Mandar é comandar?
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Atualizado às 07:39
Parecem expressões sinônimas. Mas não, elas apesentam nuances diversas. Quem manda ordena, impõe, obriga sem aceitar contestações ou meras ponderações.
O comandar implica na adoção de uma filosofia, de uma orientação de caráter geral. O comandante dá o norte, o rumo a ser seguido, traça linhas de conduta e de ação. Sujeita-se à opinião de seus subordinados mais próximos e por vezes a acata.
O mando é categórico e inflexível, já o comando é permeável e transigente.
Transpondo essas noções para o sistema de segurança pública nós observamos que as atuais chefias das corporações policiais, desde o Governo do Estado, da Prefeitura e da própria Polícia Militar são exercidas nos moldes do mando e não do comando, embora se fale em "comandantes das forças de segurança". Digo isso porque as rígidas hierarquia e disciplina internas tornam os integrantes da corporação imunes a quaisquer críticas e protestos da sociedade, quando agem com desnecessária violência, indicando estarem seguindo ordens superiores. Fossem essas em sentido contrário, de preservação da incolumidade física, outro seria o panorama das ações policiais.
A PM, lamentavelmente considerada pela Constituição Federal como "força auxiliar e reserva do Exército" vem de forma ostensiva desviando-se de sua missão constitucional, que é a de preservar a ordem pública, por meio do policiamento ostensivo.
Chama logo a atenção a inexistência de policiamento ostensivo. Pouco se vê policiais ou viaturas nas ruas. Parece que a corporação entende ser uma atribuição menor policiar as ruas, afinal ela é "força auxiliar do Exército".
A preservação da ordem pública, por sua vez, exige uma atuação episódica só quando há conturbação coletiva. A sua interferência nem sempre é pronta e eficaz. Basta que se veja os embates entre torcidas de futebol.
Os objetivos da corporação não estão sendo cumpridos satisfatoriamente. Mas o grave, o terrivelmente grave, é ela, a pretexto de combater o crime, estar tirando a vida daqueles que estão distantes do crime, mas são vítimas da incúria, da precipitação, do desrespeito à vida alheia, do despreparo técnico e psicológico dos que, em verdade, agem de acordo com uma voz de comando, ou melhor de mando, emanada de seus superiores e daqueles que ocupam cargos governamentais. Atiram por vezes sem estarem sendo atacados porque todo o discurso dos atuais governantes do Estado, e do Município de São Paulo é no sentido do confronto armado e da eliminação daqueles que se imagina serem criminosos.
Dentro dessa concepção onde impera a violência indiscriminada e descriteriosa matam crianças, idosos, mães, avós, pacíficos cidadãos que estavam na linha de tiro. Talvez pensem "paciência", são acidentes da luta contra o crime. Não é verdade, o combate contra o crime não justifica disparos a esmo das chamadas "balas perdidas". Tiros que não deveriam ser disparados, salvo se fosse em situação de legítima defesa.
Aliás, a voz de comando deveria ser no sentido de disparos só nos casos de defesa própria ou de terceiros.
Eu ocupei a Secretaria de Segurança Pública em uma época de menor incidência da criminalidade, há trinta anos. Mesmo nesta época, dois episódios muito me abalaram. Primeiro, um motoqueiro foi atingido pelas costas quando se evadia de uma ocorrência. Em outro um casal de idosos feirantes japoneses dentro de uma Kombi em uma manhã nublada, não pararam em bloqueio policial e foram metralhados.
O meu inconformismo levou-me a editar portarias normatizando a conduta dos policiais, impondo a proibição de atirar a não ser em legítima defesa e chamais pelas costas. Não posso afirmar que ocorrências como aquelas não mais se repetiram, mas garanto que a letalidade policial diminuiu sensivelmente.
Nós não podemos mais conviver com uma polícia que mata. É preciso que haja um comando de amparo e proteção à sociedade em substituição aos mandamentos de violência e de morte, mesmo que em nome do combate ao crime.