A mulher e a Lei Maria da Penha
domingo, 10 de março de 2024
Atualizado em 8 de março de 2024 15:11
No mês de março, em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, cabe aqui um breve comentário a respeito da Lei 11.340/06, conhecida por Maria da Penha, que carrega este nome em homenagem à biofarmacêutica que foi vítima de agressão por parte do marido e, em razão dos ferimentos de um tiro desferido pelas costas, ficou paraplégica.
A legislação representa, inegavelmente, um marco importante para a comunidade brasileira. Isto porque sua mens legis apresenta um conjunto de ações e condutas voltadas contra a violência doméstica praticada no âmbito das relações familiares, com a entronização da mulher como destinatária da tutela específica para combater a crescente violência encontrada nos lares de diferentes classes sociais brasileiras, atendendo, desta forma, o preceito do artigo 226 § 8º, da Constituição Federal.
Referida lei, além de se apresentar como uma legislação fundamental para coibir a violência no âmbito das relações familiares - considerada uma das formas de violação dos direitos humanos - é, inquestionavelmente, a que recebeu o maior número de propostas legislativas e variadas interpretações jurisprudenciais destinadas ao seu aprimoramento e visando sempre a criação de mecanismos para alcançar outras tutelas não previstas originariamente em seu texto legal.
Tanto é que, em alguns casos, ficam evidenciados direitos difusos latentes, que permitem uma acomodação interpretativa que vá ao encontro da proteção à mulher em situação de vulnerabilidade, possibilitando todas as providências com o intuito de fechar o círculo protetivo das vítimas, não só física, mas mentalmente também. Sem desprezar, é claro, o ajuizamento da ação para pleitear dano moral ou patrimonial em desfavor do agressor.
Assim é que a Lei Maria da Penha contempla, em primeiro plano, proporcionar uma mudança no comportamento humano com relação às agressões perpetradas contra esposas, companheiras e namoradas, oferecendo a elas a tutela protetiva emergencial, assim como a criação de políticas públicas para ampará-las contra a violência doméstica e familiar em razão do gênero.
E gerou, como consequência inevitável, a criação do tipo penal do feminicídio, de construção recente, com pena mais exacerbada que a do homicídio, também revestido do caráter de hediondez, com a finalidade de proteger a mulher na vivência doméstica e familiar, como, também, evitar qualquer modalidade de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Se, por um lado, a lei foi ampliando seus contornos para atender as vítimas de violência doméstica, destinatárias de seu regramento e conferindo a elas uma vasta proteção, por outro lado, o que se percebe pelo noticiário da imprensa e estatísticas apresentadas, é que o número de feminicídio vem crescendo ano após ano, causando impacto frustrante na opinião pública que, por sua vez, sem fronteiras, vai sedimentando cada vez mais seu inconformismo recriminador.
É até difícil explicar no campo da criminologia, que busca equacionar os novos comportamentos humanos que geram reações agressivas praticadas contra namoradas, companheiras ou esposas e dar alguma resposta que seja convincente. É certo que a sociedade experimenta mutações constantes e seu dinamismo traz uma nova realidade de convivência, muitas vezes atropelando valores e bens jurídicos indisponíveis, como a vida humana. Mas, de antemão, fica um questionamento delimitado pelo labirinto existente entre os pensamentos que giram em torno de Eros e as deliberações de Tânatos.
O que se vê, na realidade é a reiteração do crime em modalidades agressivas diferenciadas. Parece até que o agressor, sabedor que é do alto grau de periculosidade que reveste sua conduta e da exasperada pena cominada pelo tipo penal, mesmo assim, faz opção pelo ato de violência, não se importando com as consequências penais referentes ao seu status libertatis.
Se o país é possuidor de uma legislação que pretende punir exemplarmente o acusado pela prática do feminicídio, talvez sejam necessárias, além das medidas protetivas de urgência, políticas públicas para atuarem após a primeira agressão perpetrada, procurando orientar e dissuadir o agressor de uma nova empreitada criminosa.