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O avanço científico e a clonagem humana

domingo, 19 de novembro de 2023

Atualizado em 16 de novembro de 2023 13:44

A clonagem humana, apesar da reprovação universal, não se apresenta como um ponto final nas investidas científicas e muito menos como uma ficção inatingível. A ciência, pela sua própria natureza investigativa, não decreta o fim de projetos relacionados com a vida humana. O homem, em razão da sua aguçada inteligência, quer penetrar nos mistérios que rondam seu mundo exterior e não se satisfaz com o ciclo natural estabelecido. Já enveredou pelos desafios dos mares, ares, da terra, dos animais e tudo que se apresenta na natureza.

Nem sempre saiu vitorioso, no entanto. Um terremoto, um tsunami, uma tempestade, uma erupção vulcânica, sem falar de uma pandemia como a decretada em razão do coronavírus e outras doenças que ainda não foram desvendadas e muitas delas consideradas irreversíveis, são circunstâncias que, propositadamente, demonstram sua fragilidade e inconsistência científica.

Mas, mesmo assim, em nome da ciência, em desabalada carreira, lança-se em estudos e pesquisas para avançar o post mortem e ofertar uma proposta de nova realidade, que seja conveniente e apropriada para a humanidade ou, pelo menos, que a satisfaça emocionalmente.

O avanço científico nas diversas áreas não é tão exigido como o relacionado com as ciências da saúde: Com o refinamento cada vez mais acelerado do conhecimento, o homem pretende ser um desbravador de si mesmo e buscar técnicas revolucionárias na biotecnologia, que possam preencher os hiatos científicos existentes. Em tese, são conquistas que pretendem trazer benefícios ou até mesmo um aperfeiçoamento para sua vida, porém passam a trilhar a contramão da ética e tentam fazer um acordo com as células para ter conhecimento de seu universo, assim como saber manejar os comandos genéticos, com a correta distribuição dos genes.

As execuções das funções naturais do homem, em todas as suas etapas, desenvolvem-se como meio e fim em si mesmas: a fecundação, o nascimento, a infância, a puberdade, a fase adulta e a idosa. Durante os percursos, o homem vai acumulando conceitos morais e éticos de forma espontânea. Esse processo vincula-se diretamente à razão do próprio desenvolvimento do ser humano, fazendo com que, obedecidos os ritos vitais, possa encontrar a realização almejada, que nada mais é do que a satisfação de seus objetivos.

Pode-se afirmar com segurança, de acordo com o pensamento psicanalítico, que a identidade do ser humano passou a existir a partir de Freud. Em mais de cem anos de prática clínica, bate-se pela diferenciação entre a identidade genética com a fenótipa (expressão do gene) e da pessoa (personalidade).

Nesta linha de pensamento, percebe-se, claramente, que há uma restrição com relação à clonagem. Por várias razões éticas. É sabido, pelas experiências realizadas em animais, que são necessárias muitas tentativas seguidas e destruição de inúmeros embriões para se conseguir atingir o objetivo, que se mostrou de pouca eficiência, com reiterados abortos de fetos malformados e com morte em curto espaço de tempo.

A Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, em seu artigo 11, enfatiza: Não é permitida qualquer prática contrária à dignidade humana, como a clonagem reprodutiva de seres humanos. Os Estados e as organizações internacionais pertinentes são convidados a cooperar na identificação dessas práticas e na implementação, em níveis nacional ou internacional, das medidas necessárias para assegurar o respeito aos princípios estabelecidos na presente Declaração.1

O Código de Ética Médica, por sua vez, em seu artigo 15, traz idêntica proibição.2

A Lei de Biossegurança,3 também de forma incisiva, construiu um tipo penal próprio e específico, quando proíbe a realização da clonagem humana e estabelece pena de reclusão de 2 (dois) a cinco (cinco) anos e multa para o responsável pela conduta ilícita.

A descrição da conduta penal do agente é direta e objetiva. O legislador não emprega vários verbos, como acontece em alguns crimes complexos para tipificar a conduta. O núcleo da ação é o verbo realizar, que deve ser interpretado com o seu significado literal, no sentido de tornar real, criar, produzir, lançar mão de todos os meios técnicos e científicos para conceber um ser humano idêntico a outro já existente, independentemente dos objetivos. 

A simples ação de quebrar a regra da procriação e inverter seu procedimento para se obter artificialmente um clone é uma conduta demonstrativa de dolo intenso, uma vez que é social e penalmente relevante e reprovável. Por essa razão, Moser, de forma magistral, esclarece que: Pela clonagem os seres humanos "enganam" a natureza, trocando a "receita" original por outra estranha, oriunda da mesma espécie, ou então de espécie diferente.4

Tais dispositivos apontados encerram, de uma só vez, conteúdos ético, moral e legal, todos proibitivos, a exemplo de inúmeros outros diplomas mundiais. Já não é o homem e sim a humanidade que se une para coibir qualquer investigação científica na área da clonagem, por entender que não é lícito ao homem contrariar as leis da própria natureza. Se a determinação biológica vem previamente regulada pelo histórico genético - que confere a cada pessoa um tempo limitado de vida - não é plausível que seja dada continuidade a uma vida em curso ou que já se expirou, substituindo-a por outra. A individualidade é fator que determina e especifica o cidadão no meio social, com seus predicados, virtudes e caráter. O substituto artificial jamais conseguirá ocupar o mesmo espaço e receber a mesma avaliação. E, juridicamente, será outra pessoa.

___________

1 https://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/manuais/qualidade/Genomdir.pdf.

2 Resolução CFM 2.217/2018

3 Lei 11.105/2005.

4 Moser, Antônio. Biotecnologia e bioética: para onde vamos? Petrópolis: Vozes, 2004, p. 171.