COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Meio de campo >
  4. Sobre os vetos à lei 14.193/21 (Lei da SAF)

Sobre os vetos à lei 14.193/21 (Lei da SAF)

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Atualizado às 07:48

A lei 14.193/21, de autoria do Senador da República Rodrigo Pacheco, foi aprovada por unanimidade no Senado Federal e, na Câmara dos Deputados, com 427 votos favoráveis e apenas 7 contrários. Ao ser encaminhada para sanção presidencial sofreu - apesar da vontade popular manifestada por intermédio dos congressistas -, vetos relevantes, que foram, posteriormente, derrubados pelo Congresso Nacional. Alguns, contudo, persistiram, a despeito dos esforços para demover a Presidência da República de suas convicções equivocadas.

Um deles envolvia o parágrafo único do art. 6º, que tinha a seguinte redação: "O disposto no caput deste artigo aplica-se também ao fundo de investimento, que, por meio de sua instituição administradora, deve informar à Sociedade Anônima do Futebol o nome dos cotistas que sejam titulares de cotas correspondentes a 10% (dez por cento) ou mais do patrimônio, se houver."

O caput prevê que "A pessoa jurídica que detiver participação igual ou superior a 5% (cinco por cento) do capital social da Sociedade Anônima do Futebol deverá informar a esta, assim como à entidade nacional de administração do desporto, o nome, a qualificação, o endereço e os dados de contato da pessoa natural que, direta ou indiretamente, exerça o seu controle ou que seja a beneficiária final, sob pena de suspensão dos direitos políticos e retenção dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra forma de remuneração declarados, até o cumprimento desse dever."

Justificou-se o veto com base no temor de que a norma afugentaria fundos interessados na aplicação de recursos no futebol. Não se apresentou evidência de que isso aconteceria e de que, se o caso, o impacto seria relevante. Sobretudo porque o mercado do futebol não carecerá de falta de liquidez. Há recursos disponíveis e abundantes no Brasil e no exterior para projetos bem estruturados. O que faltava, e foi suprido com a Lei da SAF, era um marco legal que trouxesse segurança jurídica e previsibilidade.

Ademais, os responsáveis pelo veto não olharam, por outro lado, para o propósito da norma: a sinalização de que o mercado que se pretende formar deve ser construído sobre transparência absoluta. O sinal se justificava pela natureza da atividade futebolística e pela obscuridade das iniciativas realizadas sob a égide de leis que antecederam a Lei da SAF.

O parágrafo único do art. 6º, aliás, não impediria a participação de fundos de investimento, como se pretendeu afirmar. Deles se exigiria, caso realmente quisessem entrar e se beneficiar de oportunidades nascentes, que fornecessem informações específicas sobre cotistas que ostentassem determinadas posições. Apenas isso.

Outro veto que resistiu ao esforço para derrubá-lo consiste no inciso I do art. 8º, que determinava que certas informações sobre a composição acionária da SAF, como indicação do nome, da quantidade de ações e do percentual no capital detidos por cada acionista deveriam ser publicadas no  sítio eletrônico da companhia. O texto era o seguinte: "Art. 8º A Sociedade Anônima do Futebol manterá em seu sítio eletrônico: I - informações sobre sua composição acionária, com indicação do nome, da quantidade de ações e do percentual detido por cada acionista, inclusive, no caso de pessoas jurídicas, dos seus beneficiários finais, nos termos do art. 6º desta Lei; (...)".

A motivação do veto foi externada na Mensagem 388, com o seguinte conteúdo:

"Todavia, em que pese se reconheça o mérito da proposta, a medida contraria o interesse público, pois implicaria em um desnecessário sistema administrativo de controle e reporte de participações pouco relevantes para a governança da Sociedade Anônima do Futebol, além de desestimular o ingresso de tais sociedades no mercado de capitais, quando a amplitude e a rotatividade de suas bases acionárias tenderiam a atingir níveis elevados.

Ademais, o dispositivo poderia ensejar no desestímulo ao investimento minoritário nas Sociedades Anônimas do Futebol, visto que promoveria uma excessiva exposição de posições financeiras de investidores.

Por fim, verifica-se, também, que o texto está em descompasso com o § 1º do art. 100, da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, o qual estabelece a divulgação de participação acionária, mediante certidão, 'a qualquer pessoa, desde que se destinem a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários'. Assim, a divulgação indiscriminada de sua composição acionária pela Sociedade Anônima do Futebol, com a indicação do nome, da quantidade de ações e do percentual detido por cada acionista, acabaria por contrariar a própria sistemática da referida propositura."  

Os argumentos colidem com os princípios formadores da proposta de criação do novo mercado do futebol, quais sejam, transparência, publicidade, controle, segurança jurídica e sustentabilidade, que se justificam pela característica única da atividade futebolística. Eventual exposição que a norma pudesse acarretar deveria ser vista como contrapartida necessária ao ingresso no novo mercado, que não pode estimular ou compactuar com a ocultação da origem do investidor.

Nesse sentido, aliás, não cabe a uma lei societária específica afirmar que tal pessoa pode ou não investir na SAF; mas ela pode - e deve - zelar para que o torcedor e a sociedade em geral saibam quem essa pessoa é. Daí, se o clube, que será na origem o controlador da SAF, quererá ou não entabular algum tipo de negócio com tal pessoa, passará a ser uma decisão interna de seus associados - e, eventualmente, de seus torcedores.

Por fim, o argumento de que o inciso não se coadunaria com a sistemática da lei 6.404/76 também é equivocado. A SAF se sujeita a certas regras exclusivas -poucas é verdade - porém arquitetadas para formação de um microssistema próprio. Em relação ao seu conteúdo restrito, que se aplica apenas a ela, cria-se um modelo de sobreposição à lei do anonimato. Inexistiria, pois, antinomia; apenas uma opção legislativa por um nível maior de informação e transparência para companhias do futebol, sujeitas à lei 14.193/21.

Resta, porém, uma boa notícia: apesar dos vetos, que trariam mais transparência e informação ao sistema, a estrutura fundamental do projeto de criação da SAF foi preservada, e a nova Lei surge como um fio de esperança para o resgate e o desenvolvimento esportivo, econômico e social da atividade no Brasil.