A limitação do canabidiol para uso medicinal
domingo, 23 de outubro de 2022
Atualizado em 21 de outubro de 2022 13:50
O cenário das pesquisas relacionadas com a utilização do canabidiol como uso medicinal - um dos princípios ativos da maconha - vem ganhando credibilidade por parte da comunidade científica. Os estudos até então realizados e muitos ainda em fase de desenvolvimento, demonstram benefícios para crianças e adolescentes diagnosticados com epilepsia, além de doenças neurológicas em adultos, como Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, convulsões, depressão, alguns tipos de câncer e outras.
A ciência, pelas suas regras investigativas e protocolos de pesquisas, em vários estudos científicos rigorosamente sérios e recomendados, não só apontou os benefícios como também recomendou a continuidade de estudos com o canabidiol, por ficar evidenciado o benefício para o paciente.
A Comissão de Narcóticos da Organização das Nações Unidas, acatando também a recomendação da Organização Mundial da Saúde, aprovou a reclassificação da cannabis sativa da listagem de narcóticos considerados impróprios e perigosos para o homem e abriu espaço para sua utilização médica, exclusivamente.1 Nesta linha de raciocínio a própria ANVISA já autorizou e registrou o medicamento Mevatyl, à base de cannabis, indicado para o tratamento de adultos com espasmos relacionados à esclerose múltipla, além de conceder inúmeras autorizações para a importação do canabidiol.
O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, editou a resolução 2324/2022, revogando a anterior 2.113/2014, que autorizava o uso compassivo do canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais. Na nova norma aprovou o uso do canabidiol exclusivamente para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa. Neste caso, o paciente ou seu representante legal, deve assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), dando ciência sobre os riscos e benefícios potenciais do tratamento. Além do que o médico fica proibido de prescrever canabidiol para indicação terapêutica diversa da prevista na resolução em destaque, salvo em estudos clínicos autorizados pelo Sistema CEP/CONEP.
A limitação imposta causou estranheza no meio científico que se manifestou contrariamente por entender rigorosa por demais a norma administrativa, que colidiu com a autonomia do médico e cerceou o acesso à saúde do paciente, além de causar eventuais danos aos que se encontram em tratamento por outras causas.
Na relação linear entre médico-paciente, cabe ao profissional, após detalhado diagnóstico, apresentar as opções mais adequadas para o tratamento com a avaliação de eventual risco e pretendido benefício e, ao paciente, no âmbito da sua autonomia da vontade, acatar ou não a proposta ofertada.
O termo de consentimento, prudentemente recomendado, é o demonstrativo inequívoco da autonomia da vontade da pessoa. Elaborado com linguagem clara e acessível, compreende a anuência do paciente ou de seu representante legal, livre de vícios, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre os métodos, riscos e benefícios previstos, tanto os atuais como os potenciais, individuais e coletivos, assim como aponta o responsável pelo acompanhamento do tratamento.
Talvez a decisão do Conselho Federal de Medicina, por demasiado apego ao princípio da precaução - compreendendo a observância de padrões seguros e confiáveis para o ser humano - editou a norma de conduta ética em debate.
A limitação, ao mesmo tempo que referenda, restringe o uso somente para os estudos clínicos autorizados pelo Sistema CEP/CONEP, não observando que a indicação terapêutica do canabidiol já atingiu um considerado número de prescrição na modalidade "off label".
Não se pode olvidar que aumenta de forma induvidosa o número de estudos realizados mundialmente envolvendo o canabidiol. Em um cenário em que a ciência é fator predominante e as pesquisas vão produzindo cada vez mais resultados satisfatórios para a saúde humana, não se pode desprezar os dividendos que estão sendo colhidos.
Tem total aplicação na discussão a aplicação do princípio da beneficência da Bioética, que visa envidar o melhor esforço possível para buscar soluções que sejam adequadas, convenientes e proporcionais para o paciente, conferindo a ele um considerável ganho à sua saúde, com o mínimo risco possível. Quer dizer, extremar os possíveis benefícios e minimizar eventuais danos.
Desta forma, abrindo-se uma linha de pesquisa envolvendo o canabidiol e que tenha já atingido um patamar de segurança e tolerabilidade, recomenda-se que sejam exploradas todas as possibilidades de se buscar um resultado que seja compatível com os objetivos propostos.
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1 Disponível aqui.