias fiscalizatórias, para que o mercado do futebol (que não se confunde com mercado regulado e fiscalizado pela CVM) se forme e, sobretudo, seja um ambiente sustentável e arredio às condutas inapropriadas que o colocariam em risco.

Sem contar investidores, clubes, atletas, empregados, fornecedores, prestadores de serviços e outros, o mercado do futebol, mesmo em seu estágio inaugural, já teria o potencial de afetar mais de 25 milhões de pessoas (ou aproximadamente 5 vezes o número de CPFs cadastrados na B3), levando-se em conta, apenas, os torcedores de Cruzeiro, Coritiba, Galo, Vasco, Botafogo e outros times cujos processos de criação de SAF foram concluídos ou estão em andamento.

Motivos não faltam, portanto, para resgate e implementação da proposta - a qual continuará a ser explorada nesta coluna.

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1 Castro, Rodrigo R. Monteiro de; Manssur, José Francisco C. - São Paulo: Quartier Latin, 2016.