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Brasil, Amazônia, futebol e o mercado

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Atualizado às 09:23

O amigo brigadista e guia turístico em Alter do Chão, Daniel Govino, afirmou, numa conversa informal, que o problema do desmatamento não era o agro, mas o ogro. A frase me perturbou, inicialmente, mas depois se abriu com certa clarividência.

Quando ela já parecia se solidificar em meus pensamentos, Daniel proferiu, na mesma conversa, outra frase, atribuída a Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde Alegria, ativista radicado no local, que tinha mais ou menos a seguinte construção: precisamos nacionalizar a Amazônia e amazonizar o mundo.

A conjunção de ambas parecia fazer ainda mais sentido, a despeito das eventuais idiossincrasias que pudessem suscitar.

(Ainda) não sou um estudioso do tema ambiental; apenas um leitor assíduo de matérias jornalísticas e de livros eventuais. Mesmo assim, achei que deveria trazer a temática para esta coluna.

O Brasil é pródigo em entregar, sem contrapartidas, as suas riquezas. Mais do que isso, aliás: em permitir ou estimular processos de esgotamento de elementos que poderiam contribuir para sua afirmação como país hegemônico.

O entreguismo vem de suas origens, apesar de que, antes, fora fundamentado mais na ingenuidade ou na dependência colonial, do que numa convicção patrimonialista destrutiva e na ganância individualista, marcas da sociedade contemporânea - e que norteiam as condutas internas em relação a situações essenciais como o meio-ambiente e o futebol.

Antes de ser um patrimônio mundial, a Amazônia (ou parte dela) pertence ao Brasil.

O problema é que, para que o sentimento de pertencimento se efetive, o brasileiro deve conhecê-la, reconhecê-la como sua, apropriar-se dela (figurativa e fisicamente) e se envolver com a sua ocupação e utilização sustentáveis - que pressupõem a preservação, o desenvolvimento das comunidades locais e o exercício de atividades empresariais responsáveis e engajadas.

Talvez esse seja o propósito da ideia de nacionalização, imaginada pelo autor daquela frase. E talvez ela revele um conteúdo intrínseco de difícil (mas necessário) enfrentamento: o sucesso desse processo depende da celebração de um amplo pacto em torno do tema ambiental, do qual deverão fazer parte o Estado, governos, empresários, comunidades, entidades não governamentais e turistas.

A preservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia viabilizariam, então, o alcance de objetivo maior, consistente numa espécie de polinização planetária a partir da afirmação e liderança em movimento que norteia a agenda multilateral e internacional.

Sem exageros, a situação e a relação com o futebol podem ser encaradas sob mesmo ângulo.

Não se trata, é verdade, de atividade autóctone; porém, foi a partir da intervenção esportiva brasileira - e de brasileiros - que se espalhou por praticamente todos os países existentes. Não custa lembrar que, além de a FIFA contar com mais membros do que a ONU, o cidadão brasileiro, por onde anda, costuma ser recebido com uma simpática lembrança sobre a importância (ou reverência) que se presta a Pelé, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká, Neymar e outros ídolos.

Ao invés de valorizar essa riqueza, o Brasil a explorou - e ainda explora - ao limite do esgotamento, permitindo o enriquecimento de pequeninos e nada representativos grupos de interesses e, ao mesmo tempo, a apropriação externa de suas riquezas.

Não à toa que se convive com (i) o endividamento bilionário dos clubes brasileiros,  financiado (o endividamento) por recursos públicos, (ii) a intensificação de uma indústria exportadora de pé-de-obra e (iii) a ainda pífia participação da indústria futebolística no PIB nacional.

Uma solução salvadora se anuncia com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Rodrigo Pacheco (PL 5.516/19), que cria a sociedade anônima do futebol (SAF) e o novo mercado do futebol.

Antes mesmo da sanção presidencial - que se aguarda para as próximas horas ou para os próximos dias -, a imprensa já noticia o interesse de alguns dos maiores e mais ativos grupos financeiros no desenvolvimento de projetos futebolísticos.

A futura lei poderá viabilizar, assim, a libertação e o desenvolvimento de uma atividade que, mais do que qualquer outra no plano humano, se presta a afirmar a cultura e a influência brasileiras.

Por esses motivos, a sociedade deve ficar atenta e cobrar do mercado atuações condizentes com o propósito grandioso da lei, que não foi concebida para que um ou outro agente se beneficie e enriqueça ainda mais.

Ganhos financeiros são legítimos e benéficos para formação de um sistema sustentável e pujante. Mais do que isso: eles devem ocorrer, para que a riqueza se distribua entre os participantes diretos e indiretos do sistema, e com a sociedade em geral. Com eles, aliás, o próprio sistema se alimentará e autoalimentará, espalhando suas virtudes por todos os cantos e entre times de distintas dimensões - para deleite dos torcedores e do povo.

O lema do mercado que se formará deve ser composto, portanto, pelo trinômio responsabilidade, sustentabilidade e lucratividade. É a partir de iniciativas que se fundamentem nessa perspectiva que o futebol cumprirá suas funções econômicas e sociais. E com base nele, também, que o Estado deve nortear suas políticas públicas, a partir de agora.