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A extensão dos cuidados paliativos

domingo, 20 de agosto de 2023

Atualizado em 18 de agosto de 2023 16:28

A convivência entre o homem e a morte remonta à história da própria humanidade. O nascer e o morrer são atos reiterados, vinculados, um compreende o outro, como alfa e ômega. A vida, por si só, é uma preparação para a morte.  Ou se morre de forma repentina ou, em razão de doença que pode se agravar e assumir caráter de irreversibilidade. No primeiro caso, é claro, não há como dispensar qualquer tipo de cuidado à pessoa, preparando-a para o evento final. No segundo, porém, abre-se um campo enorme em razão da solidariedade humana e do espírito cristão que habita o homem, principalmente diante de uma enfermidade incurável.

É este o espaço reservado para os cuidados paliativos.

De origem latina, a palavra pallium expressa originariamente um manto que os gregos usavam semelhante a uma toga. Posteriormente, ampliou seu significado e alcançou o sentido de coberta ou manta de cama, assim introduzido em nosso vocábulo, designando a proteção, a tutela diferenciada que se confere a uma pessoa em situação de vulnerabilidade em sua saúde, lançando sobre ela a coberta, principalmente quando se encontra no caminho da finitude.

Neste diapasão, a inevitabilidade da morte ingressa na vida humana como um tema a ser refletido por médicos, pacientes e familiares, justamente para se estabelecer as decisões a respeito do final de vida, levando-se em consideração o princípio da autonomia da vontade do paciente, os tratamentos e medicamentos que serão conferidos durante os cuidados paliativos. 

No Brasil já há vários modelos de atuação na área específica da assistência à terminalidade da vida humana. A história mundial remete aos hospices, que eram abrigos, muitos deles de iniciativas de religiosos, com a finalidade de cuidar dos doentes e das pessoas que estavam morrendo. A prática recomendava que se abandonasse a cura do enfermo em razão da invencibilidade da doença, mas, em compensação, ofertasse a ele ações que suavizassem o processo de morrer. Assim, na natural segregação, aqueles que se encontravam no estado terminal, recebiam o tratamento adequado de final de vida.

Buscando uma definição mais singela e apropriada para o tema, pode-se dizer que os cuidados paliativos, num sentido mais abrangente, são ações voltadas ao paciente portador de doença crônica, progressiva e degenerativa, que se encontra em estado irreversível de saúde, visando contemplá-lo com o conforto familiar, espiritual e tudo o mais que possa traduzir em sensação de bem-estar. Num sentido mais apertado, os cuidados voltados para o paciente terminal, cobrindo-o com as mesmas ações. Seria, num linguajar figurativo, nessa última hipótese, tomar o paciente pelas mãos e com ele caminhar com segurança e lentamente até o umbral que interrompe o ciclo vital. É, portanto, uma tarefa especializada, que exige muito mais do que a solidariedade humana. É um profissionalismo diferenciado, que compreende desde a abnegação até o conhecimento da peregrinação que leva à finitude da natureza humana. Daí, muitas vezes, nem mesmo os parentes, apesar de legitimados para tanto também, poderão executá-la a contento, em razão do envolvimento emocional.

Sem desprezar também o outro foco dos cuidados paliativos dirigido aos familiares do moribundo, que, acompanharam toda a progressão da moléstia e, com o passar do tempo, sem qualquer resultado satisfatório de cura, vão se consolidando numa posição de aceitação e conforto, aguardando somente a ocorrência final, que, em muitos casos, passa até mesmo a ser desejada.

Pessini, de saudosa memória, com a perspicácia de referendado bioeticista que foi, justifica que "a medicina paliativa se desenvolveu como uma reação à medicina moderna altamente tecnificada. Temos o ethos da cura e o ethos da atenção. O ethos da cura inclui as virtudes militares do combate, não se dar por vencido e perseverar, contendo, necessariamente, algo de dureza. O ethos da atenção, pelo contrário, tem como valor central a dignidade humana, enfatizando a solidariedade entre o paciente e os profissionais da saúde, atitude que resulta numa "compaixão efetiva". No ethos da cura o "médico é o general", enquanto no da atenção "o paciente é o soberano".1

É certo que a dor, o medo, a depressão, a insegurança, a ansiedade, o isolamento são circunstâncias que habitam a frágil vida do doente terminal. A mente do enfermo, que ainda opera em meio a tanto tumulto - muitas vezes sem entender a sua própria moléstia - necessita buscar refúgio para se amparar, ou um colo para depositar suas últimas esperanças. Este espaço é destinado à figura do cuidador especializado, que irá entronizar o paciente em uma espécie de redoma, aproximando-o do convívio dos familiares e amigos para que fique ainda conectado com a realidade da vida. Todos os esforços serão envidados para que ele possa sentir a vida até seu último e derradeiro suspiro.

A proposta da introdução dos cuidados paliativos vai avançando e permeando tanto a rede pública de saúde como a particular. E, recentemente, conforme noticiado2, alguns grupos solidários criaram a comunidade compassiva que tem por objetivo - seguindo o do modelo do SUS - ofertar ao paciente com doença terminal e faz parte de uma comunidade vulnerável, vinculado a uma Unidade Básica de Saúde, o suporte necessário, não só com visitas à sua moradia, como também atender às demandas específicas de cada um, voltadas para a entrega de medicamentos, fraldas descartáveis, realização de curativos e distribuição de cestas básicas e demais cuidados mitigadores do sofrimento humano.

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1 Pessini, Leo: Bertachini, Luciana (orgs.).Humanização e cuidados paliativos. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 188.

2 Disponível aqui.