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Entrega voluntária de filho para adoção

domingo, 17 de dezembro de 2023

Atualizado em 15 de dezembro de 2023 10:20

O Código Penal, cuja vigência data de 1940, traz vários tipos penais que, com o passar do tempo ou até mesmo em razão do dinamismo social, apresentam-se obsoletos e inadequados para os tempos atuais. É certo, no entanto, que a legislação penal procura refletir o pensamento de um período que, por sua vez, era indicativo e representava a reprovação social.

Um exemplo típico encontra-se no artigo 134 do estatuto penal: "Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria". Fica nítido que se trata da mãe, em razão da íntima dependência que mantém com o recém-nascido.

É inevitável a censura a tal comportamento, mas fica no ar a indagação de que, se não optasse pelo nascimento, poderia ter praticado o aborto ou, após o nascimento, sob a influência do estado puerperal, o infanticídio. Não se pode concluir, portanto, que a parturiente não desejasse o nascimento com vida.

Acontece que, algumas vezes, a mulher está despreparada para a maternidade, outras não tem condições financeiras para suportá-la, somando-se a elas o abandono do pai da criança, sem falar ainda do medo e do temor dos familiares, para quem procura de todas as formas esconder a gravidez. É justamente diante de tal situação que vários seguimentos sociais foram canalizando debates para buscar soluções minimizadoras de situação tão delicada e abrandando o rigorismo legal.

Assim, o Estatuto da Criança e Adolescente, que ampliou e em muito a esfera protetiva em favor da criança, em seu artigo 13, § 1º, abriu a possibilidade da "gestante ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas, sem constrangimento, à Justiça da Infância e da Juventude." E, no artigo 19-A do mesmo Estatuto, preconiza as providências a serem adotadas pela justiça. Referidas alterações foram introduzidas pela lei 13.509/2017, que dispõe sobre a entrega voluntária para adoção de crianças e adolescentes.

O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, editou a resolução  485, de 18 de janeiro de 2023, com vigência após 60 dias de sua publicação, e dispõe sobre o adequado atendimento de gestante ou parturiente que manifeste desejo de entregar o filho para adoção e a proteção integral à criança.

Aludida Resolução estabelece, em tópicos principais, que a gestante ou parturiente que, antes ou logo após o nascimento, manifestar perante instituição de saúde ou órgãos relacionados com a proteção infantil e direitos humanos, interesse em entregar o filho à adoção, será encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e Juventude, com a finalidade de dar início ao procedimento judicial.

Para tanto, será atendida por uma equipe interprofissional do Poder Judiciário, que irá orientá-la a respeito do procedimento, colhendo os dados e assinaturas necessárias, além de um relatório técnico circunstanciado, tudo autuado e registrado na classe "Entrega Voluntária" com tramitação prioritária e em segredo de justiça.

É importante frisar que a manifestação de vontade da gestante ou da parturiente seja fruto de uma decisão amadurecida no pleno uso das faculdades cognitivas, sem qualquer interferência do estado gestacional e puerperal, não pairando qualquer dúvida com relação ao seu consentimento. E, no caso de gestação decorrente de crime, a gestante deve ser orientada a respeito da possibilidade do aborto legal, assim como, se não pretender, o juiz comunicará o hospital onde o parto provavelmente ocorrerá para que a gestante receba atendimento humanizado e acolhedor, em razão de sua opção, compreendendo seu direito de não ter contato com o recém-nascido.

A gestante ou a parturiente será informada sobre o direito ao sigilo do nascimento, que atingirá o pai indicado, membros da família extensa, prontuários médicos, assim como o direito de gozo de licença-saúde.

A gestante ou a parturiente pode apresentar retratação da intenção de entregar a criança para adoção até a data da realização da audiência, ato que será garantido de forma simplificada, mediante mera certidão cartorária.

O Ministério Público participa de todo o processo na função de fiscal da lei com a finalidade de garantir a proteção integral à criança, podendo, para tanto, praticar todos os atos necessários em defesa dos direitos fundamentais previstos em lei.

Percebe-se, sem muita dificuldade, a diferença entre o Código Penal, com caráter eminentemente punitivo, e a nova postura legislativa, que visa amparar e acolher a mulher que se encontra na difícil situação relatada neste texto.