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A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) virou lei. Mas o Congresso Nacional precisa derrubar os vetos que obstaculizam a formação do novo mercado do futebol

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Atualizado às 07:29

Após aprovação unânime no Senado Federal e aprovação do texto integral, sem qualquer alteração, na Câmara dos Deputados, com 429 favoráveis e apenas 7 contrários, o PL 5.516/19, de autoria do Senador da República, Rodrigo Pacheco, que institui a sociedade anônima do futebol (SAF) e o novo mercado do futebol, foi encaminhado à sanção presidencial.

No limite do prazo constitucional, o Presidente da República o sancionou, convertendo-o na lei 14.193, de 6 de agosto de 2021 ("Lei Rodrigo Pacheco"). A SAF tornou-se, enfim, realidade, e poderá cumprir seu papel nuclear no novo sistema futebolístico.

Mas a derradeira batalha ainda haverá de ser vencida para que seus propósitos não sejam desviados. 

Seguindo-se a miopia de governos anteriores, foram vetados institutos indispensáveis à formação do novo mercado e à criação de um ambiente sustentável.

Isso mesmo: operou-se uma mutilação na Lei Rodrigo Pacheco que, se não for derrubada pelo Congresso Nacional, poderá contribuir para que a casta cartolarial intensifique o processo de auto encastelamento.

Deixarei de lado, neste texto, as críticas que deveria fazer aos vetos ao parágrafo único do art. 6º e ao inciso I do caput do art. 8º, ambos destinados a dar transparência e publicidade à identidade de investidores e a atos da SAF. Não que não sejam relevantes; muito ao contrário. Mas, pelo tamanho do espaço, focarei em dois aspectos essenciais ao novo sistema do futebol: o Regime de Tributação Específica do Futebol, ou TEF, e o mais promissor instrumento de financiamento do futebol da história, a debênture-fut.

Em relação ao primeiro, a sistemática originalmente prevista no PL 5.516/19, que previa um regime tributário transitório, por prazo suficiente para que, após alguns anos de adaptação, a SAF se submetesse às regras de tributação de qualquer empresa, parecia-me ser a melhor alternativa. Mas o Congresso Nacional, em processo democrático e irretocável, optou por um regime permanente.

E é esse regime, o TEF, que, após superação de debates e de verificação de legalidade e constitucionalidade em duas casas congressuais, foi barrado na Presidência da República. Aliás, apesar de reconhecer a "boa intenção do legislador", o veto indica que sua manutenção acarretaria renúncia de receita e, pelos motivos nele expostos, contrariaria a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Ora, em primeiro lugar, o Estado vem custeando e financiando os clubes há décadas, com imunidades, isenções, parcelamentos e patrocínios; e em troca recebe o inadimplemento no tocante às poucas obrigações tributárias que são impostas às entidades clubísticas - além, o que é muito grave, do não recolhimento aos cofres públicos de tributos retidos e não pagos, na forma da lei (caracterizando, eventualmente, crime de apropriação indébita).

Nada - pelo menos com relação aos tributos que passariam a ser devidos de forma consolidada, com base na receita mensal da SAF - é, atualmente, arrecadado. A suposta renúncia não passa de argumento retórico, e a irresponsabilidade, no caso, não tem natureza fiscal; mas, apenas, política, e de quem orientou o veto. Inclusive porque não se inclui, no orçamento, receitas advindas dessas atividades.

No que se refere ao segundo veto, consistente no afastamento dos benefícios instituídos às pessoas que aplicassem seus recursos em debêntures emitidas pela SAF, e assim se precipitasse a formação de inovador, promissor e pujante mercado para o futebol - aliás, jamais formado no Brasil -, entendeu-se, na mesma linha do veto anterior, tratar-se de renúncia de receita e de norma contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Aqui a retórica (ou falácia) se revela ainda mais absurda: associações sem fins econômicos, como os clubes de futebol, não emitem (nem podem emitir) debêntures; e inexiste, no País, um mercado de dívida estruturada, o que leva os times a se financiarem da forma mais arcaica possível, a taxas escorchantes.

A debênture-fut, aprovada pelo Congresso Nacional, que estabelece que os rendimentos decorrentes de aplicações nesses valores mobiliários sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda às alíquotas de (i) 0%, quando auferidos por pessoa natural residente no País e (ii) 15% quando auferidos por "pessoa jurídica ou fundo de investimento com domicílio no País, ou por qualquer investidor residente ou domiciliado no exterior, incluindo pessoa natural ou jurídica ou fundo de investimento, exceto nos casos em que os rendimentos sejam pagos a beneficiário de regime fiscal privilegiado, nos termos dos arts. 24 e 24-A da lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, hipótese em que o imposto sobre a renda na fonte incidirá à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento)", além de não abalar o orçamento - porque nada é orçado a esse respeito -, não implica renúncia de receita, pois se trata de mercado que ainda não existe e, portanto, será criado.

A consequência da miopia governamental poderá resultar, pois, (i) na inviabilização da ocorrência de milhares de negócios que atrairiam a incidência da norma tributária - e, aí sim, gerariam uma legitima expectativa arrecadatória - e, pior, (ii) na criação apenas de um mercado de recuperação judicial e centralização de execuções.

O problema reside no fato de que, esse mercado, sem o estímulo da passagem do ambiente associativo ao da SAF, estimulará arranjos no plano dos próprios clubes que, durante e após a recuperação, continuarão a ser clubes - e não deixarão de ser clubes. E assim se reforçará o associativismo como meio de detenção da propriedade da empresa futebolística e se alimentará o ambiente para perenização do cartolismo.

Por esses motivos, a luz para o futebol consiste no restabelecimento, pelo Congresso Nacional, do conteúdo integral do PL 5.516/19, com a derrubada dos vetos presidenciais.