Uma proposta para solução da bilionária dívida dos clubes com o fisco
quarta-feira, 17 de agosto de 2016
Atualizado às 08:25
A participação do Estado no futebol é indesejada. Sua função deve se restringir à criação de um ambiente adequado para o seu desenvolvimento. Por isso devem ser encontrados meios para reduzir e, idealmente, eliminar as formas pelas quais o Estado se envolve com a administração e o financiamento do jogo no Brasil.
Realmente, o futebol brasileiro, conforme se organiza, depende de intervenções estatais. A mais recente foi o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, instituído pela lei 13.155, de 4 de agosto de 2015 ("Profut").
Ao aderir ao Profut, o clube se beneficiou de um parcelamento de débitos1 na Secretaria da Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Banco Central do Brasil, bem como os previstos na subseção II, no Ministério do Trabalho e Emprego. Além de prazo longuíssimo para pagamento - 240 meses -, também se lhe ofereceu redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais.
Os programas de salvação não são a única forma de financiamento Estatal. Isenções e perdões, nos planos Federais e municipais, costumam compor a cesta de bondades.
Há mais, ainda.
Certos clubes também recebem por meio de patrocínio, protagonizado por empresas públicas ou de economia mista, que distribuem milhões de reais para decorar suas camisas. A Caixa Econômica, por exemplo, pagará a 12 times, ao longo de 2016, o expressivo montante de R$ 122.000.000,00.
Esse modelo é perdedor. O Estado não tem competência técnica para criar um sistema futebolístico compassado com a complexidade organizacional e competitiva dos tempos atuais. E os recursos empregados criam uma "indústria" que se acomoda com a certeza do resgate e do tratamento diferenciado.
A função, diante desse cenário, deve se limitar à criação do ambiente para o resgate e o desenvolvimento do futebol. E isso se alcança por meio do exercício de sua competência legislativa.
Inclusive para prover uma solução à bilionária dívida de que é credor.
Antes de se apresentar uma solução, faz-se um alerta. Ao se propor a atuação estatal por meio de produção legislativa, não se sugere, em hipótese alguma, estatizar o futebol. Ao contrário, o propósito é livrá-lo, como já revelado acima, do Estado- financiador.
Também não se pretende, por outro lado, entregar o futebol ao mercado, para que dele extraia os lucros que o motivam, sem qualquer forma de controle ou limitação.
O caminho ideal, ainda inédito no planeta - mesmo nos países europeus ocidentais que protagonizam o esporte mundial -, que não soube modular adequadamente os valores sociais, culturais e econômicos envolvidos, está na proposição de vias de direito que possam estancar e reverter a metástase sistêmica.
Uma delas - que parte da premissa de que o clube constitua uma sociedade anônima do futebol ("SAF") para gerir o futebol profissional de modo autônomo e isolado de todas as demais atividades sociais e esportivas, sob um modelo de governação arquitetado para solucionar problemas do passado e construir os alicerces para o futuro - envolve o pagamento da dívida tributária com ações da SAF.
Assim, num primeiro momento, clube e Estado seriam sócios, acionistas de uma mesma empresa, com fins lucrativos. O clube na qualidade de controlador da SAF e o Estado de acionista minoritário. Como consequência, um se livra da dívida e o outro recebe um ativo - ações -, em troca de um crédito tributário que se alonga há décadas.
Essa solução somente se implementaria se houvesse convergência de vontades, não por imposição. A vontade do clube se manifestaria pela necessária aprovação dos associados, reunidos em assembleia geral; e o Estado somente converteria a dívida ou receberia ações em pagamento se o negócio se justificasse economicamente, na forma estabelecida em lei especial.
Mas se deve aqui reconhecer uma segunda premissa. A manutenção da participação na SAF não é benfazeja ao Estado. Tampouco aos clubes ou a essas companhias, pois se veriam envolvidos em tramas políticas que não lhes tocam e que poderiam prejudicar o rendimento profissional.
Por isso, a participação deve ser provisória, e não definitiva, apenas como via para pagamento da dívida tributária, em benefício do devedor e do credor. E como meio de libertação do Estado-financiador.
A saída para o imbróglio é a obrigatoriedade da venda da participação, em determinado prazo e sob certas condições, por meio de leilões em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado, preferencialmente conforme regulação da Comissão de Valores Mobiliários ("CVM").
Venda essa que pode se realizar em bloco ou, ao contrário, com o propósito de pulverizar a participação entre milhares de pequenos torcedores-investidores, que passariam a manter uma relação patrimonial com o time (além da passional).
Já existe, aliás, um normativo da CVM que trata da alienação de ações de propriedade de pessoas jurídicas de direito público e de entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público: a Instrução 286, de 31 de julho de 1998. Mas nada impede que a autarquia regule especificamente a situação da venda de participação futura no capital da SAF.
O que falta, porém, é a lei especial que regule, em primeiro lugar, a criação da SAF, veículo para o surgimento do novo mercado do futebol e, em segundo, os mecanismos para transformação de dívida em participação acionária e, na sequência, para alienação no mercado. Esses são, aliás, alguns dos propósitos que justificam a apresentação do PL 5.082/16, que tramita no Congresso Federal. E que estabelece, em relação à conversão de dívida ou dação em pagamento com ações da SAF, o seguinte:
"Art. 43. Lei especial deverá regular a participação da administração pública direta no capital da SAF, que somente será admitida no caso de subscrição de ações ou dação em pagamento, em ambos os casos decorrente de conversão ou de pagamento de débito da Associação ou da SAF com a administração.
§ 1º. A participação da administração pública direta será provisória, e deverá ser alienada, preferencialmente, mediante leilão, na forma da regulação da CVM.
§ 2º. A conversão ou o pagamento de que trata o caput deverá ser aprovado por acionistas que representem metade mais uma, no mínimo, das ações com direito de voto, dentre elas, necessariamente, as ações classe A, se maior quórum não for exigido pelo estatuto da SAF".
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