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"E-Sports?" E o primeiro abalo das apostas

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Atualizado às 07:32

O futebol brasileiro vai se acomodando desorganizadamente com as inovações legais havidas nestes últimos anos, em especial com a adesão de algumas associações esportivas ao modelo da SAF e aos novos formatos derivados da chamada "Lei do Mandante", sonhando também, apesar de não o "sonho dos justos", com a sempre propalada Liga, esta por enquanto ainda uma realização adiada (2025, será mesmo?).

Salvo a adoção da modelagem da SAF, que cuida de uma decisão individual dentro do exclusivo interesse (ou por que não dizer necessidade) de cada agremiação, parece óbvio, embora na prática aos clubes assim não se revele, que a utilização dos outros institutos e a percepção de seu resultado exponencial é algo para o que se recomenda uma aplicação conjunta, a fim de desenhar, definir, e no tempo consolidar o novo mercado futebolístico brasileiro. 

A SAF alcança a "primeira rodada" com poucas métricas de análise, em parte distorcidas já que os aderentes iniciais fizeram a transformação premidos pela necessidade existencial, e assim sem a necessária maturação, para então terem que vivê-la com "o carro andando"; passam pelo crivo as primeiras (e algumas conflitantes) decisões judiciais, enquanto uma parte significativa dos clubes se encontram em processo de conhecimento nos mais variados estágios (estudos, iniciação e debate com stakeholders,  aprovações estatutárias ou implantação em curso).  Em qualquer caso, trata de elevação interna, unilateral, uma ação intermuros observados somente critérios próprios da associação esportiva, independente do caótico ambiente em que se insere.

Apenas para não ficar sem registro, o restante do arcabouço que vem sendo mal manejado sugere aplicação conjunta e inclui as tratativas para unificação da Liga, o acordo de implantação com a entidade organizadora do futebol nacional, a constituição jurídica propriamente dita e toda sua governança, sem esquecer a formatação e negociação do novo modelo de transmissão, estratégias para os desafios da transição geracional, revisão do produto, entre outras ações de curto, médio e longo prazo.

Em meio a tanto e com tão pouca efetividade, é certo que muito acaba não sendo visto, ou como é mais comum, visto de forma míope ou enviesada. Este início de ano jogou luz sobre dois desses temas rigorosamente tangenciados, não devendo os clubes excluí-los da agenda de negócios.

O próspero mercado de apostas sofreu seu primeiro enfrentamento ao se tornar um caso de polícia. Já havia sido "lembrado" em agosto do ano passado, quando a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) requisitou a clubes, federações e veículos de comunicação, a "cópia dos contratos", visando identificar as empresas atuantes e assim sinalizar alguma movimentação.

Quando falamos de apostas e rapidamente lembramos as camisas de muitos clubes de futebol ou a massiva campanha de propaganda realizada nos eventos esportivos em todos os meios de comunicação, temos que ter em mente um negócio, atualmente emergente e não regulado. Esqueçamos para isso a figura da Megasena, da Loto, e muito menos a saudosa loteria esportiva. Pensemos apenas em um cassino, lembremo-nos então da "famosa" banca.

O mercado de apostas, operado na sua grande maioria por empresas offshore, é estimado em cerca de 5 Bi ano, sendo a natureza da modalidade da aposta de quota fixa diversa do concurso de prognósticos, uma vez que o último pressupõe a divisão de um rateio, enquanto a primeira se traduz pela relação direta entre o apostador com a casa de apostas como pagador. Ainda que pareça, não são a mesma coisa. E sem definições e responsabilidades, abre espaço ao embuste.

Certamente, o problema mais crítico atualmente sobre a novidade das apostas reside na falta de regulamentação do mercado, via de consequência, trazendo a enorme dificuldade de mitigar suas principais ameaças, quais sejam, a lavagem de dinheiro e a manipulação de resultados.

Estes pontos sensíveis, ambos com enorme potencial de fulminar a credibilidade e perenidade do próprio mercado, só poderão ser dirimidos a partir de um marco regulatório, atualmente em gestação (dizia-se que "de 2022 não passa!") com todo o regramento e mínimas linhas de defesa instituídas. É possível que o tema pegue carona e venha integrar a "lei dos cassinos", em estágio legislativo mais avançado, prática que sempre traz a possibilidade de tratamento insuficiente.

Enfim, cabe agora aos clubes entender qual o seu papel neste mercado, não só - e especialmente em termos de governança, uma vez que o mal que se relaciona à manipulação o implica mesmo que indiretamente, mas também como meio de custeio, afinal, será que basta o contrato anual de patrocínio do "BET" na camisa ou se pode ter maior participação na cadeia? Para reflexão...

Outro assunto que foi iluminado é o "mundo dos E-Sport", a partir de declaração da ex atleta Ana Moser, atual Ministra dos Esporte, no início deste novo governo. Ao explicar porque este universo não haveria de ser contemplado para fins de incentivos, sugeriu que não se trata de modalidade esportiva, mas puramente de entretenimento, colocação que vista fora do contexto inaugurou diversos e acalorados debates. A questão central da ex jogadora, a par do seu pré-conceito, faz parcial sentido, se considerada não com o mero alijamento do e-sport para as fins de beneficiamento mas talvez com seu deslocamento para o fim da fila de prioridade, solução que parece mais sensata e pode inclusive ser revisitada a qualquer tempo, até porque para essa modalidade específica a iniciativa privada está sempre ávida por regulares inversões.

A celeuma de fundo não pode ser desconsiderada, mas no fim do dia é contra producente... ora, o futebol não integra a indústria do entretenimento? Há tempos foi superada a discussão com o entendimento de que o esporte não requer atividade física, são reconhecidos sem distinção os esportes da mente, vide o xadrez, o poker, noutra linha o automobilismo, muito embora exija preparação física consistente, o ato de guiar o bólido demanda sobretudo a mente do piloto.

Há outra questão que fomenta também os debates, sempre salutares.. esta diz respeito a falta de imprevisibilidade, como substrato da caracterização do esporte. Para ela, o fundamento é que nos e-sports, findos seus algoritmos e sequências, existe um resultado definido, um termo final já desenhado, faltando-lhe portanto uma condição existencial que se manifesta, no caso dos adeptos da bola, através do "Imponderável Futebol Clube".

Sem vilipêndio, essa parte do debate se revela estéril, com pouco significado, na medida em que política pública é uma coisa e desenvolvimento e conceituação de mercado é outra! Já para o futebol, o importante neste ambiente é novamente o posicionamento. Talvez falemos aqui até menos de monetização, mas especialmente da real potencialidade de alimentação da sua base consumidora, mediante a captação do interesse das novas gerações e criação de atratividade a fim de perenizar o relacionamento clube torcedor. O modelo Madden NLF(*), seguramente, é um excelente benchmarking e exemplo para inspiração.

As cartas estão na mesa e o poder da mente às ordens... ainda que periféricos, ambos temas são de destacada importância, notadamente integrantes do conjunto que se pretende construir para consolidação do novo mercado futebolístico brasileiro, seja em termos econômicos, como de governança e de estratégia. E nesta via se retorna às aplicações conjuntas de medidas, à desejada implementação da Liga, enfim, ao conhecimento e a realização, reclamando zeloso envolvimento e empenho da nossa classe dirigente, pouca interessada e nada coesa.  

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(*) WIKIPEDIA - Madden NFL é uma série de jogos eletrônicos de futebol americano desenvolvida pela Electronic Arts para a EA Sports. Seu nome é uma referência ao antigo jogador e técnico vencedor do Super BowlJohn Madden.