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O futuro do futebol brasileiro e o Estado de Minas Gerais: conceito de grupo econômico - Parte 4

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Atualizado às 07:28

Não custa lembrar, neste quarto e último texto relacionado à importância do Estado de Minas Gerais sobre o futuro do futebol, que, de lá, partiram movimentos essenciais para formação do País - e para consagração de ideais e valores da Nação.

A inconfidência foi um deles. Tirante os ufanismos que embalam, não apenas no Brasil, as figuras históricas (e supostamente heroicas), utilizadas para justificar certas pretensões políticas, éticas ou morais que flutuam com o tempo - como Tiradentes -, a iniciativa promovida no final do século XVIII pretendia, dentre outros propósitos, resistir aos excessos da política fiscal praticados pela Coroa portuguesa. 

A região (ou capitania) de Minas Gerais era a mais pujante da Colônia e contribuía, por meio de pesada carga tributária, para o financiamento da dívida pública Real, vinculada ao Reino Unido. A proposição separatista, subjugada pelas autoridades submissas a Portugal, serviu, porém, para enraizar o ideal de liberdade.

No plano do futebol, liberdade é algo que não se conheceu desde a introdução do esporte, no século retrasado. Trata-se de uma atividade aprisionada em modelo associativo, organizado e liderado, como regra, por integrantes das elites político-clubísticas, que não cobram tributos, mas exercem poder absoluto sobre o patrimônio e o destino dos times (sem qualquer contrapartida, inclusive de dinheiro e, na prática, de responsabilidade por atos temerários e de outras espécies).

A Lei da SAF, de autoria do Senador mineiro Rodrigo Pacheco (atual Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional), tem como objetivo oferecer alternativas (e soluções) àquele estado de coisas; e, como se supunha, vem encontrando resistência justamente nos grupos de interesses que se beneficiavam e continuarão a se beneficiar (caso não se consiga implementar a mudança necessária) da estrutura secular que impede o desenvolvimento da atividade futebolística e da sociedade brasileira.

Os principais embates, como já indicado em textos anteriores, ocorrem, atualmente, no âmbito da Justiça do Trabalho, e, muito importante: não envolvem a supressão de direitos, garantidos na legislação própria; mas envolvem, sim, em muitos casos, a tentativa de alargamento interpretativo ou deturpação de conceitos com o propósito de atribuir responsabilidades a quem, sob o prisma jurídico, não as tem.

Esta proposição, é óbvio, não ampara eventuais ilegalidades ou fraudes, praticadas casuisticamente, as quais, se e quando verificadas, deverão ser punidas com rigor. Mas deixemos as patologias de lado e voltemos à análise do sistema.

A acusação de existência de grupo econômico é tema recorrente em reclamações trabalhistas e se expande, também, para o ambiente da Lei da SAF. A pretensão decorre do art. 2º, e seus parágrafos, da CLT:

"Art. 2º (...) §2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. §3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes".        

Para que a lei seja aplicada de forma adequada, deve-se compreender a origem e o conceito de grupo. O ponto de partida é a Lei das Sociedades Anônimas, de 15 de dezembro de 1976.

O art. 265 desta lei estabelece que a sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupo, mediante convenção. Convenção é ato formal, no qual as partes integrantes se obrigam a combinar recursos ou esforços para realização de seus objetos ou para desenvolvimento de empreendimentos comuns. Pela natureza do conteúdo convencionado, as partes podem ser compelidas a preterir interesses próprios em benefício do grupo ou da sociedade de comando (geralmente, a controladora).

O preterimento do interesse próprio ocorre, assim, mediante autorização legal. Apesar de não haver ilegalidade em tal conduta, ela tem potencial de afetar a autonomia patrimonial e, consequentemente, os objetivos individuais da sociedade que se submete à orientação grupal. Tal arranjo é conhecido como grupo de direito, pois decorre de tipificação legal.

Na prática, quase não existe um grupo de direito, formado a partir de uma convenção aprovada pelas sociedades envolvidas. Daí o surgimento do conceito doutrinário de grupo de fato.

Caracteriza-se o grupo de fato quando se verifica a situação descrita na norma, mesmo sem a existência de uma convenção. O grupamento (de fato) se afirma, portanto, pela existência de ligações de natureza societária, entre controlador e sociedades controladas, e não oriundas de um acordo formal (a convenção). 

No âmbito de um agrupamento de fato, não se encontrarão, assim, acordos expressos em que as partes se obrigam a combinar recursos ou esforços, mesmo em detrimento de interesses individuais, para realização, por exemplo, de uma atividade que interesse ao controlador - e que, para dar andamento, envolverá a sociedade controlada em situação que não se verificaria se a relação fosse independente.

Por tais motivos, a caracterização do grupo de fato dependerá da avaliação casuística e da comprovação, mesmo que tácita, da combinação.

Na esfera trabalhista, cível ou societária, a lei não autoriza o reconhecimento do grupamento de fato se os elementos da combinação não estiverem presentes. Esta afirmação se extrai, por exemplo, do parágrafo 3º do art. 2º da CLT: "[n]ão caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes".

Desse modo, podem ser extraídas algumas conclusões fundamentais, as quais deveriam servir à orientação do(a) julgador(a) em tema que envolva a Lei da SAF, por ocasião da aplicação normativa:

1. O fato de o clube deter participação societária na SAF implica a formação de grupo econômico? R. Não, conforme a legislação vigente (e a melhor doutrina).

2. E se o a participação do clube for majoritária (o que não se verifica, por exemplo, em Cruzeiro, Botafogo, Vasco e outras operações de SAF)? R. A conclusão é a mesma. Haverá necessidade inafastável de demonstração do exercício do controle da SAF pelo clube, quando o caso, para execução combinada de atividades ou empreendimentos, sem observância da autonomia da própria SAF.

3. Quando, então, haverá caracterização de grupo, de fato ou de direito, que atrairá a incidência do parágrafo 3º, art. 2º da CLT? R. Na hipótese de - existindo ou não uma convenção (ou acordo) entre sociedades controladora e controladas -, a relação entre elas indicar que recursos ou esforços são combinados para realização dos respectivos objetos, ou para participação em atividades ou empreendimentos comuns. Em outras palavras, extraídas da normatização laboral, quando entidades que "estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico"; grupo econômico que se revelará com a combinação indicada na primeira parte desta resposta.

4. Existe combinação de esforços ou participação em atividade ou empreendimento comuns, pelo simples fato de um clube deter participação societária em uma SAF? R. Não. Pelo mesmo motivo que uma pessoa que, hipoteticamente, detém, 0,001% ou 10% das ações de uma companhia aberta, como o Banco Itaú, não empreende, com o Banco, uma atividade comum - que é exclusiva do próprio Banco, enquanto a pessoa é apenas uma acionista. O clube, no mesmo sentido, pela simples propriedade acionária, também não se revela participante do empreendimento, portanto, da atividade futebolística, que é desenvolvida pela SAF, em esfera patrimonial autônoma e segregada.