O júri e a "grobata"
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021
Atualizado às 08:09
A advocacia é uma profissão multifacetada. As características que compõe a sua natureza levam-nos a afirmar ser ela ciência, pela gama de conhecimentos que exige; arte, em face da grande parcela de improvisação e criatividade que requer; e sacerdócio, pelo grau de renúncia e sacrifício aos quais se obrigam os advogados.
Note-se que alguns aspectos pessoais distintivos do advogado que lhe emprestavam uma marca inconfundível, quais sejam a indumentária, a escrita e o linguajar, estão sofrendo alterações. O advogado agora está aos poucos se desvencilhando da gravata e alguns do paletó. Na sua escrita está pondo de lado citações latinas, palavras em desuso, termos jurídicos desnecessários, longas citações doutrinárias e na oratória tenta seguir métodos modernos de comunicação em substituição ao discurso pomposo de outrora.
No entanto, a advocacia mantem alguns traços imutáveis que vencem o tempo e são intrínsecos à sua personalidade e ao seu caráter.
Uma das suas características é a atração que desperta na imprensa e na própria sociedade, mormente na área criminal. O elevado grau de humanismo, sensibilidade e emoção contido nos conflitos, e por vezes, o amor e o ódio suscitados pelos protagonistas da cena judiciária, são fatores de irresistível interesse coletivo.
A advocacia é um repositório de histórias reais, por vezes ficcionais, folclóricas, dramáticas e hilárias. Ademais dá ensejo à especulação midiática, asas à imaginação e a interpretações as mais díspares e antagônicas sobre o mesmo fato.
Mais do que qualquer outra a advocacia criminal, pela natureza dos eventos que acolhe, os crimes, provoca a atenção e a curiosidade da sociedade, interessada pelo fato em si e pelo julgamento do acusado.
Entre os litígios criminais, os que envolvem o crime de homicídio, tentado ou consumado, são os que mais dão ensejo a episódios pitorescos, tiradas de espírito, esgrimas verbais, gozações envolvendo advogados e promotores, rápidos apartes e respostas precisas. É na Tribuna do Júri que os seus protagonistas podem, com liberdade, dar vasão aos seus conhecimentos jurídicos, à sua agilidade de espírito e de raciocínio e à sua perspicácia e vivacidade de inteligência.
Esses atributos postos nas discussões da causa e os dramas humanos que trazem uma identidade com o cotidiano das pessoas representam uma atração ao homem comum, independente de suas condições sociais e de sua cultura.
O meu primeiro escritório foi na Praça da Sé, nº 399, onde meu pai esteve desde 1957. Prédio antigo, charmoso, a porta do elevador era "pantográfica", feita de pontas, que qual uma sanfona era aberta e fechada manualmente.
O zelador era um português de nascimento, no Brasil desde a década de vinte ou trinta, que, embora sem nenhuma instrução, era portador de uma aguçada inteligência e um especial apreço pelo Tribunal do Júri. Quando podia ia assistir à uma sessão.
Dizia e era verdade, que assistira aos júris dos grandes advogados da época. Os conhecia e deles falava com alguma intimidade. Dante Delmanto, Covello, Américo Marco Antonio Cirilo Júnior, Marrey Júnior, Waldir Troncoso Peres e outros eram submetidos à sua análise e crítica, sempre era rigorosa.
Pois bem, quando comecei a atuar no Plenário do Primeiro Tribunal, nomeado pelo saudoso amigo e juiz Edgardo Severo de Albuquerque Maranhão a presença do Adelino era obrigatória.
Sentava-se nos primeiros bancos do imponente salão do Tribunal do Júri, o primeiro, e lá ficava do início à proclamação do resultado dos jurados e da sentença proferida pelo magistrado. A partir de uma determinada época, passei a ser nomeado também pelo juiz Fernandes Rama, que presidia o Segundo Tribunal, localizado no quarto andar do vetusto prédio do Tribunal de Justiça. Lá também a presença de Adelino era obrigatória.
Não pensem que o amigo comparecia aos julgamentos para me aplaudir. Ao contrário, passou a ser o meu crítico. Dizia ao final com o seu gostoso sotaque lusitano: "o menino foi bem, mas no meu tempo vi melhores". Por vezes, fazia críticas procedentes extraídas de sua inteligência intuitiva, embora inculta.
Tenho enorme saudade do velho Adelino, que, esqueci de dizer, honrava as formalidades o Júri do passado, pois só ia às sessões portando uma gravata multicolorida, que ele pronunciava "grobata".
Adelino, onde estiver, ponha sua "grobata" e olhe por mim.