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A morte por suicídio assistido

domingo, 3 de novembro de 2024

Atualizado em 1 de novembro de 2024 13:36

"Como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se a vida vale a pena ou não sou eu. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade."

Antonio Cícero1

Antonio Cícero, poeta com vários livros publicados e letrista de canções imortalizadas na música popular, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2017, faleceu aos 79 anos de idade, na cidade de Zurique, na Suíça. Tinha Alzheimer e, em razão disso, passou a considerar que a vida se tornou insuportável e optou por fazer um procedimento de suicídio assistido no mencionado país, que legalizou tal prática desde 1942.

O tema morte começa a fazer parte direta da vida das pessoas e a tendência é procurar uma modalidade mais ética que se coadune com a conveniência humana, que tem a morte como o esgotamento de todo o esforço terapêutico e o esvaziamento das reservas de resistência do paciente. Já que o morrer é inafastável, a tendência é buscar uma alternativa que se enquadre nos limites da razoabilidade ética. Mas o homem, na sua incansável evolução, arrebenta os diques das regras consuetudinárias e ingressa no domínio da etapa final de sua vida. Quer, também, em razão da autonomia adquirida por inúmeros direitos assimilados, decidir a respeito das modalidades da morte.

A finitude da vida, um tema que vem rompendo com preconceitos estigmatizados, ganha corpo e passa a frequentar a conversa do dia a dia e, apesar de não possuir uma legislação ordinária a respeito no Brasil, conta com resoluções do Conselho Federal de Medicina para disciplinar o procedimento ético do final da vida humana. Basta ver as regulamentações feitas a respeito da ortotanásia, dos cuidados paliativos e das diretivas antecipadas, seguindo o roteiro do princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado na Constituição Federal.

A morte surge, desta forma, como tema central e até mesmo natural, apesar de o homem resistir a travar discussão a respeito. O anseio das pessoas é ter uma morte rápida, sem sofrimento e, logicamente, após ter exaurido a vida em sua plenitude. Sêneca, na antiguidade do Império Romano, já proclamava que morrer bem significa escapar vivo do risco de morrer doente e, principalmente, quando a pessoa for abandonada à morte amarga (amarae morti ne trada nos).

Ao que tudo indica dos relatos feitos pelos amigos, nenhuma dúvida paira a respeito da higidez mental do escritor quando verbalizou sua vontade. Sua decisão foi rapidamente propagada pelo mundo, detonou sentimentos favoráveis e contrários e tocou o cerne da finitude humana, criando um labirinto de dúvidas e incertezas. A respeito do tema pode-se dizer que há inúmeros argumentos favoráveis e contrários à opção da escolha do processo de morrer.

O direito de autodeterminação se faz presente no suicídio assistido. A autonomia do ser humano possibilita a tomada de decisões de acordo com sua vontade, com exceção dos casos de colidência com interesses maiores e tutelados legalmente. O morrer com dignidade compreende, em situação de sofrimento interminável, transferir a um profissional da saúde não o direito à sua própria vida, mas sim a renúncia ao direito de continuar vivendo em situação angustiante.

O suicídio assistido, desta forma, vem a ser a vontade expressa pelo doente, que se encontra em perfeitas condições mentais, de dar fim à sua vida, realizando, ele próprio, os atos para garantir o seu intento, sempre orientado por médico, em razão de uma determinada doença. 

No Brasil, é terminantemente proibida a prática do suicídio assistido em razão da norma incriminadora disposta no art. 122 do Código Penal, que pune a modalidade de prestar auxílio ao suicida, compreendendo aqui o fornecimento ou a viabilização dos meios necessários para a prática do ato. Não se confunde com a eutanásia, que é a conduta pela qual o agente pratica um ato específico para colocar fim à vida, em razão da irreversibilidade de uma doença. Na realidade, no suicídio ajudado, a pessoa solicita a um terceiro a colaboração quanto ao meio de atingir seu objetivo, sendo que a ação é do próprio interessado. Pessini, bioeticista com refinada agudeza de espírito, foi incisivo: "No suicídio medicamente assistido, envolve a participação de um médico, na provisão, mas não na administração direta para ajudar a pessoa a abreviar sua vida". 2

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1 Disponível aqui.

2 Pessini, Leo. Eutanásia - Porque abreviar a vida? São Paulo: Editora Loyola, 2004, p.127.