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O futuro do futebol brasileiro e o Estado de Minas Gerais - Parte 2

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Atualizado às 07:33

A Escola Judicial do TRT - 3ª Região e a Revista Justiça e Cidadania organizaram, no dia 31 de março de 2023, em Belo Horizonte, seminário que tinha como mote "A Lei da SAF e a Profissionalização da Gestão do Futebol no Brasil". O evento foi organizado pelo Min. Alexandre Agra Belmonte e pela Des. Rosemary de Oliveira Pires Afonso.

A irretocável organização reuniu um time de autoridades judiciárias que, se integralmente listadas, tomariam grande parte deste espaço, dentre as quais o Des. Ricardo Antonio Mohallem, Presidente do TRT-3; o Min. João Otávio de Noronha, ex-Presidente e Min. do STJ; o Des. Flávio Boson, do TRF-3; o Des. Paulo Sifuentes, desembargador aposentado do TRT-3; o Des. Moacyr Lobato, do TJMG; o Des. José Murillo de Moraes, do TRT-3; e o Min. Evandro Valadão, do TST. Também participaram do evento advogados, professores, congressistas e representantes dos principais times mineiros: Galo, Cruzeiro e América.  

A pertinência do encontro foi antecipada no texto da semana anterior: é no Estado de Minas Gerais, terra do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, além de autor da Lei da SAF, Rodrigo Pacheco, e do clube pioneiro na adoção dos mecanismos da Lei, o Cruzeiro, que se travam as mais avançadas disputas, no plano judicial, entre, de um lado, o continuísmo de um modelo futebolístico instituído pela elite excludente (que antecede, aliás, a Lei Aurea), e, do outro lado, a perspectiva revigorante da Lei da SAF.

Um dos painéis do evento tinha como propósito tratar de eventuais "propostas de alterações legislativas". Toda nova lei passa por um período de compreensão e acomodação, até que dela se comece a extrair certa unicidade. A doutrina e a jurisprudência têm, como sempre, papel relevante na construção sistêmica. A questão que se coloca, então, é a seguinte: apesar da juventude, a Lei da SAF já precisaria de uma reforma? E se a resposta for afirmativa, de qual dimensão?

Partindo-se da premissa de que ainda não houve tempo suficiente para que os Tribunais proferissem decisões em quantidade necessária para construção da segurança jurídica reclamada pelo jurisdicionado, talvez fosse o caso de se concluir que, por enquanto, o emprego de energia em movimento reformista é prematuro.

Mas será que essa conclusão se manteria: (i) com a constatação de que a insegurança provém justamente da falta, mesmo que prematura, de uniformidade jurisprudencial?; e, ainda, (ii) se se reconhecesse que os times e os possíveis financiadores da empresa futebolística, com todo seu potencial esportivo, educacional, social e econômico, não aguentarão (ou aguardarão) o tempo do processo judicial e o percurso de todas as suas etapas até que, enfim, uma decisão superior, irrecorrível, estabilize o conteúdo normativo?

Pois bem. É isso que ocorre no terreno em que, ao contrário, espera-se pacificação.

Daí, aliás, as preocupações de agentes de mercado que se dispuseram a contribuir para construção do sistema (claro, em troca da perspectiva ou expectativa de obtenção de retornos financeiros, que se manifestarão sob a forma de dividendos ou ganhos de capital em eventual venda futura), mas que, pela instabilidade que não compunha a fórmula de cálculo do risco empresarial, podem rever suas posições, reduzir investimentos ou mesmo decidir que sequer entrarão no negócio. E, com isso, oportunidades de atração de recursos restarão dissipadas, em desfavor justamente dos times, dos torcedores, dos atletas, dos empregados e dos próprios credores de clubes.

Incertezas, nesse sentido, surgem de temas que não deveriam suscitar dúvidas, como, para citar alguns exemplos, os destacados a seguir, que foram abordados no mencionado seminário:

1.  A SAF responde pelas obrigações do clube que a constituiu?

Como regra geral, não, conforme previsão expressa do art. 9º da Lei da SAF. Mas este artigo prevê, sim, uma exceção, que se forma desde que uma (i) obrigação seja relacionada ao objeto da SAF (portanto, o futebol); e (a partícula conjuntiva está presente na Lei) (ii) a obrigação seja transferida da esfera patrimonial do clube para a da SAF. Sem a identificação de ambos os elementos, a responsabilidade, de acordo com a Lei, será preservada, de modo exclusivo, no clube. Esta foi a opção legislativa. Assim, ao se pretender estender à SAF a responsabilidade por obrigação mantida no clube, eventual decisão nesse sentido desconsiderará o texto expresso da própria Lei.

2. A SAF deverá direcionar ao clube que requerer recuperação judicial 20% de suas receitas correntes mensais, na forma do art. 10?

A resposta está na própria Lei da SAF: não. Esta situação de repasse de percentual de receitas se aplica, conforme comando expresso, apenas no âmbito do regime centralizado de execuções ("RCE"). Portanto, a determinação judicial de direcionamento de recursos da SAF ao clube em recuperação judicial não encontra previsão legal. Isso não quer dizer que o plano de recuperação não poderá prever um fluxo especial, eventualmente até maior, de recursos ou receitas da SAF ao clube, para satisfazer obrigações anteriores, de responsabilidade exclusiva do clube. Mas eventual decisão nesse sentido competirá aos respectivos agentes envolvidos - e não por força de comando legal -, após as necessárias análises relacionadas ao plano recuperacional.

3. A SAF é ou será em algum momento responsável solidária pelas obrigações do clube?

A Lei prevê, no art. 24, que, caso o clube adote o RCE - e apenas neste caso -, a SAF passará a ser responsável subsidiária (e não solidária), após o decurso do prazo de até 10 anos (e apenas após o decurso), pelas obrigações (e somente estas) que eventualmente remanescerem. O texto é cristalino. Portanto, não existe previsão de solidariedade e, quanto à responsabilidade subsidiária, ela só nascerá a partir da verificação, ao cabo do prazo legal, que ainda remanesce obrigação do clube com fato gerador anterior à existência da SAF.

Esses são alguns exemplos de temas que vêm sendo suscitados em teses jurídicas, as quais são criadas, em regra, somente para viabilizar a satisfação de interesses individuais e desconectados do propósito principal da Lei da SAF, que é servir como solução sistêmica e coletiva, oferecida aos clubes e à coletividade. Caberá ao Poder Judiciário, em especial o mineiro, resolver esse (falso) dilema.

Houvesse já um acúmulo de decisões, mesmo que de primeira instância, que contribuíssem para conferir a segurança jurídica necessária para a criação de um dos maiores mercados futebolísticos do planeta, em linha com os objetivos e com a essência da Lei da SAF, qualquer proposta de reforma legislativa soaria oportunista, neste momento.

Diante, porém, dos ataques que sofre, ajustes cirúrgicos e pontuais - que, na verdade, apenas reforçariam o que já está previsto -, por mais absurdo que isso possa parecer, talvez façam sentido.