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O Brasil e a seleção brasileira

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Atualizado às 15:03

Por onde se olha, ou se lê, encontram-se afirmações ou apelos de pacificação do país. Apenas da Folha, para não citar outros veículos, extraem-se, nas últimas edições, as posições do Min. Lewandowski1 e do ex-editor de Opinião e escritor Hélio Schwartsman2.

Não será fácil. A fissura é evidente. A vitória de Lula, sem dúvida incontestável, também revelou que há um contingente quase igual, ao menos em votos, que pretendia uma solução diferente.

Em ambos os campos, dos vitoriosos e dos perdedores, somam-se eleitores que, menos adeptos dos candidatos, viam nos opositores ameaças maiores do que aquelas representadas pelos seus escolhidos.

Ou seja: nem todo voto concedido ao atual Presidente derrotado representava uma convicção em suas políticas erráticas e desastrosas, nos planos humanos e ambientais (dentre outros); da mesma forma que, para vencer, o desafiante contou com o apoio de quem não necessariamente simpatizava com ele ou o seu partido, mas que nele (e não no partido) via o único caminho para o afastamento de um mal irreversível.

Lula sabe disso. Aliás, com exceção de radicais que ameaçam a paz social, todos sabemos disso.

E não há problema na constatação da realidade. Importa o tratamento que se dará à situação.

Ignorá-la seria fatal: afinal, a compreensão de sua origem é o melhor remédio para evitar-se que, num futuro próximo ou longínquo (e 4 anos podem estar logo aí ou bem longe, conforme ponto de vista), não se repitam os erros que levaram o país a se tornar um quase pária internacional.

O enfrentamento do tema da divisão, talvez a maior que já se tenha construído desde o fim do período ditatorial e recobro do regime democrático - em tal nível de o ameaçar - demanda o reconhecimento de que há, também, um descontentamento generalizado, de vencedores e de perdedores.

Novamente, Lula sabe disso e, ao que parece, empreende esforço sobrenatural para reduzir as barreiras entre as diferenças.

Além da indicação de Geraldo Alckmin para vice-presidência e liderança da transição - nome que, lembre-se, em 2018, era o porto-seguro do mercado e das instituições conservadoras -, o presidente eleito também se esforça para resgatar determinados símbolos da República, como o hino e a bandeira3 - e, consequentemente, a afinidade com a seleção de futebol.

Isso não significa que a seleção terá um papel propagandístico no processo. Nem mesmo num regime autocrático caberia, nos tempos atuais, algo como "220 milhões em ação ...". Seria ingenuidade apostar no clichê para encobrir os desafios que se seguirão. 

Não é disso de que se trata, pois. Trata-se, porém, de reconhecer que a seleção não deixa de ser uma projeção da sociedade, com todas as suas tensões, frustrações, ilusões e paixões.

Sobretudo num período ainda afetado pelos (intoleráveis) atos de intolerância estimulados pelo poder central, como se viu, recentemente, contra, para citar apenas dois exemplos, o artista Gilberto Gil e o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. 

Mais do que o hexacampeonato - que seria ou será importante para o país, pois o futebol é a maior atividade planetária e, com o surgimento do novo mercado do futebol, a partir da Lei da SAF, se afirmará como incomparável soft power - a seleção pode contribuir para uma tentativa de encontro de convergências, apesar das divergências.

E aí está a questão: até onde convergir não implica trair ou abrir mão de princípios inegociáveis?

E tão importante quanto: será que os atletas representantes do país, ganhem ou não o desejado título, em especial seus líderes, saberão compreender o momento histórico que se vive e contribuir para reconstrução - e não para divisão?

Parece-me, por fim, sem que se tenha, neste texto, chegado a uma conclusão - pois não era a intenção -, que a radicalização, em um sentido ou outro, de algum modo contribui para manter viva a chama de posturas que a maioria da população pretende que fique no passado.

Daí, talvez, Hélio Schwartsmann tenha razão: "(eu) diria até que, depois de quatro anos de trevas sob Bolsonaro, o país precisava de algo assim, um espaço simbólico no qual indivíduos com as mais diferentes orientações políticas e ideológicas possam se reunir civilizadamente para traçar diagnósticos e debater políticas públicas".

E, talvez, sua razão se projete também ao campo de jogo e condutas pessoais, com uma seleção que, sem desmerecer (ao contrário) as qualidades futebolísticas geniais e a importância técnica e tática de Neymar, fique marcada pela coletividade e pela preocupação com o país e com o seu povo. Depende apenas de seus membros. Independentemente de posições políticas pessoais. 

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Cf. o art. 13 da Constituição da República Federativa do Brasil: "Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. § 1º São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais".