Crimes eleitorais
domingo, 25 de agosto de 2024
Atualizado em 23 de agosto de 2024 13:52
Algumas condutas ganham contornos de ilicitude se praticadas durante o período eleitoral e se assim forem descritas na legislação correspondente. O Direito Penal, como um caleidoscópio de ultima ratio, gira em movimentos diferenciados alcançando os mais diversos padrões de conduta que possam comprometer o sufrágio popular para eleger os candidatos e candidatas aos cargos de prefeito e vice-prefeito, assim como os vereadores e vereadoras que comporão as casas legislativas do país.
Tipificados com o intuito de proteger o processo eleitoral - principalmente contra fraudes e abusos de poder - os crimes e as ilicitudes eleitorais estão previstos, sobretudo, na legislação eleitoral (Código Eleitoral - lei 4.737/65 e lei das eleições - lei 9.504/97), destacando-se que nosso Poder Legislativo estuda a aprovação de um Novo Código Eleitoral.
Desta feita, com o intuito de fermentar a discussão a respeito de condutas que rotineiramente são praticadas, indaga-se: Eventual candidato a prefeito, sabedor de que determinado bairro de sua cidade necessita, urgentemente, da construção de uma creche, promete para os moradores da localidade a construção, caso vença a eleição para prefeito, comete crime? Pratica ilegalidade eleitoral (captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico) ou trata-se de mera proposta de campanha?
Inicialmente, destacam-se dois ilícitos eleitorais: A captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico.
Prevista no art. 41-A da lei das eleições (lei 9.504/97), a captação ilícita de sufrágio configura-se com o candidato (e terceiros, como cabos eleitorais, familiares etc.) a "doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive (...)".
Entende-se por sufrágio o exercício do direito de voto. Ademais, para a configuração deste ilícito eleitoral, exige-se que a doação, oferta, promoção ou entrega de vantagem seja realizada à pessoa determinada, com o especial fim de obtenção do voto. Então, as promessas de campanha eleitoral, em um primeiro momento, aqui não se enquadrariam, uma vez que as promessas de campanha são para a coletividade.
Por fim, não é necessária prova de que o resultado da eleição foi alterado. Basta a prática da conduta, "comprando-se" apenas e tão somente um único voto, que a presente ilegalidade eleitoral está configurada, incidindo o candidato nas penas previstas, como multa e cassação do registro ou do diploma.
Já o abuso de poder econômico, embora muito semelhante à captação ilícita de sufrágio, com ela não se confunde. Aqui o candidato pratica a conduta de destinar "(...) recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral". (RO 2346/SC, rel. min. Felix Fischer, DJE de 18/9/09).
Há autores renomados que, em outras palavras, definem o abuso de poder econômico como sendo a vantagem econômico-financeira entregue à coletividade de eleitores, para benefício do candidato na corrida eleitoral. Como exemplo, tem-se o uso indevido dos meios de comunicação social, das redes sociais, distribuição de cestas básicas, "showmícios", fornecimento de materiais para construção, tratamentos odontológicos e médicos etc.
Ou seja: Diferentemente da captação ilícita, no abuso de poder econômico a promessa é destinada para uma coletividade de pessoas e, caso comprovado este abuso, a pena é a inelegibilidade, além de cassação do registro ou diploma.
Como se vê, o conceito de abuso de poder econômico é mais elástico, permitindo sua verificação em cada caso concreto, enquanto a captação ilícita de sufrágio é determinada, tendo período claro de configuração: No curso do processo eleitoral, realizada por quem já é candidato, o que só se verifica entre a data do pedido de registro de candidatura (5/7) e as eleições.
Por fim, o crime de corrupção eleitoral é tipificado no art. 299 do Código Eleitoral e consiste em "dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita".
O bem jurídico tutelado por este delito é a normalidade e legitimidade do processo eleitoral, particularmente a liberdade do voto e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. A corrupção eleitoral atinge diretamente a vontade do eleitor, afetando sua liberdade de escolha, elemento central da democracia representativa.
Trata-se de crime comum e formal, sendo irrelevante para sua consumação que o candidato tenha efetivamente conseguido "comprar" o voto, por exemplo. Ademais, admite duas vias: Corrupção eleitoral ativa ("compra" do voto) e passiva ("venda" do voto - pelo eleitor, portanto).
Como se vê, as condutas são simulares e nada impede que o candidato, ao "comprar" o voto, pratique a ilegalidade eleitoral (captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico) e o crime de corrupção eleitoral, com consequências distintas.
Do mesmo modo, parece ser bastante tênue a linha que separa a promessa de campanha dos ilícitos eleitorais, na medida em que influenciam diretamente na escolha - e o eleitor tem o evidente direito de conhecer as propostas apresentadas por candidatos. O caso concreto é que viabilizará a interpretação e aplicação dos institutos.
A promessa relatada no início da presente exposição, feita por candidato ao cargo de prefeito, de construção de creche em determinado bairro, configura ilicitude ou crime? Embora de complexa análise, ensejando estudo pormenorizado do caso e das provas colhidas, é fato que, da maneira aqui proposta, aproxima-se de mera propaganda eleitoral, dentro do campo da legalidade.