Os pais e o calendário vacinal dos filhos
domingo, 29 de janeiro de 2023
Atualizado em 27 de janeiro de 2023 10:09
Percebe-se, até com muita facilidade, inclusive por meio das conversas habituais, que nos últimos anos ocorreu um considerável declínio no índice de imunização da população brasileira, compreendendo crianças e adultos. A situação se torna preocupante porque muitas doenças, que eram consideradas erradicadas, ganharam novo espaço e vão se infiltrando fazendo novas vítimas.
Ficou mais que evidenciado durante o período pandêmico que, quando ocorreu o avanço da vacinação proporcionando uma cobertura mais ampla à população, despencaram de forma gradativa os índices de infecção e de mortalidade, atingindo um patamar de segurança com a alvissareira notícia da decretação do fim do status de pandemia da doença.
Apesar do apelo das autoridades sanitárias - fazendo ver que as vacinas não se concentram unicamente no combate à pandemia da Covid-19 e suas variantes - e sim em muitas outras recomendadas pelo Plano Nacional de Imunização (PNI), criado em 1973, voltadas para a erradicação de doenças infectocontagiosas e imunoprevisíveis, com fornecimento gratuito, a cobertura vacinal vem experimentando considerável declínio.
A vacina contra a poliomielite, a título de exemplo, conhecida também como paralisia infantil, é considerada doença contagiosa pela transmissão de pessoa a pessoa e acarreta sequelas gravíssimas, principalmente motoras pela infecção da medula e cérebro, sem qualquer chance de cura, já chegou a atingir a meta de 95% da população alvo e vem se desgastando ano após ano.
Uma vacina, como é sabido, representa o resultado de longos anos de estudos e pesquisas obedecendo rigorosamente os protocolos científicos internacionais, tudo para atingir a almejada segurança e eficácia. A específica para o combate à poliomielite, em razão dos vários anos de imunização, já foi incorporada ao calendário vacinal e à vida dos brasileiros, pelos excelentes resultados alcançados.
O grupo contrário à vacinação não encontra qualquer amparo científico que tenha sido comprovado e muito menos a adesão da Organização Mundial da Saúde, que já se manifestou reiteradas vezes a respeito da eficácia das vacinas e que considera o movimento como uma das ameaças mundiais à saúde.
A vacinação, em razão do comando constitucional previsto no artigo 196 - que estabelece o dever de proteção e prevenção do gestor público - é uma questão que afeta diretamente a saúde pública, sinalizada por políticas adequadas visando à erradicação das doenças infectocontagiosas.
Muitos pais, em razão de informações errôneas e equivocadas, deixam de realizar a cobertura vacinal dos filhos, em evidente flagrante de descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.
Ora, a rejeição vacinal por conta dos pais ou responsáveis legais, não encontra qualquer escusa legal. Pelo contrário, reflete um ato de irresponsabilidade e total falta de zelo pelos filhos, tendo em vista que o imunizante é recomendado e oferecido em várias unidades de saúde. Nenhuma justificativa, desta forma, socorre os responsáveis pelas crianças, que poderão, em um futuro próximo, em razão do dinamismo jurídico, ser acionados judicialmente pelos próprios filhos.
Talvez o movimento antivacinal, que vem prosperando a cada ano, tenha desestimulado os pais a levarem seus filhos para a recomendada imunização, apesar da previsão imposta no § 1º do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de ser obrigatória a vacinação dos menores de idade quando recomendada apela autoridade sanitária. Em caso de descumprimento, será imposta multa de três a vinte salários de referência, aplicada em dobro em caso de reincidência, consoante o artigo 249 da legislação menorista. Assim, as autoridades da saúde, após elegerem as melhores políticas públicas para o país, elencando um rol de vacinas recomendadas para as diversas idades das crianças, provocaram uma vinculação de obrigatoriedade por parte dos responsáveis. Tanto é que, para o controle do Estado e dos pais, criou-se a caderneta de vacinação, exigida em muitas oportunidades.
A não imunização, pela desídia dos genitores, não prejudica somente os filhos do casal. Exerce uma expansão difusa, abrangendo e colocando em risco toda uma comunidade. O filho não é propriedade exclusiva dos pais, como acontecia no Direito Romano que conferia ao poder familiar o direito de vida e morte sobre eles (jus vitae et necis). A autonomia de vontade dos pais sofre restrição porque o bem que está em jogo tem dupla proteção: uma, a individual, direcionada à saúde do próprio filho, conferindo a ele os cuidados necessários; a outra, de caráter difuso, é a voltada para a própria coletividade, que é o bem maior e o objetivo da realização da saúde pública. Pairando colidência entre o Estado e o indivíduo, deve prevalecer os interesses do ente que exerce maior cobertura protetiva. A vontade dos responsáveis não atinge a prole quando se tratar de tema em que há a obrigação legal cogente.
Assim, por ser um dever inerente ao poder familiar, de nenhuma valia a escusa dos pais. Pode até ser que a recusa dos genitores tenha alguma fundamentação contrária à imunização, porém a decisão do casal não é suficiente para afrontar o comprometimento familiar erigido no texto legal. Em razão desta determinação legal, os pais devem tomar todas as providências e praticar as ações necessárias para conferir a efetivação dos direitos referentes à saúde da prole.