O futebol e a divulgação de comunicados e fatos relevantes
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
Atualizado às 08:28
No dia 9 de fevereiro de 2016, o Conselho de Administração do Sporting, de Portugal, emitiu o seguinte comunicado ao público:
"Comunicado da Sporting SAD sobre prorrogação do vínculo de William. Nos termos e para efeitos do cumprimento da obrigação de informação que decorre do disposto no artigo 248.º, n.º 1 al. a) do Código de Valores Mobiliários, o Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informa que o atleta William Silva de Carvalho prorrogou o seu vínculo contratual com a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD até à época de 2019/2020, fixando-se a cláusula de rescisão em ?45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros). Lisboa, 9 de Fevereiro de 2016. O Conselho de Administração".
No dia 16 de junho de 2016, o Benfica, outro time de Lisboa, Portugal, emitiu o seguinte comunicado ao público:
"COMUNICADO. A Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD, em cumprimento do disposto no artigo 248o do Co'digo dos Valores Mobilia'rios, informa que chegou a acordo com o Atle'tico de Madrid para a transferência a ti'tulo definitivo dos direitos do atleta Osvaldo Nicola's Fabia'n Gaita'n pelo montante de ? 25.000.000 (vinte e cinco milho~es de euros). Mais se informa que o jogador ira' proceder a` realizac¸a~o de exames me'dicos e a` celebrac¸a~o de um contrato de trabalho com o Atle'tico de Madrid. O Conselho de Administrac¸a~o 16 de junho de 2016"
No dia 8 de janeiro de 2016, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ("CMVM"), órgão que regula e fiscaliza o mercado em Portugal, emitiu o seguinte comunicado:
"O Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou, nos termos do artigo 214º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 213º do Código dos Valores Mobiliários, a suspensão da negociação das ações do Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD até à divulgação de informação relevante sobre o emitente". (grifou-se)
No mesmo dia, o Porto publicou o seguinte comunicado em resposta ao comunicado da CMVM, com o propósito de reverter a suspensão da negociação com ações de sua emissão:
"A Administração da FC Porto - Futebol, SAD tomou a decisão de substituir a equipa técnica liderada por Julen Lopetegui. Nesse sentido, o treino desta sexta-feira será orientado por Rui Barros, que assume interinamente a direcção técnica da equipa profissional de futebol. O FC Porto e Julen Lopetegui estão neste momento a negociar os termos da rescisão do contrato".
Após o imbróglio de janeiro, o Porto passou por nova reformulação de sua equipe técnica, ocasião em que emitiu o seguinte comunicado, antecipando-se a uma possível ação do órgão regulador:
"COMUNICADO. A Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, nos termos do artigo 248o no1 do Co'digo dos Valores Mobilia'rios, vem informar o mercado que chegou a acordo com o treinador da equipa principal de futebol, Jose' Peseiro, para a cessac¸a~o do seu vi'nculo contratual no final da presente e'poca desportiva. O Conselho de Administrac¸a~o. Porto, 30 de maio de 2016".
Todos esses comunicados servem para atender às normas de organização do mercado acionário português. Os três times mencionados se sujeitam a essas normas porque optaram, em algum momento de suas histórias, pela abertura de seus capitais e a consequente captação de recursos junto ao público investidor.
A abertura de capital é um ato voluntário do emissor das ações, deliberado pelos seus acionistas.
Emissor é a companhia cujas ações são negociadas no mercado. Nos casos em referência, são emissoras as sociedades anônimas desportivas constituídas pelos clubes esportivos Porto, Benfica e Sporting, respectivamente. Além de emissoras, as sociedades anônimas desportivas passaram a exercer a empresa futebolística e são elas, e não os clubes, que entram em campo, disputam campeonatos e, eventualmente, ganham títulos.
Os clubes esportivos, por outro lado, continuaram a existir, na qualidade de acionistas das sociedades anônimas desportivas e organizadores de (i) atividades não vinculadas ao futebol e (ii) puramente associativas, de interesse dos associados dos clubes.
Em um ambiente de mercado, costuma-se regular a divulgação e o uso de informações, pelas emissoras de valores mobiliários, sobre atos ou fatos relevantes que possam, de algum modo, afetar (i) a cotação das ações e (ii) a decisão de investidores de comprar, vender ou manter valores mobiliários.
Esse chassi também está presente na regulação do mercado brasileiro.
Por isso, os principais agentes que vierem a participar da criação do novo mercado do futebol para o Brasil, incluindo os clubes (e as futuras sociedades anônimas do futebol, previstas no PL 5.082/16), a CVM e a BMF&Bovespa deverão, para que o processo funcione, refletir sobre as peculiaridades desse novo ambiente e as tradições do futebol, e reconhecer que ajustes serão necessários.
Assim, se o regulador quiser tratar o futebol da forma que trata uma indústria ou um banco, dificilmente funcionará. E o motivo é simples: o futebol se sujeita ao assédio de torcedores e jornalistas que, legitimamente, buscam e divulgam a informação com o propósito meramente informativo, sem qualquer pretensão econômica ou especulativa, e a passagem ao modelo de mercado não mudará essa conduta.
Por outro lado, os clubes e as futuras sociedades anônimas do futebol não poderão abusar do mesmo argumento, de que o interesse e a cobertura da mídia são incontroláveis, para evitar qualquer tipo de comunicação e deixar rolar a especulação em relação a negócios que possam afetar a cotação de ações.
Uma conclusão já se pode extrair desse processo: ele contribuirá para trazer transparência e credibilidade ao futebol brasileiro.