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segunda-feira, 25 de abril de 2011
Atualizado em 20 de abril de 2011 11:07
Assim que entramos na delegacia de polícia da cidade interiorana, logo observei atrás da cadeira onde estava sentado o delegado titular uma flâmula do São Paulo Futebol Clube. A visão deu-me esperança de que o interrogatório do meu cliente, na verdade, meu amigo, alto dirigente do clube "Mais Querido de São Paulo" fosse transcorrer em clima de plena cordialidade, o que ocorreu.
Antes de continuar quero esclarecer esta expressão designativa do tricolor. Aliás, expressão pouco conhecida nos dias de hoje. Em 1940, por ocasião da inauguração do Estádio Municipal do Pacaembu, houve um desfile de todos os clubes da cidade. Ao surgir a delegação do São Paulo, foi apoteótica e ensurdecedora a aclamação dos que estavam no estádio. No dia seguinte o jornal "A Gazeta Esportiva" abriu a matéria sobre a inauguração do Estádio do Pacaembu referindo-se ao São Paulo como o "Clube Mais Querido da Cidade". Outros dizem que o epíteto foi cunhado pelo presidente Getúlio Vargas, nessa época governando o país com poderes ditatoriais, presente à inauguração do Pacaembu.
A mesma "A Gazeta Esportiva", algum tempo depois, abriu um concurso público que consagrou o tricolor como o clube da preferência dos paulistas. Recebeu 5.523 votos contra 2.671 para o Corinthians e 2.593 para o Palestra Itália.
Ainda dentro do parêntesis, um outro cognome do "Mais Querido" é o de "Clube da Fé". Explico. Em 1943, a disputa pelo Campeonato Paulista estava acirrada entre Palmeiras e Corinthians. O campeão seria um dos dois, em razão da colocação de ambos na tabela. Dizia-se que se desse coroa o campeão seria o clube da então "Fazendinha" e se, ao contrário, surgisse cara prevaleceria o hoje Palmeiras. E, o São Paulo? Bem, o São Paulo só seria campeão se a moeda caísse em pé. E, para espanto geral, nem cara e nem coroa, a moeda caiu e ficou fincada no solo. O campeão de 1943 foi o glorioso São Paulo Futebol Clube.
Voltemos à delegacia. Estava eu ali para acompanhar o depoimento do amigo, diretor do tricolor. Estava ele sendo acusado de haver "gratificado" os jogares da Francana que haviam tirado preciosos pontos do Corinthians. O resultado fora benéfico ao São Paulo. O diretor estava sendo convocado para depor, pois teria fornecido aos jogadores da Francana envelopes contendo o "reconhecimento" do São Paulo. O problema se agravara uma vez que os envelopes continham o timbre do "Mais Querido".
Apesar desse fortíssimo "indício" da "materialidade" do "crime" o diligente policial contentou-se com as explicações dadas pelo investigado e por mim. O diretor do São Paulo negou veementemente a acusação, qualificando-a de absurda, ofensiva, pura invencionice.
Diante da justa revolta do dirigente, embora já crendo na negativa, o delegado mostrou-se curioso para saber quem teria armado aquela trama para prejudicar o clube e seu dirigente. Perguntou-me quem seria o responsável pela falaciosa acusação. Disse-lhe que comprometer o diretor do São Paulo poderia interessar à oposição do próprio tricolor, pois estávamos em ano eleitoral. Mas, também, pelas mesmas razões de política interna os opositores do presidente da Francana poderiam ser os responsáveis pela acusação. Por fim, enfatizei que eu não duvidaria se o ocorrido houvesse sido engendrado por corintianos interessados em justificar a derrota.
Esta última explicação satisfez plenamente a operosa autoridade, pela razão que expôs e com a qual eu não concordei : afirmou com convicção: "Realmente, deve mesmo ter sido coisa desses corintianos, pois essa gente faz mesmo essas coisas..." E, assunto encerrado, inquérito arquivado.