O São Paulo Futebol Clube e os seus técnicos
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
Atualizado às 08:13
Tenho um querido amigo que se diz um pouco frustrado por não ter casado. Acha que não teve sorte em seus relacionamentos - que não foram poucos.
Sem qualquer juízo de valor ou proposição sexista (ou machista) - ao contrário -, acho que já o vi, sem exagero, com umas cinquenta namoradas (sem contar as dezenas de relações fugazes), com as características das mais distintas: famosas ou não, atrizes ou profissionais liberais, intelectuais ou alienadas, progressistas ou conservadoras, esportistas ou sedentárias, altas ou baixas, nacionais ou estrangeiras; enfim, já nem consigo mais agrupá-las, tamanha a diversidade.
Aliás, as pessoas que vivem ao seu redor não querem mais se afeiçoar porque, ao final de cada história, curta ou relativamente longa para os padrões dele, que invariavelmente se inicia com o ímpeto da novidade - mesmo quando se trata de uma tentativa de resgate relacional -, termina com as justificativas mais variadas, algumas reincidentes, que poderiam até ser agrupadas de modo a se identificar padrões de condutas em função das características da ex.
Em comum, a exteriorização (ou projeção) das mazelas. Afinal, como diria Jean-Paul Sartre, o inferno são os outros.
Talvez. Mas, também talvez, o diabo sejamos nós.
Essa narrativa me faz lembrar o São Paulo e a sua relação mais recente com os seus técnicos, inaugurada a partir dos primeiros sinais de decadência política, moral e esportiva - cuja revelação coincide com o fim de sua hegemonia, marcada pelo tricampeonato brasileiro consecutivo.
De lá para cá, após a saída do tricampeão Muricy Ramalho, a lista é extensa: Ricardo Gomes (mais de uma vez), Paulo César Carpegiani, Adílson Batista, Émerson Leão, Ney Franco, Paulo Autuori, Muricy (novamente), Juan Carlos Osorio, Doriva, Edgardo Bauza, Rogério Ceni, Dorival Júnior, Diego Aguirre, André Jardine, Cuca, Fernando Diniz, Hernán Crespo e, novamente, Rogério Ceni. Sem contar as soluções caseiras ou improvisadas, envolvendo Milton Cruz, Sérgio Baresi, Pintado, Vagner Mancini e Vizolli.
Aí estão técnicos de pelo menos 4 países (incluindo o Brasil), dotados das mais distintas características, qualidades e defeitos, e que foram, com raríssimas exceções, triturados pela máquina de moer tricolor.
Alguns foram realmente mal; outros bem. Pouco importa, de todo modo, para a reflexão que aqui se faz. Importa a investigação da origem do problema (apesar da relevância do efeito).
E aí seria desonesto afirmar que - assim como na situação do meu amigo e suas namoradas - todos os técnicos não entenderam o São Paulo. Ou não absorveram a sua linha de atuação. Ou erraram no padrão de jogo que se pretendia impor. Ou não perceberam que o São Paulo é diferente. Ou...
Até porque, alguns deles se projetaram por lá, no Morumbi, e fazem parte de sua história. Conhecem suas entranhas.
Outros saíram e voltaram (casos de Carpegiani, Cuca e Ricardo Gomes), de modo que, se houvesse alguma incompatibilidade, não teriam sido recontratados.
E heróis de grandes vitórias, como Paulo Autuori, foram resgatados para, na sequência, caírem sem as glórias pelas quais devem ser lembrados e celebrados.
Partindo-se, pois, da premissa de que, excluindo-se alguns poucos treinadores que, realmente, não fizeram nenhum sentido, a maioria é qualificada e vitoriosa, e, mesmo que tivesse - como as 50 namoradas do meu amigo -, alguma parcela de culpa, a culpa maior esteve e está no empregador: isto é, no São Paulo.
Diz-se, com frequência, que treinadores, mesmo após inícios vigorosos, perdem o controle do vestiário. Foi o que se afirmou sobre Crespo (olhando de fora, a mais acertada aposta desde 2009). Ora, se de fato um treinador com a história e as qualidades do argentino não conseguiu controlar um grupo de jogadores que não se notabiliza, com raras exceções, pelas suas conquistas, é porque não teve apoio de quem estava acima dele. Inclusive para peitar e afastar problemas que, talvez, cada um a seu tempo, tenham inviabilizado outros bons treinadores.
Assim se justifica a volta de Rogério Ceni: um movimento (perigosamente) populista, encobridor das corrosões estruturais que ele, Rogério, também não resolverá. Ao contrário: as intensificará, paradoxalmente, sobretudo se for bem-sucedido em sua missão de salvar o time do rebaixamento e o levar à Libertadores. Pois ele é a aposta (e o sonho) do continuísmo (que elegeu, é importante que o torcedor jamais se esqueça, o campeonato paulista como a nova copa do mundo são-paulina).
Rogério sabe disso, como sabia em sua primeira passagem que fora contratado como escudo de proteção da diretoria. Tanto que impôs, como condição de assinatura de contrato, uma multa pornográfica para um novato que, a rigor, naquele momento, poderia ter trabalhado graciosamente para aprender a nova profissão. Como de fato aprendeu. Tão bem que, além de colecionador de títulos como técnico, deverá receber nova multa se for malsucedido em sua missão messiânica ou se os jogadores passarem, como ocorreu com Crespo, a não entender a sua proposta de trabalho - e pedirem a sua cabeça.
E assim a linhagem cartolarial que vem há anos reduzindo o tricampeão da libertadores e do mundial a campeão paulista dirá - como aquele meu amigo, em relação às suas namoradas - que Ceni não era para o São Paulo. Pois o São Paulo é diferente. É soberano.