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A vez do pai solo

domingo, 14 de agosto de 2022

Atualizado em 12 de agosto de 2022 10:37

Visando a mais completa proteção à criança, a licença paternidade foi criada para os trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos federais, com alcance aos estaduais e municipais, desde que sejam contemplados pela devida aprovação das casas legislativas. Tal benefício confere ao pai o afastamento por cinco dias a partir do dia seguinte do nascimento do filho e, se a empresa for cadastrada no programa Empresa Cidadã, computa-se a prorrogação por mais 15 dias. O mesmo abono é concedido em caso de adoção.

O modelo de família delineado na Constituição Federal vem sofrendo constantes alterações - com a inclusão de novas configurações da entidade familiar - obrigando a Justiça a fazer a devida adequação, levando-se em consideração a total preferência e assistência integral à criança, que tem o direito da presença dos pais logo após o nascimento, justamente para alicerçar o vínculo familiar que se inicia.

Basta ver que caiu por terra a definição restrita de família como sendo o núcleo compreendido na união do homem e da mulher. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, pela ADIn 4.277/DF e pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132/RJ, a plena igualdade em direitos e deveres dos casais heteroafetivos e homoafetivos.

Nesta linha de pensamento é possível que um servidor público, com a intenção de constituir uma família monoparental, procure uma clínica de reprodução assistida para realizar o procedimento de fertilização in vitro com a consequente utilização de maternidade substitutiva - plenamente regulamentada pela Resolução do Conselho Federal de Medicina 2294/ 2021 - e consiga êxito em seu intento, gerando um filho pela opção pai solo. A mulher que cedeu temporariamente o útero, sem qualquer fim lucrativo ou comercial, e sim guiada pela solidariedade familiar, deu sua adesão à empreitada com a plena convicção de que não teria qualquer comprometimento com a criança. Daí resta ao pai, unicamente a ele, conferir toda a carga afetiva ao filho, assim como cumprir todas as responsabilidades legais ante a ausência da figura materna.

Apesar do exemplo pouco comum, mas concretamente possível, é de se indagar se, na específica situação, o pai solo terá o direito de ser beneficiado pelo mesmo prazo previsto na licença maternidade.

A construção jurídica é interessante e caminha por via pavimentada pela Hermenêutica, que busca a melhor interpretação do texto legal, desprezando a letra fria da lei, mas buscando sua finalidade última e primordial como um instrumento para compreender a ação humana em toda sua dimensão e fazer o ajuste conveniente e adequado.

O projeto de procriação solo impõe ao pai o mesmo dever e atenção que seriam exigidos da mãe, se presente. O que se leva em consideração, já que o procedimento de reprodução nesta modalidade é permitido, é buscar o melhor interesse da criança, além de prestigiar a paternidade responsável.

Não se deve levar em conta a forma pela qual ocorreu o nascimento da criança e sim que ela necessita da presença do pai, único responsável pelo exercício da parentalidade. A licença, in casu, deve sim ser conferida a ele que representa a família monoparental, nos mesmos moldes da licença maternal de 180 dias, em se tratando de servidor federal.

Caso idêntico foi julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal que, por votação unânime, julgou pela constitucionalidade da extensão da licença maternidade: "Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, I, 7º, XVIII, 37, 195, § 5º, 226, § 8º, 227, § 6º e 229 da Constituição Federal, a possibilidade ou não de estender o benefício de salário maternidade pelo prazo de 180 dias, previsto no artigo 207 da Lei 8.112/1990, ao pai solteiro de crianças geradas através de procedimento de fertilização in vitro e utilização de barriga de aluguel, por analogia à Lei 12.873/2013, ante a ausência de previsão expressa na Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional de regência, e da necessidade de fonte de custeio para suportar a extensão do benefício".1

O Direito - como um tecido social móvel - não deve andar a passos miúdos e sim acompanhar a dinâmica da sociedade, imbuído de um pensamento arguto para envolver as pessoas na contextualização mais adequada para a vivência social e, por outro lado, não deve conter e nem refrear o recomendado desenvolvimento técnico-científico e sim direcioná-lo para proporcionar mais benefícios para a humanidade.

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1 Disponível aqui.