Algumas (breves) considerações sobre a relação entreo futebol e o mercado na Turquia
quarta-feira, 30 de maio de 2018
Atualizado às 07:41
Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo
Apesar da paixão e do fanatismo da população turca pelo futebol - que elevam o confronto Galatasary x Fernerbahçe à condição de um dos grandes clássicos do mundo -, a principal liga do país ainda se encontra distante da lista dos cinco maiores (ou melhores) campeonatos nacionais da Europa.
Enquanto a Premier League, da Inglaterra (1ª colocada), e a Ligue 1, da França (5ª colocada), têm valores de mercado estimados em, respectivamente, 6,4 e 2,7 bilhões de euros1, a Super Lig, primeira divisão da Turquia, está avaliada, de acordo com o site especializado Transfermarkt, em 597,68 milhões de euros2.
Não é um valor módico, de fato, considerando que a País não é uma potência econômica, nem futebolística. Mas, ainda assim, revela uma posição consideravelmente inferior às posições de outras ligas europeias de "segundo escalão", como a Eredivisie, da Holanda, que vale algo em torno de 734 milhões de euros e que, de acordo com o Ranking da UEFA, está na 14ª colocação entre os melhores campeonatos europeus, atrás da própria Super Lig (10ª colocada)3.
Até mesmo o campeonato brasileiro da série A foi considerado mais valioso que a liga nacional turca: na avaliação do Transfermarkt, ele possui valor de mercado de 933,68 milhões de euros4.
Por outro lado, notícias dão conta de que os direitos de transmissão televisiva do campeonato turco foram vendidos à companhia Digiturk, no final de 2016, por 600 milhões de dólares anuais, em acordo válido até o fim da temporada 2022/20235; ou seja, mais de 2 bilhões de reais para transmitir partidas de uma liga de clubes menos valiosa, a princípio, que a praticada no Brasil.
Esse montante, inclusive, é superior ao valor que os clubes da primeira divisão brasileira receberão, da Rede Globo, por suas partidas transmitidas em canal aberto, negociado em 1,346 bilhões de reais (desconsiderados os valores relativos ao pay-per-view)6.
É de se notar, também, a presença de estrelas do futebol mundial na liga turca. Jogadores como Pepe e Quaresma, na atualidade, e Drogba, Sjneider, Roberto Carlos, Lugano e Van Persie, no passado recente, além de Alex, em seu auge, que seriam grandes contratações e atrações no futebol brasileiro, contribuíram para o fortalecimento do futebol de clubes na Turquia.
E, por fim, destaque-se: os seus 3 maiores times são companhias de capital aberto7; isto é, Galatasaray, Fenerbahçe e Besiktas são sociedades anônimas com ações emitidas na bolsa de valores de Istambul, aptas, portanto, a captar recursos com investidores no mercado, e submetidas a regras mais rígidas de transparência e governança, principalmente.
Aliás, não só o "trio-de-ferro" referido acima, que se reveza na condição de campeão da liga nacional, está listado na bolsa de valores da capital turca: o Trabzonspor, equipe da cidade de Trabzon, também é uma companhia aberta.
Dessas constatações surge o seguinte questionamento: se o campeonato brasileiro, como apontado pelo Transfermarkt, é consideravelmente mais valioso que o turco, por que nenhum time do Brasil quis (ou conseguiu) abrir o seu capital?
As razões não são de ordem econômica.
Afinal, tem-se aí um potencial gigantesco, porém, muito mal explorado. Imaginem as possibilidades: com a transformação do modelo organizacional dos times brasileiros, de associações para sociedades empresárias, e a sua aproximação do mercado de capitais, mediante a realização de aberturas de capital, os olhos dos investidores, no mundo todo, se voltarão ao Brasil.
Esse processo transformacional permitiria às nossas equipes a captação de recursos até então não disponíveis para elas.
A miopia do futebol, hoje, no Brasil, que o impede de enxergar esse potencial, é, ao mesmo tempo, o que atrasa o seu desenvolvimento.
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1 Ranking GE: Inglês é a melhor liga da Europa; Francês fica em último no top-5.
3 Rankings das competições de clubes da UEFA.
5 Digiturk lands major Turkish SuperLig rights deal.
6 A distribuição das cotas de televisão na Série A 2018, com bolo de R$ 1,3 bilhão.
7 Football clubs and the Stock Exchange in 2016.Borsa Istanbul.