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E quase não se fala mais sobre Pelé (assim como não se fala da importância do futebol)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:23

Muito, realmente muito, se escreveu sobre Pelé após seu passamento. Aliás, sintoma de sua grandeza, em todos os veículos, quaisquer que fossem os setores, encontrou-se espaço para a exteriorização de opiniões sobre o Maior da história.

No âmbito de textos que foram do excelente ao sofrível (passando pelo lirismo e pelo oportunismo), tudo se falou; requentar, pois, situações ou pretender trazer algo que não se expôs talvez soasse, agora, inaceitavelmente pretensioso.

De modo que, sobre Pelé, não se dirá aqui mais do que o mínimo: sua existência, como jogador, abala a convicção de ateus (pois seus feitos, sim, não se justificam sob qualquer perspectiva humana) e, ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo, reforça a crença em Deus, qualquer que seja o conceito pessoal da divindade.

Este texto, por outro lado, pretende, apenas, formular algumas provocações decorrentes, em especial, do frenesi que se assistiu (ou se leu) nos dias seguintes ao fatídico evento, relacionando-as com a histórica postura entreguista ou de falta de sensibilidade em relação as coisas e as riquezas que se produzem no país (incluindo o futebol).  

Pelé, como muitos outros jogadores que o antecederam ou sucederam - tirante o fato de ter sido o Escolhido -, é fruto da sorte; sua ascensão não decorreu de um programa público ou privado, voltado à formação de atletas. Poderia, com alguma probabilidade, ter desviado sua trajetória e ido para lugar em que ninguém jamais o conheceria (como ocorre aos montes).  

Depois dele, o Brasil teve, no plano futebolístico, o privilégio de oferecer ao mundo referências como, para citar apenas os mais recentes que se tornaram estrelas globais, Romário, Kaká, Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Adriano e Neymar. Além de Raí, o maior jogador da história do PSG (conforme eleição de seus próprios torcedores, que ainda hoje o idolatram).

Apesar da profícua criação de jogadores, que se inserem na mais globalizada das atividades - mérito, também (mas não apenas), da atuação de Pelé a partir do final dos anos 1950 -, insiste-se em ignorar a relevância social e econômica da atividade, num país em que a parcela menos favorecida da população aposta justamente nela (e na música que se cria nas comunidades, como o funk) para sair do nível inaceitável de pobreza.

Veja-se, ademais, o desperdício (ou atentado) que se pratica contra o desenvolvimento do país: em Chicago, por exemplo, a obra de Frank Lloyd Right, um fantástico arquiteto, que seria banco de Oscar Niemayer, foi transformada em atração pública, geradora anualmente de centenas de milhares em negócios e em arrecadação.

Por aqui, o genial brasileiro, ganhador do Prêmio Pritzker, autor de monumental obra espalhada por diversas cidades, será, a depender da (ausência) de políticas preservacionistas da memória e do legado de pessoas como ele, corroída pelo tempo.

Com Pelé, a situação é pior. Antes do passamento, pouco se falava dele.

Seu nome, porém, transcende a noção de fronteira ou de nação. Diz-se que foi o ser humano mais conhecido de seu tempo. Papas, artistas e presidentes de países não rivalizavam com ele.  

Até mesmo os colonialistas europeus, responsáveis pela demarcação territorial global - e pelas atrocidades cometidas contra as gentes dominadas e escravizadas -, sentiam-se, diante de suas realizações, um pouco brasileiro (ou ao menos colocavam de lado a convicção interna de superioridade racial).

Não haveria maior embaixador da brasilidade; maior esperança de resgate de um país que, a partir do final dos anos 1950, protagonizou um período quase ou tão grandioso quanto o renascentismo italiano, com sua música, com seu cinema, com sua literatura, com seu teatro, com sua política desenvolvimentista e, claro, com seu futebol.

Pelé, neste sentido, que foi (e ainda é) uma marca, explorada erraticamente sob perspectiva apenas privada, poderia ter, paralelamente, cumprido um papel maior (e não apenas pessoal), inserido em política público-privada, voltada à formação e ao desenvolvimento social e econômico da Nação.

Assim como, em plano maior, o próprio futebol deveria receber os adequados estímulos, sobretudo legislativo, para se converter num soft-power de expressão (e influência) global.

O futebol, de modo geral, atividade que deve ser gerida e organizada privativamente, também deve, por outro lado, ser estimulado pelo Estado, naqueles campos que lhe competem (como, conforme indicado acima, legislativo); assim como Pelé não poderia ter sido ignorado pelo mesmo Estado que é absolutamente insensível à potencialidade de milhares de crianças espalhadas pelo seu território.

Daí a inadequação, ao que parece, a respeito do direcionamento dos principais debates que emergiram.

É óbvio que ele merecia - e sempre merecerá - reverência dos súditos. Teria sido no mínimo simpático, ou mesmo desejável, que gerações posteriores à dele manifestassem respeito, se não à pessoa (a Edson, portanto), ao menos ao grande símbolo do esporte que praticam, por suas redes e mídias sociais ou mediante o comparecimento físico ao seu funeral.

Mas parece haver, aí, questões mais relevantes (até porque Pelé também não esteve no funeral de Garrincha): não será pela divisão e pela postura individualista, em todos os planos, inclusive dos grandes astros, que se construirá um projeto de futebol brasileiro (e de Brasil).

O futebol deveria ser compreendido como uma espécie de parceria público-privada, a que se chamará de PPPF, no interesse da coletividade e como elemento essencial para reconstrução do sentimento (ou da convicção) de pertencimento a um projeto de Nação.

Fica aí, pois, a sugestão para o novo Governo - que tem, é sempre bom lembrar, na pasta da Economia, exímios especialistas na matéria.