A decifração do genoma do idoso
domingo, 11 de outubro de 2020
Atualizado em 9 de outubro de 2020 11:30
Ainda sem a necessária revisão por pares para a publicação em revista científica, mas com os dados coletados disponíveis ao público, cientistas da USP, liderados pela geneticista Mayana Zats, concluíram relevante pesquisa realizada durante 10 anos a respeito do sequenciamento genético de 1.171 idosos - com a faixa etária média de 71 anos - para entender o envelhecimento saudável e desenvolver técnicas mais precisas na medicina, possibilitando o diagnóstico de várias doenças, dentre elas as consideradas raras. Representa, sem dúvida, além do demonstrativo de competência e comprometimento de nossos pesquisadores, um avanço considerável para a medicina, que terá um campo mais abrangente para diagnósticos das doenças mais comuns, canalizando-as para o acesso à medicina de precisão. A repercussão maior da pesquisa foi a identificação de dois milhões de variantes genéticas não descritas em bancos genômicos internacionais, que reúnem 76 milhões1.
"O patrimônio genético, como o próprio nome diz, é a somatória das conquistas do homem, no plano físico, psíquico e cultural, que o acompanha através de seus registros biológicos, faz parte de sua história e evolução e, como tal, merece a proteção legal. É o relato e o retrato da raça humana, desde o homem de Neandertal. Passa a ser objeto de tutela pessoal e estatal e qualquer ofensa a ele é desrespeito à própria humanidade. A proteção desloca-se da individualidade do ser humano já formado, com personalidade própria, para aquele que ainda vem a ser, com personalidade jurídica"2.
A decifração do Código Genético é uma das maiores conquistas da humanidade. Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida. O homem, no entanto, não é apenas resultado do mapeamento genético, mas também dotado de potencialidade genética que, em sintonia com o meio onde vive, poderá diferenciá-lo dos demais, formando uma unidade exclusiva. Daí que a ciência se inclina atualmente em desvendar os genes responsáveis por determinadas moléstias que angustiam a humanidade, com a intenção de alterar o código genético e buscar sua erradicação definitiva.
O homem passa a ser o epicentro das atenções do próprio homem e não mais sua cobaia ou seu lobo. Não caminhará cegamente para transformar o corpo humano em linha de montagem e sim de buscar os mecanismos valiosos para lhe dar sustentação de saúde, bem-estar, equilíbrio e felicidade. Faz lembrar o inesquecível Pitigrilli, quando profetizava que tanto a medicina como o direito têm necessidade de montanhas de vítimas para progredir uns poucos metros3.
O objetivo da pesquisa é conhecer os fatores genéticos do idoso brasileiro para compreender as doenças mais prevalentes e atuar preventivamente, formando uma verdadeira arquitetura do genoma pátrio onde serão encontrados indicadores clínicos que detectarão os prováveis grupos de risco e as recomendadas ações que devem ser tomadas para combatê-los. A leitura do DNA, desta forma, irá oferecer condições para garimpar informações importantes para que seja feito o reconhecimento do código genético da população idosa e, a partir desse marco, fazer a prevenção contra as doenças com predisposição genética localizada.
A ciência da Bioética recebe com os braços abertos tamanha iniciativa científica que irá trazer inúmeros dividendos de saúde para a população idosa, além de traduzir com ênfase a realização da dignidade da pessoa humana, apregoada constitucionalmente. Na ponderação da ciência da vida, fulcrada no princípio da beneficência, toda ação humana, invasiva ou não, e que tenha por objetivo elevar a potencialidade do bene facere, será considerada oportuna, necessária e conveniente, observando que o estudo proposto transcende e em muito as pesquisas tradicionais. É a era de se buscar nas células mais recônditas do ser humano a realidade e os segredos da vida.
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1 Cientistas da USP concluem maior análise de material genético de idosos da América Latina.
2 Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia.
3 Pitigrilli, O Homem que inventou o amor.