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Fusões e aquisições no futebol

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Atualizado em 19 de julho de 2016 12:25

O universo empresarial é palco permanente de negócios que afetam a propriedade societária. O mercado costuma referir-se a esses negócios como fusões e aquisições. A expressão vem do inglês: mergers and acquisitions.

O Direito brasileiro regula certos negócios societários no Código Civil e na Lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76).

Vejam-se alguns.

O art. 227 da lei 6.404/76 trata da incorporação, que é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra. Ao final, portanto, uma empresa "engole" a outra, sendo que o patrimônio da engolida passa a fazer parte da incorporadora.

Os acionistas da incorporada deixam de ter participação nesta sociedade e recebem, em troca, participação da incorporadora.

Verifique-se, abaixo, como isso funciona:

Prosseguindo, o art. 228 da mesma lei trata da fusão. É a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem, para formar uma nova. Resulta, assim, na extinção das fusionadas e na criação de uma nova sociedade.

Os acionistas daquelas sociedades passam a deter participação apenas na sociedade que se cria.

Do ponto de vista prático, trata-se de negócio que, no Brasil, quase nunca ocorre, justamente por promover a extinção das partes envolvidas. Com isso, a nova sociedade deve proceder a registros, atualizações, inscrições e praticar todos os demais atos inerentes ao início de uma atividade empresarial.

De todo modo, resulta no seguinte esquema:

Continuando, o art. 229 da lei 6.404/76 descreve a cisão. Expressa a operação pela qual a companhia transfere parcelas de seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a cindida se as versões envolverem todo o patrimônio; ou dividindo-se o seu capital, se a cisão for parcial.

Esse negócio produz o seguinte efeito na cindida (no exemplo abaixo, envolvendo cisão parcial):

A lei 6.404/76 também regula a alienação de controle. Esse tipo de negócio implica a transferência, direta ou indireta, de direitos de sócios que permitem o exercício do controle da sociedade.

Não se encontra, nessa lei, a definição de controle; define-se, por outro lado, controlador. Controlador é a pessoa natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto que: (a) é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações sociais; e (b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento da administração.

Outras operações são reguladas pela lei 6.404/76, como a transformação ou a aquisição de controle mediante oferta pública.

Há, ainda, uma espécie de operação, não regulada especificamente, mas de ocorrência habitual: a aquisição de participação societária, sem envolver a transferência de controle.

Nesse negócio, um ou mais sócios transferem, para outra pessoa, ações ou quotas de sociedade empresária, em número igual ou inferior à metade, menos uma, das ações votantes (ou das quotas) de sua emissão.

O adquirente das ações passa à condição de sócio minoritário, ostentando os direitos previstos em lei ou negociados com o sócio controlador.

Todas essas operações não se aplicam, como regra, aos principais clubes de futebol do Brasil. Porque eles não se organizam como sociedades empresárias; ou porque não criaram estruturas jurídicas, por eles controladas, que permitam sua inserção no ambiente dos negócios societários.

Ao contrário: por essas bandas, manteve-se, sobretudo para os times mais importantes e tradicionais, o modelo secular e arcaico, que concentra nas associações civis, sem finalidade econômica, a operação e gestão da empresa futebolística.

Mas não se deve comemorar a impossibilidade de ocorrência de negócios dessa natureza como se fosse uma qualidade do sistema.

Aliás, a realidade, nos principais centros de prática do esporte, é outra. E, em relação aos negócios de fusão e aquisição, costumam ocorrer com certa frequência.

Nesse sentido, vários negócios societários estamparam, recentemente, as manchetes dos principais jornais europeus, dentre os quais um envolvendo a Inter de Milão e, outro, o Atlético de Madri.

No primeiro, o grupo chinês Suning adquiriu aproximadamente 70% do capital de uma sociedade empresária que opera a atividade futebolística do time milanês, com o propósito de "resgatar seu esplendor".

O segundo teve como objeto a aquisição, pelo Atlético de Madri, de participação de 34,6% do time francês Lens, atualmente na segunda divisão do campeonato deste país.

Pergunta-se, assim: e o Brasil com isso? Quais os reflexos e como deveria se posicionar?

Primeiro, não existe um modelo europeu, mas vários. Cada país inseriu no seu sistema aquilo que atendia às suas demandas sociais e econômicas.

Segundo, o Brasil deve refundar o seu modelo, visando a solucionar os seus problemas, e não copiar algum já existente - se bem que adaptações podem, e devem, sim, ser feitas, em relação a certas técnicas já consolidadas.

Inclusive para lidar com situações de fusões e aquisições como as que envolveram Lens e Inter, sem perder de vista - e sem deixar de oferecer uma regulação adequada a - essa atividade (o futebol) que, além de suas características econômicas, carrega, para o brasileiro, uma enorme carga cultural e afetiva.

Concluindo, o Brasil não suporta mais o anacronismo de sua estrutura, que direciona o seu futebol à periferia do esporte; de protagonista mundial a mero exportador de commodity.

O Brasil reclama, portanto, um modelo que emancipe o futebol econômica e socialmente. E que o liberte, portanto, da escravidão a que times e jogadores permanecem submetidos1.

E que regule, ademais, técnicas organizacionais e aquisitivas, e de exercício do controle societário, com o propósito de preservar esse seu patrimônio histórico e cultural.

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1 O parágrafo final foi inspirado em frase de Domenico Losurdo (A luta de classes. Uma História política e filosófica; tradução Silvia de Bernardinis - 1 ed. - São Paulo: Boitempo, 2015, p. 26).