Natal de esperança
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
Atualizado às 08:07
O Natal está chegando, o novo ano se aproximando e a Covid-19, intrusa e inconveniente, permanece ainda no palco mundial provocando uma verdadeira existência caótica. Neste momento, como que incorporando a humanidade e por ela falando com sua implícita autorização, lanço o olhar para fora e vejo o mundo paralisado, como se uma engrenagem houvesse se soltado. Olho para dentro e dou de cara com um mundo estranho e conturbado, calibrado por sentimentos detonados por mensagens sem parâmetros por parte da mídia e do meu estreito mundo de comunicação. Ninguém entende nada. Verdadeira Torre de Babel.
Diante desta quase paranóica sensação de viver sem saber como viver uma vida enviesada e sem soluções aparentes, eu me instalo definitivamente como posseiro do meu interior e passo a quixotear comigo mesmo. É como um morrer fora do tempo e sair flutuando nas pesadas nuvens que cobrem o nebuloso céu. A única certeza é que a humanidade foi aturdida pelas tocaias e ciladas de um insipiente e indesejado vírus.
Perdido nos porões das minhas memórias, nem sei por onde começar a faxina, mas tenho consciência que nada pode ser jogado por baixo do tapete. É hora de devassar meu interior, fazer a leitura intimista, vasculhar todos os pontos, retirar o pó que grassa sobre os pesados móveis, onde estão guardadas as lembranças, as desejadas e as indesejadas, e pinçar, no mais fundo, os invasores que lá habitam sem autorização, num verdadeiro processo de despejo coletivo. Como se fosse uma lavagem da alma, na mesma intenção que move as baianas nas escadarias. Assim consigo expurgar os fantasmas que, como ébrios, deambulam com insistência pelas minhas estreitas veredas, criando um verdadeiro labirinto de dúvidas e incertezas.
Vou, também, ajustar os ponteiros do meu emocional e racional. Estabelecer regras fixas para dividir o terreno de cada um, sem invasão. Apesar de os dois habitarem o mesmo espaço, terão tarefas distintas. O emocional passará por uma reforma integral cujos cacos disformes serão encaminhados para restauração. Uma nova estrutura será edificada tendo como suporte uma sensibilidade que floresça sem provocação artificial, como foi direcionada pelo mundo digitalizado. O racional continuará sua tarefa, menos ridículo e mais sábio, calibrado pela precisão do pensamento ponderado e inteligente. Afinal, sou um homem emprestado para o mundo, mas me pertenço.
Feita a limpeza necessária nos desvãos de minhas memórias, vou emergir dos escombros, explorar meus sonhos, não como castelos utópicos que o passado sepultou, mas sim como promessas fertilizadas pela esperança, ajustar minhas balizas corretamente apontadas para a verdadeira mudança. O tempo que passou serviu de aprendizado e daqui para a frente cabe a mim fazer as podas de algumas distorções, sem transformar o mundo num clipe triste de uma crônica do coronavírus.
Apesar de constatar que os anos correram rapidamente, tenho tempo suficiente para procurar ver as boas coisas que a vida oferece com mais vagar. Vou colocar no meu espírito a tonalidade própria da minha mudança, temperando-a com moderação, harmonia e amor neste novo formato que se avizinha.
São estas as propostas que ofereço para a humanidade. Apesar de calcadas no mesmo lampejo epifânico que orientou Clarice Lispector, guardam a verdadeira mensagem de que a vida é bela e merece ser exaurida intensamente. Afinal, somos merecedores de um Natal com paz e harmonia e um novo ano com a infindável esperança de um próspero amanhã. Basta ter fé e acreditar.