Características do neofutebol brasileiro
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Atualizado às 08:26
Circulam notícias de que dois rivais históricos, AC Milan e Inter de Milão - que já compartilham o mesmo estádio, de modo civilizado e colaborativo -, estariam organizando-se para construir, em conjunto, uma nova arena.
A novidade envolve o esforço para captação de recursos e definição de um plano de negócios que viabilize (i) a utilização, pelos dois times, em seus jogos nas diversas competições de que participem, e (ii) a exploração econômica do equipamento.
Esse negócio enquadra-se na definição de joint venture, que se trata de uma espécie de reorganização associativa, em que duas ou mais empresas, sem perder autonomia e independência em relação aos seus negócios, associam-se, mediante contrato ou constituição de uma nova empresa, para desenvolver determinada atividade ou explorar determinado ativo.
A constituição de nova empresa, que é chamada de equity joint venture, apresenta algumas características interessantes: o surgimento de uma unidade autônoma de negócios; a contratação de administradores próprios e, em tese, especialistas na atividade que se desenvolverá; o propósito lucrativo, que implicará a distribuição do excedente aos sócios - portanto, aos times que a constituíram; e o direcionamento de recursos antes utilizados para manutenção do estádio (ou da arena) para conta de investimentos ligados ao futebol.
Desse modo, os times podem dedicar-se, com exclusividade, aos seus negócios (a atividade futebolística) e, como sócios de uma empresa que atua na exploração da arena, cobrarão e receberão resultados e dividendos.
Fato é que, sob a forma de joint venture ou mediante investimento isolado - caso da Juventus, que empregou montante da ordem de 155 milhões de euros para construção do Juventus Stadium, que logo passou a chamar-se Allianz Stadium -, o tema arena (ou estádio) também não resistiu à evolução e à globalização do futebol, e os principais times dos principais centros de prática deram soluções que se acomodam às diversas realidades e, sobretudo, que se integram nos respectivos planos de negócios - e de crescimento.
No Brasil, o tema foi muito mal gerido; fora aproveitado para o cometimento de atentados ao erário e aos torcedores - e, em alguns casos, aos próprios times. Os resultados todos já conhecem: elefantes brancos, que consumiram bilhões de reais - os quais poderiam ter sido destinados à educação e à saúde, ou ao desenvolvimento do futebol -; e endividamentos impagáveis de determinados clubes.
O pano de fundo dessa peça é a falta de colaboração: clubes não colaboram entre eles, entidades administradoras do futebol lavam as mãos, e o Estado não atua para executar a única função que lhe é destinada no sistema: a definição de novo marco regulatório.
Portanto, cada agente corre para satisfazer seus interesses particulares, e, assim, se deixa, como legado, o caos.
Essa situação propicia o fortalecimento de um ou outro time, que consegue, por via do fluxo de recursos oriundos de um ou outro patrocinador ou pelo tamanho de suas torcidas, distanciar-se dos demais, criando-se um hiato indesejável, sob a perspectiva da sustentabilidade e da higidez sistêmica.
Aí está um retrato do neofutebol brasileiro.
Aliás, o neofutebol brasileiro é a antítese do modelo inglês (que estimula a concorrência e a distribuição da riqueza interna), ou do modelo norte-americano - aplicável em geral aos esportes populares -, cujo lema é rivalidade em campo, sociedade fora dele.
É isso, pois: a falta de colaboração, em todos os níveis, é um dos motivos do desmantelamento do invejável modelo de distribuição de forças entre times de diversos estados da federação e da transformação dos clubes brasileiros em exportadores periféricos de commodities.