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Novas regras sobre eutanásia em animais

domingo, 21 de novembro de 2021

Atualizado em 19 de novembro de 2021 13:40

Percebe-se que, nos últimos anos, os animais vêm recebendo uma tutela legislativa diferenciada, assim como decisões jurisprudenciais favoráveis exaradas nos processos que envolvem a interpretação da Lei dos Crimes Ambientais. Até então as leis existentes preocupavam-se em resguardar o direito essencial ao meio ambiente, equilibrando-o ecologicamente com a indispensável proteção da fauna e flora.

Basta ver que, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 640 (ADPF), o ministro relator concedeu medida liminar determinando a suspensão de todas as medidas administrativas ou judiciais autorizadoras de sacrifício de animais silvestres como os domésticos ou domesticados que fossem apreendidos em situação de maus tratos.

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em ação intentada para impedir o abate dos animais que se encontravam em situação de maus tratos, considerou inconsistente e até mesmo ilegal a decisão tomada em muitos casos pela justiça ou por autoridades administrativas determinando o sacrifício dos animais. Nesse sentido a posição do ministro Gilmar Mendes, relator da ação: "No caso, observa-se que a interpretação da legislação federal proposta pelos órgãos administrativos e adotada pelas autoridades judiciais, ao possibilitar o abate de animais apreendidos em condições de maus-tratos, ofende normas materiais da Constituição."1

Nenhuma dúvida paira mais a respeito do status atribuído aos animais como seres sencientes, sujeitos de direitos despersonalizados, dotados de natureza emocional e passíveis de sofrimento, conforme foi reconhecido recentemente pela Lei 14.064/20. Os animais abandonaram definitivamente a incômoda classificação a eles atribuída pela lei 9.605/1998 e o Código Civil, que os consideravam bens móveis, sendo oportuno observar que, em recente decisão proferida pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, foi reconhecido, por unanimidade, o direito dos animais de figurarem como autores de ações judiciais visando pleitear o que a lei faculta, desde que corretamente representados.2

E é importante ressaltar que agora, com a lei referida acima (Lei 14.064/20), ocorre severa punição à prática de abuso, maus tratos, ferimentos ou mutilação a cães e gatos, considerados animais de estimação, com a aplicação da pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Na tutela progressiva ofertada pela legislação protetiva aos animais, foi sancionada a lei 14.228/21, que dispõe a respeito da proibição de eliminação de cães e gatos pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres.

O ponto fulcral da novatio legis, publicada no dia 20/10/21 e com vigência programada para 120 dias a partir de sua publicação oficial, é proibir terminantemente a eutanásia de cães e gatos abandonados, recolhidos da rua em situação de maus tratos ou não, pelos estabelecimentos oficiais referidos. Trata-se, na realidade, de uma determinação que coaduna com o artigo 25 § 1º da Lei dos Crimes Ambientais que, com a redação determinada pela lei 13.052/14, assim disciplina a matéria relacionada com os animais apreendidos: "Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados". Pode-se acrescentar aqui também a campanha de adoção de animais, prática que tem recebido adesão da comunidade.

A eutanásia, compreendida na indução da cessação da vida animal, por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, conforme preceitua o Conselho Federal de Medicina Veterinária (Resolução 1000/2012), apresenta-se como uma conduta contrária à legislação protetiva dos animais apreendidos sem doenças graves e infectocontagiosas.

A própria lei traz em seu corpo uma exceção permissiva para a realização da eutanásia. É justamente quando os animais apresentarem casos de males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde humana e a de outros animais. Mesmo assim, há a necessidade se fazer a justificativa da medida extrema por meio do laudo do responsável técnico pelo estabelecimento que abriga os animais, juntando, quando for necessário, o resultado do exame laboratorial. Nesse caso, é de se observar que as entidades de proteção animal devem ter acesso irrestrito à documentação que comprove a legalidade da eutanásia.

É, verdadeiramente, mais um importante passo que se dá ao combate ao especismo em que os seres humanos se colocam em situação privilegiada enquanto as demais espécies, que convivem com o prazer e a dor, ficam alojadas em um plano secundário, sem qualquer consideração. É salutar observar que os animais estão se alinhando aos homens em algumas circunstâncias. Em se tratando de xenotransplante, as pesquisas estão indicando que o porco transgenitalizado pode oferecer seu rim para o humano com uma longa margem de sucesso, sem rejeição. Daí surge um novo repositor de órgãos, que merece cuidados especiais.

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1 https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/17/maioria-do-stf-conclui-que-abate-de-animal-em-situacao-de-maus-tratos-sem-risco-sanitario-viola-a-constituicao.ghtml

2 https://www.tjpr.jus.br/noticias/-/asset_publisher/9jZB/content/id/55859528.