Edição genética alimentar
domingo, 18 de dezembro de 2022
Atualizado em 19 de dezembro de 2022 09:22
Como se fosse um prenúncio feito com certo rigorismo científico e levando-se em consideração o crescimento incessante da população mundial, a escassez de alimentos já se alinha como um fenômeno global preocupante.
De um lado, a título de reprise necessária, a pandemia, que como um tsunami assolou os continentes com todas as graves sequelas na saúde, no trabalho, na economia e na própria produção alimentar. De outro, a inconveniente guerra envolvendo a Rússia e a Ucrânia, que vai dinamitando uma das terras mais férteis do leste europeu, além de provocar a retirada de uma população estabilizada e produtiva em grãos de alimentos, um verdadeiro celeiro mundial.
Além de todos estes transtornos - acrescentando a eles os problemas climáticos sazonais que prejudicam o plantio e colheita de alimentos - a pobreza vai se expandindo por todas as partes do mundo e se apresenta hoje como realidade incontestável, no sentido de que a pessoa deixou de consumir o mínimo exigido para a recomendada nutrição.
A Europa, que durante muito tempo teve o domínio da equilibrada produção alimentar para seus habitantes, além dos entraves já enumerados, vê-se diante de um quadro totalmente desfavorável, pois a produção agrícola, em razão da falta de chuvas, dos custos elevados dos insumos, fertilizantes, pesticidas e do combustível para as máquinas agrícolas, caiu sensivelmente e não vê, a curto prazo, uma solução de continuidade no oferecimento alimentar.
Quando a natureza, os fenômenos climáticos e outras circunstâncias abatem de forma crucial e impedem a necessária produção alimentar, a única opção que se abre é buscar uma solução substitutiva na ciência. Assim é que na Europa retornou à tona o debate a respeito da edição genética, que por um tempo já frequentou calorosos debates e não foi bem recebida.
A edição genética que se propõe é bem diferente das técnicas dos OGMs (Organismos geneticamente modificados). No primeiro caso, o procedimento é realizado com a inclusão ou exclusão de genes na mesma espécie ou em espécies semelhantes buscando, na realidade, um melhoramento mais acelerado e aprimorado das plantas. No segundo, ocorre a modificação genética em laboratório, com a inserção de um material genético de outro organismo, visando aumentar a produção, melhorar o conteúdo nutricional e proporcionar maior resistência e durabilidade. Seria, de uma forma menos científica, o encontro de DNAs entre organismos que jamais teriam chances de cruzamento. Analisando do ponto de vista produtivo, pode-se até concluir que a inovação traz dividendos consideráveis, com um custo menor e uma distribuição mais abrangente de alimentos, com sérios propósitos de se combater a fome que assola a humanidade.
No caso da edição genética, mesmo não ocorrendo a manipulação dos genes, há necessidade da realização de estudos que ofereçam segurança na produção de alimentos. Abre-se, desta forma, uma densa nuvem nebulosa e provoca incerteza a respeito de futuros danos que possam causar à vida humana. Pode até ser que no presente não tragam qualquer malefício à saúde, porém, ao longo do tempo, com a utilização prolongada, poderão comprometê-la. Daí que a Comissão Europeia se propôs a regulamentar para o próximo ano a utilização de algumas tecnologias relacionadas com a edição genética.
A ciência da Bioética - espaço de reflexão envolvendo os pensamentos de várias pessoas com sólida formação em humanidades a respeito da utilização de novas tecnologias que possam ser consideradas oportunas e convenientes para que o homem possa manter sua identidade e dignidade - traz sua contribuição para a questão levantada.
O princípio bioético da beneficência primum non nocere, ou da não maleficência malum non facere, é destinatário de todas as produções científicas que possam trazer benefícios à saúde humana, incluindo aqui até mesmo sua base alimentar. E o sinal verde para a utilização é proclamado pelos órgãos responsáveis pela saúde humana, podendo ser citada a Organização Mundial de Saúde (OMS), que faz a avaliação e o aconselhamento necessário, justamente para que o homem possa fazer uso com as garantias precisas.
A Bioética, desta forma, amparada pelo mais ajustado pensamento científico e com suporte também no princípio da precaução, recomenda as cautelas necessárias para preservar o homem e a natureza contra os riscos potenciais das novas tecnologias. Daí tem como tarefa precípua realizar ações articuladas com a sociedade elegendo como prioridade um estado de equilíbrio e bem-estar humano.