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O desvirtuamento do PL 3/24

terça-feira, 19 de março de 2024

Atualizado em 18 de março de 2024 12:31

O Ministério da Fazenda, com o propósito de aprimorar o sistema de insolvência brasileiro, apresentou o PL 3/24 que trazia duas grandes novidades. A primeira, e a mais importante delas, é a criação do plano de falência. A ideia é fazer com que o cumprimento dos atos de venda e pagamento dos credores no processo falimentar seja feito de forma desburocratizada e substancialmente extrajudicial. É de conhecimento de todos que atuam nessa área que o processo de falência demora muito tempo em razão da burocracia do procedimento. Todos os atos do processo de falência precisam ser autorizados judicialmente e o juiz, por sua vez, tem que dar a oportunidade de manifestação ao Administrador Judicial, aos credores, à devedora e ao Ministério Público. Isso faz com que simples atos como a autorização da venda de um bem, ou a autorização da realização de um acordo, ou até mesmo a ordem de pagamento dos credos demore meses ou até mesmo anos. O plano de falência funcionaria com um plano de recuperação judicial. O administrador judicial apresenta um plano, que será aprovado pela maioria dos credores e homologado pelo juiz (que realiza o controle de legalidade). A partir daí, o Administrador Judicial cumpre o plano extrajudicialmente, com poderes devidamente já outorgados pelos credores e pelo juízo. Certamente, essa metodologia seria capaz de reduzir drasticamente o tempo da falência e, só pela economia de tempo, implicaria em sensível melhora no recebimento de valores pelos credores. A segunda novidade seria a possibilidade de os credores também poderem indicar o administrador judicial. Portanto, os administradores judiciais poderiam ser nomeados não apenas pelo juiz, mas também pelos credores. O projeto deu um nome diferente para o administrador judicial nomeado pelos credores, mas substancialmente são exatamente a mesma figura.

Mas mesmo o anteprojeto, ou a versão original do PL 3/24, pecou pelo erro de comunicação. O projeto nunca teve a intenção de restringir a atuação dos administradores judiciais. Ao contrário, a ideia era ampliar sua possibilidade de atuação, autorizando sua entrada no processo de falência também pela decisão dos credores.

E não só isso. Em momento algum do desenvolvimento dessas ideias se pretendeu restringir o necessário debate com a sociedade para a implementação de mudanças relevantes no sistema de insolvência. O processamento no regime de urgência constitucional foi decisão política que, juntamente com a falha de comunicação acima mencionada, transformou o projeto numa polêmica.

Finalmente, foi apresentado o substitutivo ao PL 3/24 que o desfigurou completamente através da inclusão de três novidades que têm o potencial de destruir a eficiência das mudanças propostas e, mais do que isso, certamente - se aprovadas - vão prejudicar o normal funcionamento do sistema posto.

O estabelecimento de mandato de 2 anos para os administradores judiciais é altamente prejudicial à profissionalização dessa função, representando medida de estímulo antieconômico que afastará dessa atividade os melhores profissionais.

A limitação da remuneração dos administradores judiciais ao teto de remuneração do funcionalismo público também não faz sentido. Primeiro, porque a administração judicial é atividade privada, de livre iniciativa. E porque os custos de uma administração judicial certamente superam o valor do teto de salário de servidor, já que se trata de atividade que envolve a contratação de equipe numerosa e qualificada, não sendo exercida de forma isolada por uma única pessoa. Ademais, isso vai funcionar como desestímulo para a atuação de profissionais de mercado nesse tipo de atividade, o que contraria a própria essência da lei 11.101/05.

A introdução de um período de quarentena de dois anos para administradores judiciais após sua atuação em um caso, limitando sua nomeação por um mesmo juízo, é uma medida que merece críticas substanciais. Esta disposição, embora possa ter sido concebida com a intenção de promover a diversidade e impedir a monopolização das nomeações por um pequeno grupo de administradores, na prática, pode ter efeitos contraproducentes. Nessa situação, ao invés de garantir a qualidade e a integridade do processo de insolvência, tal medida vai invariavelmente afastar administradores judiciais altamente qualificados e experientes do mercado. 

Essas alterações legislativas irão, paradoxalmente, reduzir a qualidade da administração judicial em detrimento da própria eficácia e justiça que o sistema de insolvência procura assegurar.

A proposta de alteração do quórum de instalação de AGCs e de aprovação de planos, exigindo maioria do crédito total e de credores por cabeça também deve ser criticada. Essa medida vai inviabilizar a instalação de Assembleias e a provação de planos em praticamente quase todos os casos. Na prática, o absenteísmo de credores é grande e isso é uma realidade que não pode ser ignorada pelo legislador. Imagine numa assembleia de condomínio se fosse exigido que as decisões teriam que se aprovadas por mais da metade do total de condôminos, e não do total daqueles que comparecem ao conclave. Isso inviabiliza qualquer solução.

Conclui-se, assim, que apesar das boas novidades trazidas pelo PL 3/24, a sua tramitação apressada e as inclusões do substitutivo apresentado ao Parlamento o transformaram numa peça incapaz de trazer melhoria ao sistema e com potencial enorme de causar prejuízos de difícil reparação ao tratamento da crise da empresa no Brasil.