A prática da inseminação caseira
domingo, 15 de dezembro de 2024
Atualizado em 13 de dezembro de 2024 11:43
As normas técnicas para o procedimento de reprodução assistida estão contidas na resolução 2.320/22, do CFM - Conselho Federal de Medicina, que considera a infertilidade um problema relacionado com a saúde humana. Daí, permite a utilização das técnicas somente quando ocorrerem problemas no processo de procriação, levando-se em consideração a possibilidade de sucesso e desde que não se incorra em risco grave de saúde para o (a) paciente e o possível descendente. Indiscutível a conveniência do ordenamento ético, uma vez que contempla até mesmo a utilização para o relacionamento socioafetivo, pessoas solteiras, além da gestação compartilhada, no caso de união homoafetiva feminina em que não existe infertilidade, observando que o consentimento livre e esclarecido é obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida.
Ocorre que, em razão do custo elevado do procedimento médico na reprodução assistida, vem ganhando espaço na mídia o aconselhamento e até mesmo o passo a passo para a realização da inseminação artificial caseira1. O procedimento é básico: busca-se um doador de esperma, que não é anônimo, faz-se a retirada do material que será coletado num recipiente esterilizado ou até mesmo no preservativo e, em seguida, com o auxílio de uma seringa ou aplicador, faz-se a inseminação na cavidade vaginal da mulher, que deverá estar nos dias do seu período fértil. Na realidade, a intenção é fazer com que o esperma seja introduzido o mais próximo do colo do útero.
A prática é mais costumeira na união homoafetiva feminina. Não há qualquer restrição legislativa proibindo o procedimento doméstico. Porém, deve-se levar em consideração, não só com relação à saúde da mulher, como também outros fatores, em caso de sucesso da inseminação.
O doador, que na resolução do CFM, obrigatoriamente é anônimo, no procedimento caseiro é conhecido e a mulher interessada mantém com ele contato direto, firmando acordo com relação à prática da inseminação, assim como para celebrar um pacto de isenção de qualquer responsabilidade futura com relação ao filho, que não surtirá o efeito jurídico desejado, pois, a qualquer tempo, poderá ser intentada ação de investigação de paternidade em desfavor do doador, que não terá condições de provar, por total ausência probatória, que o filho nasceu de uma inseminação artificial caseira.
Também o doador não é submetido a exames específicos, com a finalidade de pesquisar eventuais doenças genéticas ou não, que podem ser transmitidas à mulher ou à prole (HIV, HTLV-I/II, Hepatite e outros). Além do que, não foge da probabilidade que o homem doador, com ou sem filhos, venha a gerar outros que não levarão seu nome no registro e poderão, no futuro, casar entre si, desconhecendo a mesma filiação paterna.
Para o doador, pai somente biológico, é até confortável sua condição, porque se vê perpetuado em seus muitos filhos desconhecidos, mas não se pode dizer o mesmo de sua prole. Não é de se olvidar, também, nos casos de união homoafetiva feminina, que o registro da criança será feito somente em nome da mulher que deu à luz, cabendo à companheira invocar a tutela jurisdicional para pleitear a adoção unilateral.
A situação se torna preocupante na medida em que várias mulheres vêm utilizando a prática da inseminação caseira, fugindo totalmente da área de proteção delimitada pela reprodução assistida, prevista na Resolução já referida, realizada por médico especializado no procedimento, que determina que a doação de sêmen não pode ter caráter lucrativo ou comercial; os doadores não podem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa; o registro dos nascimentos evitará que um só doador tenha produzido mais de duas gestações de crianças com sexos diferentes, em uma área de um milhão de habitantes.
Assim, numa rápida análise, pelos motivos expostos, apresenta-se desaconselhável a inseminação caseira. Se a arte imita a vida, pode-se dizer que o homem imita a ciência, porém atua desprovido dos cuidados necessários e, no tema ora exposto, com imprudência manifesta com relação à prole.
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