Exemplo de autoestima para uma elite sem estima
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Atualizado em 20 de maio de 2011 09:15
Em 2007 o Esporte Clube Corinthians foi vítima de uma tragédia, a pior que pode atingir um time de futebol: foi rebaixado para a série "b" do Campeonato Brasileiro. Caiu, o timão caiu, mas seus torcedores mantiveram-se em pé e altivos. Claro que a sua orgulhosa e fiel torcida foi acometida de um pungente e lancinante sofrimento. Somente os boleiros verdadeiros podem efetivamente avaliar o quanto o rebaixamento atingiu o orgulho e o amor próprio de cada torcedor.
No entanto, a torcida soube enfrentar o seu padecimento com grande dignidade. Como seria de se esperar, procuraram encontrar culpados pelo inimaginável revés. No entanto, o clube em si permaneceu inatingível, foi preservado. Não se ouviu ninguém dizer que trocaria de agremiação; que deixaria de ir aos jogos; que só no Corinthians tal coisa poderia acontecer, e outras afirmações desse tipo, que representam em face de um problema, de uma derrota ou de uma frustração qualquer, o baixo grau de apreço e de respeito pela instituição, seja lá de que natureza for, a que se pertence. Faço esses comentários absolutamente à vontade, pois eu sou torcedor do insuperável São Paulo Futebol Clube.
E é nesse ponto que desejo traçar um paralelo entre os torcedores do clube paulista e alguns brasileiros. Não são poucos os que se envergonham de terem nascido e de viverem no Brasil. Eles se limitam a apontar nossas mazelas e negam nossas qualidades. Nada fazem para mudar a realidade e sonham sair do país. Os corintianos, ao contrário, diante da tragédia, emprestaram força ao clube, jamais pensaram em deixá-lo e da maneira que puderam ajudaram-no a reerguer-se.
Aplausos a esses torcedores que deram um exemplo a essa elite predatória, que deveria esforçar-se para construir um país melhor ao invés de apontar o dedo acusador e lavar as mãos.
Parece estar na hora, tardia, diga-se de passagem, de reconhecermos características que nos são peculiares e que se reconhecidas e utilizadas colaborariam com a nossa tão carente autoestima. Somos ágeis de inteligência, improvisadores, um pouco desorganizados até anárquicos, mas com uma capacidade invulgar de resolvermos problemas.
Consta que, cito apenas como exemplo, durante a guerra, na Itália o frio estava maltratando os soldados americanos e brasileiros que lutavam nas regiões de Monte Castelo e de Monte Cassino. O frio maltratava a todos indiscriminadamente, mesmo os americanos mais acostumados aos seus rigores. E, em especial, estava atingindo os pés, que rachavam e sangravam chegando a impossibilitar que os soldados andassem e marchassem com desenvoltura. Inúmeras foram as soluções aventadas, pelos médicos, mas nada conseguia impedir a ação térmica.
Eis que, surpreendentemente, um pracinha brasileiro, sabe-se lá de qual rincão, disse "eureka". Não, ele não disse, nós dissemos, ou melhor, as tropas brasileiras e americanas disseram e penhoradas o agradeceram. Qual fora a mágica? Que solução extraordinária teria o pracinha encontrado? Inventara que aparelho milagroso para por fim ao cruento sofrimento da soldadesca? Nada, absolutamente nada de extraordinário. Apenas e tão somente jornal. Sim, jornal para envolver os pés. A impermeabilidade do papel de imprensa não era do conhecimento dos comandantes dos exércitos que tentavam tomar os estratégicos montes italianos. Mas, do pracinha sim.
O humilde e simplório soldado brasileiro conhecia essa qualidade do jornal. Não era um conhecimento científico. A experiência de vida, impositiva de sofrimentos e de agruras dera-lhe ciência dos atributos climáticos do papel jornal. Ou, o que é mais provável, embora não tivesse tido nenhuma experiência, ele descobriu o jornal em razão da intuição somada à criatividade tão nossa.
Pois bem, como esse existe uma infinidade de exemplos na nossa história e no cotidiano do nosso povo de solução de problemas e de superação de obstáculos em razão da nossa criativa inteligência. Tal característica deveria ser melhor aproveitada.
Mas, antes de ser estimulada e utilizada, é preciso que seja reconhecida e aceita. Não nos damos conta que com o nosso tipo de percepção das coisas do mundo e facilidade para encará-las poderíamos estar suprimindo nossas carências e nos aprimorando como povo e como nação ao invés de estarmos, e isso é histórico, a copiar modelos e soluções que deram certo fora com base no modo de ser, pensar e agir de outros povos, mas que não se amoldam a nós.
Trata-se, na verdade, do patológico complexo que nos coloca como povo inferior, incapaz de se autodeterminar. É o complexo denominado por Nelson Rodrigues de complexo de cão vira lata ou como disse o mesmo jornalista complexo de Narciso ao inverso.