Concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS
domingo, 13 de outubro de 2024
Atualizado em 11 de outubro de 2024 14:47
Muito se tem falado e comentado no país a respeito da assistência à saúde, erigida como dogma constitucional. O cidadão passa a ser sujeito de pleno direito e o Estado o detentor da obrigatoriedade de cumprir todas as metas estabelecidas nas políticas sociais que visem reduzir o risco de doenças, compreendendo acesso universal e igualitário às ações e serviços que tenham por objetivo a proteção e recuperação do cidadão enfermo e sem condições financeiras de arcar com os custos dos medicamentos.
Apesar de se constatar um exagerado crescimento no sistema estatal, os recursos direcionados para a saúde, por mais que sejam representativos, serão insuficientes, minguando progressivamente e dificultando sua redistribuição. A mera formalidade assistencialista, totalmente distorcida da realidade social brasileira, criou uma frustração da expectativa popular, que foi buscar a satisfação de suas necessidades junto ao órgão jurisdicional.
A Justiça passou a determinar ao Estado a obrigatoriedade de cumprir o mandamento constitucional com a distribuição de medicamentos de alto custo para as pessoas menos favorecidas financeiramente. A vida humana, como bem maior, indisponível, com obrigação vinculativa ao Estado, ingressou na esfera de prioridade de atendimento, pois a dimensão humana não pode ser edificada com o bem-estar de uma camada reduzida de pessoas com poder aquisitivo e o consequente mal-estar da mais pobre.
Quando se fala em alto custo de medicamento ou tratamento relacionado com a saúde não se estabelece um parâmetro objetivo calcado sobre uma determinada renda ou valores equivalentes a tantos salários mínimos.
O que se leva em conta é o valor exacerbado do medicamento, quer seja vendido no país ou no exterior e que sua aquisição se torne impossível para o doente ou seu representante que, com seu ganho, mesmo que encartado numa faixa razoável, não terá condições de adquiri-lo. Isto porque se leva em consideração os gastos com a manutenção da moradia, saúde, educação, sustento e satisfação dos familiares.
De nada adianta o indivíduo desembolsar dinheiro destinado a suprir as necessidades básicas ou até mesmo contrair empréstimos bancários se não terá condições de honrá-los.
O plenário do STF, recentemente, dando continuidade ao julgamento do processo RE 566471, de março de 2020, com tese de repercussão geral, estabeleceu as regras e parâmetros para toda decisão judicial que apreciar pleito relacionado com medicamentos registrados na ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, mas que não foram inseridos ainda no SUS - Sistema Único de Saúde, independentemente do custo.
A regra básica a ser seguida determina que se o medicamento não estiver incluído na dispensação do SUS - composto pelo RENAME, RESME, REMUNE e outras - impede a prolação de sentença judicial para fornecimento do fármaco, sem levar em consideração o seu custo.
Tal regra, no entanto, foi atenuada e com razoável abertura permite, excepcionalmente, prevalecer a concessão de decisão judicial desde que o autor da ação, titular e responsável pelo onus probandi, demonstre, cumulativamente, de forma inequívoca, as seguintes condições:
- negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa;
- ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação;
- impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
- comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível;
- imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado;
- incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
Fica mais do que evidenciado que a decisão, ora em comento, observou princípios salutares, principalmente com maior incidência na área da saúde.
Dentre eles, merecem destaques o da igualdade de acesso à saúde, a eficiência das políticas públicas, o respeito à medicina baseada em evidências e a escassez dos recursos públicos destinados à saúde.
Além, é claro, dos princípios da beneficência e da justiça distributiva, ambos da bioética.
Buscou-se, desta forma, um critério modulador ou até mesmo uma plataforma em que será analisada criteriosamente a realidade clínica do paciente e demais requisitos apontados, para evitar a judicialização excessiva e, consequentemente, prejuízos à população que depende do SUS.
Se ausente um dos requisitos estabelecidos - observando que a exigência compreende a concorrência simultânea de todos eles - o pleito judicial será indeferido de plano.