Qual é a relevância da federação de Roraima para o futebol brasileiro? E a do Acre? Ou a de Mato Grosso?
Não se tem nada, absolutamente nada contra os Estados mencionados e outros que, no plano do futebol, jamais tiveram qualquer papel relevante em sua organização e funcionamento. Mas não se pode admitir que, no âmbito da política do futebol, suas federações tenham a mesma relevância que a federação paulista, com seus 4 grandes times e quase uma dezena de outros com alguma tradição e importância econômica; ou que a carioca, com uma estrutura, de certo modo, semelhante; ou, ainda, que a federação gaúcha e a mineira, que hospedam, pelos menos, dois times de expressão cada. Sem contar a pernambucana e a baiana que, se impusessem uma organização adequada aos seus times, poderiam almejar a dominação nacional.
Também não se pode admitir que as federações dos inexpressivos Estados no plano futebolístico tenham mais força do que Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Atlético, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Bahia, Vitória, Sport ...
Esse foi o sistema arquitetado, semana passada, certamente com base em robustas opiniões jurídicas, para preservar o modelo de dominação e apropriação do futebol brasileiro: a atribuição de 3 votos às federações, enquanto os times da primeira divisão carregam 2 votos e os da segunda, apenas um. Ou seja, os clubes jamais conseguirão controlar a organização do futebol.
A situação é grave.
A gravidade se revela pelo incessante distanciamento do torcedor, do brasileiro em geral, do estádio, de seus times. São reflexos evidentes de que os donos do poder não conseguem - ou não querem - estabelecer uma relação de afinidade com a torcida, com a sociedade. Pretendem, ao contrário, o distanciamento, para, assim, manter a dominação.
Há quem diga e projete o fim do esporte no país. Ou que questione a dimensão da paixão que realmente se nutre pelo jogo de bola. Qualquer que seja o ângulo de análise, o espectro costuma ser negativo, e expressa, de certo modo, a resignação coletiva.
O que não se percebe, com raríssimas exceções, é que o futebol não é mais brasileiro, do brasileiro. Ele pertence a um grupo de interesse que se apropriou não apenas do próprio futebol, mas de símbolos nacionais: o hino, as cores e a bandeira.
Esse grupo, ademais, se beneficia de um monopólio artificial, criado pela adesão a um sistema planetário que impede a entrada de novos concorrentes, em qualquer um de seus níveis organizacionais, sem oferecer um sistema local de contrapartidas.
Não há saída, portanto, para essa situação, enquanto o brasileiro não gritar basta.
Um grito individual, às margens de um córrego, já foi, segundo a história oficial, capaz de impor um novo modelo político, sem guerra, sem sangue, sem morte. Um grito coletivo, nos dias de hoje, com a penetração das novas mídias e das redes sociais seria, é bem provável, capaz de produzir transformações mais profundas.
Serão elas desejadas, no entanto? Jogadores, torcedores, treinadores, dirigentes de clubes, jornalistas, profissionais liberais, professores, empresários, artistas, agentes de mercado, enfim, estará a sociedade em busca da libertação do maior patrimônio cultural do país? Ou preferirá continuar a testemunhar a desconstrução de sua história?
Ou será que preferirá continuar a esquentar os sofás, nas tardes ensolaradas de sábado e domingo, diante do mundo encantado do futebol europeu?