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Indispensável para sustentações orais

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Atualizado às 07:56

O acesso à tribuna constitui um grave momento para o advogado. Momento de tensão e que requer especial atenção. Não se pense que com o passar do tempo a ansiedade diminua. A insegurança, o receio de não se ir bem, a angústia gerada pela escassez do tempo de fala e outros pequenos distúrbios emocionais parecem que crescem com o aumento da própria experiência. Fenômeno paradoxal, mas real.

Quando se é novato na profissão os erros e enganos são atribuídos ao noviciado. Qualquer hesitação na oratória, falha na argumentação, erro nas citações e tantos e tantos outros tropeços são compreendidos e relevados.

A complacência já não está presente quando se trata de um profissional calejado. Ele é observado com lentes que captam não só os erros aparentes, mas as minucias que na crítica alheia são postas para comprometer o todo do seu trabalho. Ninguém perdoa os seus escorregões. Portanto, produzir uma sustentação acaba exigindo também uma boa dose de coragem para enfrentar todos esses desconfortos   emocionais.  

Os imprevistos também atingem as sustentações orais. Em uma das minhas primeiras perante o Supremo Tribunal Federal, no voo que me levou à Brasília, a aeromoça derrubou um copo de laranjada que coloriu todo o meu terno. Além do terno bicolor eu e os que me cercavam fomos brindados com um odor de laranja até a aterrisagem do avião. O odor não me abandonou. Me fez companhia até o Supremo e comigo permaneceu durante a sustentação. Não sei dizer se o cheiro da laranja influenciou no julgamento. Não me lembro se obtive ou não êxito.

Lembro-me, no entanto, que a reação da moça foi de tamanho constrangimento, as desculpas foram tantas, o choro quase indisfarçável, provocaram a minha solidariedade com a coitada. Com certeza, disse-lhe que não havia sido nada. Mentira.   

Um outro episódio se deu em uma das salas do magnífico prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo.  Para a sustentação oral o advogado na Câmara em que estava, subia-se em um pequeno estrado onde estavam a cadeira e a mesa. Pois bem, ao afastar a cadeira, o fiz com exagero, a ponto de derrubá-la do tablado, que por instantes se tornou um picadeiro. O terrível barulho, a recolocação da pesada cadeira no lugar, e  especialmente, a minha falta de jeito e de graça, quebraram o silêncio e a circunspeção do austero local.

Mais recentemente, voltei ao Supremo Tribunal Federal, para uma sustentação perante o Tribunal Pleno. Ao assumir a tribuna percebi que ou havia emagrecido de repente ou o cinto não estava bem preso. A verdade é que as calças insistiam em não ficar na cintura, caiam. Por cima da beca eu as puxava, como podia. Essa incômoda manobra se deu durante toda a sustentação oral.

Dias após a ida à Brasília, recebi em meu escritório um pequeno pacote muito bem embrulhado, acompanhado de um bilhete : "Amigo, receba esse suspensório que além da utilidade descrita nos dicionários" aí reproduziu o verbete e continuou  "SERVE PARA SUSTENTAÇÕES ORAIS NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL"  assinado Edson  O' Doally"

O eminente advogado baiano, que se tornou um querido e hoje saudoso amigo,  estava presente na sessão da quase queda das minhas causas, sentado bem atrás da tribuna. Deve mentalmente ter, por várias vezes, pensado - "Agora cai". Ao chegar em Salvador não teve dúvidas em me presentear com um suspensório, mostrando amizade e solidariedade, mas  principalmente quis evitar futuros sustos nas minhas idas à tribuna.

Em tempo, não precisei usar suspensório, pois engordei e o risco das calças caírem desapareceu.