Paul Beatty, o futebol e o PL 5.516/19 (de autoria do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, e relatoria do senador Carlos Portinho)
quarta-feira, 31 de março de 2021
Atualizado às 07:02
Paul Beatty é um escritor norte-americano, vencedor do Man Booker Prize. Dentre suas obras de destaque, relacionam-se as seguintes: The White Boy Shuffle; Tuff; Slumberland; e The Sellout.
No Brasil, é editado pela Todavia, que lançou, dentre outras, O Vendido (com tradução de Rogério Galindo).
Não é uma obra fácil. Ao contrário. Nela, o autor trata de temas essenciais, como racismo, preconceito, educação e segregação. E de outros mais.
A narrativa choca, em certas passagens, pela forma como Paul Beatty, que é negro, aborda, (apenas) aparentemente com tolerância e conivência, a suposta inevitabilidade da supremacia das classes dominantes (e brancas), a partir da história do protagonista e do desaparecimento político (e do mapa) de Dickens, a cidade em que mora, para atender a propósitos especulativos e imobiliários.
O primeiro parágrafo do livro, nesse sentido, confunde as impressões a respeito do caminho que se seguirá: "[p]ode ser difícil acreditar vindo de um negro, mas eu nunca roubei nada. Nunca soneguei impostos nem trapaceei no baralho. Nunca entrei no cinema sem pagar nem fiquei com o troco a mais dado por um caixa de farmácia indiferente às regras do mercantilismo e às expectativas do salário mínimo (...)".
Merece realmente ser lido.
O motivo de mencioná-lo em artigo que pretende tratar da relevância do modelo do novo marco regulatório do futebol - que o Senado Federal em breve, ao que tudo indica, deverá pautar -, é a semelhança com certo debate que o autor apresenta em relação à universalidade do modelo educacional norte-americano:
"Olha, a gente tentou de tudo: salas com menos alunos, mais horas de aula, ensino bilíngue, monolíngue e sublingual, inglês afro, inglês fonético e hipnose. Esquemas de cores projetados para criar o ambiente ideal para o aprendizado. Mas não importa quais tonalidades do morno para o quase frio você coloque nas paredes, no fim das contas são professores brancos usando metodologia branca e tomando vinho branco e algum administrador branco metido a besta ameaçando colocar um interventor na sua escola (...). Nada funciona."
Curioso, mas descreve o momento do futebol brasileiro: nada, ou quase nada funciona como deveria - exceto para quem o controla (e, sob enfoque patrimonialista, para quem dele se apropriou, sem nada pagar em contrapartida).
Já se debateu sobre tudo, sob todos os ângulos e justificativas, com ou sem a participação de governos, e sempre, sempre mesmo, partiu-se e chegou-se (ou não se chegou) a soluções, que não eram soluções - apenas paliativos - para preservar tudo como estava (e assim permanece) sob o controle das mesmas pessoas ou dos mesmos grupos cartolariais que destruíram a riqueza nacional, e que sempre quiseram, e ainda querem, que o Estado, mais uma vez, os salve, à conta do contribuinte; e, ao final, possam, com passes de mágica legislativa, começar novos ciclos de dominação - e apropriação.
Por isso que, enquanto o Brasil se encolhe em revoltante insignificância, países europeus, outrora reverentes, tornaram-se mais relevantes, econômica e esportivamente, e passaram a olhar-nos com certo desprezo (e como meros provedores de pé-de-obra).
Aliás, os europeus souberam separar os problemas e as soluções: de um lado, temas típicos de direito esportivo; de outro, temas de direito societário e de mercado.
Em relação a estes, não foram a fundo, é verdade, como foi o PL 5.516/19, de autoria do Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM/MG). Mas produziram leis que tiveram o mérito de reverter cenários complexos - e eventualmente caóticos.
Pois bem.
Talvez, pela primeira vez, se consiga, com a proposta do Presidente do Senado Federal, desmembrar a discussão - e tratá-la, menos no âmbito das páginas esportivas, e mais nas páginas econômicas. A propósito, é sempre bom lembrar: essa confusão conceitual - ou temática -, que agora se evita, marcou (talvez de modo intencional) a Lei Pelé e a impediu de atingir os propósitos almejados.
Não se pretende, pois, com o PL 5.516/19, regular a atividade esportiva - que merece, sim, ser repensada e eventualmente reformada, mas no âmbito de uma reforma setorial -, mas criar o novo mercado do futebol.
A bola, agora, está com o Senador Carlos Portinho (PL/RJ), que conhece profundamente o direito esportivo, e teve a sorte - que é um atributo a ser festejado e agradecido - de ser o escolhido, pelo Presidente Rodrigo Pacheco, para relatar o mencionado PL 5.516/19, com as características indicadas acima, no momento mais delicado da história do futebol brasileiro. E, assim, possui a chance de participar da necessária e emergencial construção do marco legislativo que poderá resgatar e recolocar o futebol brasileiro em posição condizente com a importância esportiva que já teve.