Esperança, a palavra do ano
domingo, 29 de dezembro de 2024
Atualizado em 27 de dezembro de 2024 12:49
Há bem pouco tempo, o mundo viveu no centro de um torvelinho com várias ondas de pandemia que levaram de roldão incontáveis vidas humanas. Agora - contida a fase de contaminação das mais variadas cepas dos invisíveis vírus - a humanidade esbarra nos desastres naturais provocados pelo aquecimento global e degradação ambiental, que produzem eventos imprevisíveis e com consequências catastróficas, como os terremotos, tsunamis, incêndios florestais, enchentes, deslizamentos de terras, ciclones, dilúvios e outros mais. O homem, inevitavelmente, mesmo conhecedor da finitude dos recursos naturais, tem consciência de que vem comprometendo consideravelmente o porvir das futuras gerações.
Harari, com sua perspicácia aguçada, assim se manifestou: "Apesar - ou talvez por causa - de nosso tesouro de dados, continuamos a despejar gases de efeito estufa na atmosfera, a poluir rios e oceanos, a desmatar florestas, a destruir hábitats inteiros, a levar à extinção uma quantidade incontável de espécies e a pôr em risco as bases ecológicas de nossa própria espécie. Também estamos produzindo armas sempre mais poderosas de destruição em massa, de bombas termonucleares a vírus fatais."1
A esperança para uma humanidade melhor - muitas vezes erroneamente confundida com a utopia que se desmancha como um castelo de areia - mais uma vez passa a ser a perspectiva da humanidade, que desfila as melhores intenções para a construção do futuro homem, amadurecido pela vida e em busca de alçar voos mais altos, sem se descuidar dos passos iniciais. É momento de renascimento, em que cada um vai se fundir no seu próprio eu para retomar o curso da vida.
É certo que não podemos dar as costas à esperança e nem mesmo é oportuno resgatar as recordações de momentos felizes que vivemos em um passado antes do momento pandêmico. É sim chegada a oportunidade de recarregar a alma e criar uma nova linha de montagem para nosso corpo, assim como blindá-lo contra os acidentes naturais e biológicos. Percebemos que a humanidade chegou ao fim de uma era e pisamos no alvorecer de outra, ainda desconhecida.
A esperança inspirou também o Papa Francisco quando abriu uma "Porta Santa" em um dos maiores presídios da Itália, na comemoração do Jubileu Católico, celebrado a cada 25 anos, cujo tema central foi a esperança pela paz e o perdão no mundo. "A esperança não desaponta", enfatizou o pontífice.
Assim, ao mesmo tempo em que combatemos os moinhos de vento que vão se apresentando, vamos desfilando votos que povoam nossa imaginação.
Que no próximo ano possamos ter um olhar panorâmico - sem desprezar o olhar para dentro de nós mesmos - com olhos grandes e sonhadores mirando para o infinito, em busca do ponto de equilíbrio para envolver as pessoas na contextualização necessária da preservação da natureza, visando construir uma nova identidade com ênfase na proteção do patrimônio comum, evitando, dessa forma, a ocorrência de sinistros de grande amplitude e que, diretamente, afetam a vida e a saúde das pessoas, além de danos irreversíveis.
Que a tecnologia - nossa acólita já considerada inseparável - continue seu processo de aperfeiçoamento para que possamos fazer o download dos melhores pensamentos que habitam nossas mentes para copiar e colar, principalmente, os sentimentos de generosidade e altruísmo, afastando a tão lastimada polarização linear, que limita cada vez mais a pessoa dentro de seu labirinto. O verdadeiro homo digitas é aquele que, apesar de não deixar suas pegadas na areia, aceita ser monitorado para corrigir seus passos em busca da verdade.
Que possamos atingir a sabedoria depurada pelo tempo com uma linguagem de revelação, sem estandardizar critérios ou normas para compreender melhor o novo enredo da vida. Que cada um possa fortalecer, com sua elevada estima, o grupo a que pertence e executar o papel que lhe cabe nesta aventura chamada vida humana. Não teremos mais mão única para circular e sim vários caminhos que projetarão os melhores propósitos de uma civilização mais inclusiva.
Nesta cruzada que se inicia, que cada um seja um poeta a engarrafar suas nuvens depositando nelas votos de moderação, temperança, serenidade e, de braços abertos e corações contritos, possa apreciar a natureza com seus ciclos harmônicos, o verde dos campos com todas as suas tonalidades, o azul contemplativo do céu, o rio que dá curso às suas águas caudalosas, o brotar das flores no embalo do canto dos pássaros.
1 Harari, Yuval Noah. Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial. Tradução: Berilo Vargas e Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2024, p. 17.