Transplante com rim de porco em humano?
domingo, 24 de março de 2024
Atualizado em 22 de março de 2024 15:16
Um paciente, com 62 anos de idade, acometido por doença renal em estágio terminal, foi submetido, recentemente, no dia 16 de março, a um procedimento de xenotransplante, quando recebeu um rim de um porco, que experimentou 69 mutações genéticas, principalmente para afastar uma molécula que provoca a rejeição em humanos. O impacto do feito ocorrido no Hospital Geral de Massachussetts e que teve o comando do médico brasileiro Leonardo Riella, foi altamente positivo na medicina, pois se tratava de paciente vivo e com ótima recuperação.
Não que a notícia cause estranheza - levando-se em consideração a evolução da transplantação que vai ganhando espaços até então desconhecidos - mas sim pela exemplar conduta científica e o resultado atingido. Apesar de não ser previsível o tempo de sustentação do rim suíno, poderá manter o paciente em situação de controle da doença para, futuramente, sendo necessário, receber um órgão humano.
Já tinha ocorrido anteriormente, em um hospital de Nova York, procedimento idêntico. Tratava-se de uma paciente que se encontrava com a morte encefálica decretada e, fora do corpo, o rim do suíno foi ligado às veias e artérias e, sem qualquer rejeição, funcionou por 54 horas de observação.
Xenotransplante, na precisa definição de Marcelo Coelho, é "o transplante de um órgão, ou tecido, ou células de um animal a outro de espécie distinta e é uma das grandes promessas da medicina para suprir as necessidades de órgãos, tecidos e células transplantáveis"1.
Animal transgênico é aquele que experimentou mudança em seu patrimônio genético, em consequência da inoculação de um ou vários genes humanos com a finalidade de compatibilizar a realização de transplantes. Tal prática hoje já é uma realidade no meio científico, principalmente com a utilização de porcos transgênicos, cuja anatomia de órgãos é bem semelhante à dos humanos. Não se trata de criação de quimeras da mitologia grega, representada pela cabeça de leão, corpo de cabra e rabo de serpente, e sim de experimentos científicos voltados para proporcionar benefícios de saúde para o ser humano.
Dá-se a impressão de que se trata de um relato de ficção científica, principalmente pela utilização de um rim suíno quando a regra aconselha o transplante de órgãos entre humanos e, mesmo assim, como é sabido, com certa frequência, ocorre a rejeição.
O benefício resultante do estudo é infindável e deixou transparecer que, apesar de se tratar de fase experimental da pesquisa, merece continuidade uma vez que há fatores indicativos em favor da saúde humana. É evidente que há ainda uma longa peregrinação científica a ser percorrida, mas, pelo menos, para o momento, reacende a esperança de encontrar mais uma opção, que certamente trará inúmeros benefícios para o homem.
O Brasil ocupa atualmente posição de destaque mundial no ranking de transplantes, pelas informações veiculadas pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, apesar ainda da taxa de doadores não corresponder ao número de inscritos para o procedimento. A escassez de órgãos humanos faz com que muitos pacientes, em estado delicado de saúde, fiquem aguardando durante longo período nas filas dos transplantes a oferta de algum órgão que seja compatível e muitas vezes vão a óbito sem atingir o objetivo almejado. É de se esperar que o estudo anunciado, estribado no melhor embasamento científico e ancorado pelo pensamento bioético da beneficência, proporcione uma acalentadora esperança para a humanidade.
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1 Marcelo Coelho, Mario. Xenotransplante - ética e teologia. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 56.