Imaginação fértil de um brasileiro feliz
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Atualizado em 6 de maio de 2011 11:14
A respeito da participação fantasiosa em acontecimentos verdadeiros, meu pai possuía uma encantadora capacidade de criar e detalhar situações, fruto da força de sua imaginação, da graça com que as narrava, do rico gestual utilizado, que transformavam suas fabulações em realidade verossímil.
Tão agradáveis e convincentes eram as suas histórias que seus ouvintes não só delas ficavam reféns, como exigiam que ele as repetisse. Assim, meus primos, os irmãos Octávio e Paulo Ribeiro de Mendonça pediam com insistência que ele contasse o fascinante episódio de sua participação, como pracinha, na Segunda Guerra Mundial, especificamente, no episódio da tomada de Monte Castelo. Pracinha ele nunca foi, de guerra jamais participou, mas sua fértil imaginação e notável verve faziam com que os ouvintes se esquecessem tratar-se de ficção. Desta forma meus primos diziam: "Tio, sabemos ser tudo mentira, mas conte outra vez..." Para ilustrar a narrativa, procurando dar-lhe cunho de verdade, mostrava uma cicatriz cirúrgica que possuía em uma das pernas, como se fosse sequela de estilhaços de granada.
É interessante observar com que entusiasmo papai contava essa e outras histórias de "heroísmo", entendido este não só como ato de coragem, mas demonstração de amor à pátria, desprendimento e solidariedade humana. Na verdade, portador destas qualidades, colocava-se em face das várias circunstâncias da vida como um herói.
Após a narrativa não só de suas aventuras imaginárias, mas de outras que efetivamente ocorreram durante a luta dos estudantes de Direito contra a Ditadura Vargas, da qual ele participou, tendo inclusive sido preso, ele cantava, embora fosse desafinado, o "Paris Belfort", o "Cisne Branco" ou "A Marcha do Expedicionário". Em tais momentos extravasava a sua afeição pelo país, por sua gente, por sua cultura, pelo modo de ser de seu povo. Eram manifestações que faziam bem a ele e a nós.
Meu papai fazia parte do rol dos brasileiros felizes com o seu país de nascimento. Não me refiro aqui à exaltação piegas, ao nacionalismo cego ou a um patriotismo xenófobo, falo sim do apego pelo local onde se nasce, falo da identidade com a sua cultura, com a sua música, com a arte que produz, com o povo que o habita, com a história que o construiu, com a natureza que o ornamenta, com os seus hábitos, com a sua religiosidade, suas crendices, com o modo de ser sua gente. Tal identidade não afasta a crítica e nem é incondicional. Mas, com certeza se contrapõe a total ausência de autoestima, que hoje marca numeroso segmento de "brasileiros envergonhados", derrotistas, que gostariam de ter nascido em outras plagas.