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Plano de recuperação judicial dos credores: Um caminho aberto pela lei à negociação

quarta-feira, 13 de março de 2024

Atualizado às 07:25

O direto das empresas em dificuldade tem por objetivo solucionar a crise da empresa e, para tanto, as regras jurídicas buscam tal desiderato no tratamento dos créditos e débitos do empresário e sociedade empresária em crise. Os interesses dos credores e dos devedores, reunidos no mesmo ambiente, buscam uma solução de reerguimento, concretizada no plano de recuperação judicial. A lei 11.101/2005 inaugurou novo sistema no tratamento da empresa em crise, dando início a um movimento de reequilíbrio do eixo devedor/credores, o que foi aprimorado com a reforma de 2020 (lei 14.112), tendo como um dos seus pilares a possibilidade de apresentação do plano de recuperação judicial pelos credores (PRJC).

O PRJC existe para não ser utilizado, ao contrário do que se pode imaginar. É um instrumento de (re)equilíbrio de forças. O devedor, na lei brasileira, tem a legitimidade exclusiva em decidir se, e quando, vai ingressar em juízo com uma medida para enfrentar a crise da empresa vivenciada (recuperação judicial, extrajudicial ou medidas de prevenção). Em países mais avançados e experimentados no tema, o equilíbrio é algo bem consolidado. Nos EUA, qualquer credor pode postular a recuperação judicial do devedor (involuntary petition), nos termos do parágrafo 1.121 (c) do Chapter 11 do US Bankruptcy Code. Na França, não só qualquer credor pode fazê-lo, como também o Ministério Público e os empregados (Art. 631-19, I, al. 2 do Código Comercial francês).

A previsão do PRJC foi objeto de artigo publicado na presente coluna Insolvência em Foco, no idos de 2021, de autoria de Alberto Camiña Moreira1. Passados três anos de vigência da reforma de 2020, nos permitimos revisitar o tema e amadurecer um pouco mais a sua relevância, como instrumento de negociação das dívidas. 

Hipóteses de apresentação do PRJC

A inovação trazida pela lei nº 14.112/2020, somente é aplicável aos processos de recuperação judicial iniciados após o início de vigência da reforma2, a qual introduziu na legislação recuperacional duas hipóteses em que será facultado aos credores apresentar um plano de recuperação judicial: (a) após o decurso do prazo do stay period, sem que tenha havido deliberação sobre o plano de recuperação judicial do devedor e (b) após a rejeição do plano em assembleia geral de credores.

A primeira hipótese (art. 6º, §4º-A3) evidencia o intuito do legislador de privilegiar a possibilidade de apresentação do plano pelo próprio devedor, isto é, garantir que caberá ao próprio empresário (pessoa natural ou jurídica) propor a forma pela qual pretende se reestruturar. Não nos parece, no entanto, ter sido a melhor opção legislativa. Os credores são tão importantes quanto o devedor na sistemática econômica do direito das empresas em dificuldade, devendo ter sido concedido a esses o direito de também darem início a um processo de recuperação judicial, equilibrando as forças entre tais agentes, em benefício do mercado, tendo como consequência a antecipação da crise em razão de um controle recíproco, como se dá nos sistemas francês4 e norte americano5.

A própria redação do dispositivo em comento indica que, em se tratando de mera faculdade, ao não ser apresentada qualquer proposta de plano pelos credores, na hipótese de inércia do devedor, após o stay period, o processo de recuperação judicial seguirá normalmente seu rumo, sendo possível a convocação de assembleia geral de credores para deliberação do plano apresentado posteriormente pelo próprio devedor. Assim fica bem identificado o eixo de equilíbrio devedor/credores, não sendo peremptória qualquer ação/omissão dos credores nesse sentido. Ademais, mesmo apresentado o plano alternativo pelos credores, o devedor pode, ainda que fora do prazo inicialmente previsto, juntar sua proposta de reestruturação, abrindo-se, em consequência, um caminho de diálogo e negociação entre as partes, o que é absolutamente compatível com o objetivo do instituto recuperacional6.

A segunda possibilidade de apresentação do plano pelos credores se verifica no caso de rejeição da proposta elaborada pelo devedor, por ocasião da realização da assembleia geral de credores (art. 56, §§4º a 7º7). O §4º que antes previa a falência como consequência da rejeição do plano8 foi reformado para determinar ao Administrador Judicial que, no mesmo ato da assembleia, havendo reprovação do plano, submeta à votação dos próprios credores a concessão de prazo para elaboração de um alternativo (art. 56, §4º). Trata-se de norma cogente que obriga o auxiliar do juízo a assim proceder quando verificada a rejeição do plano apresentado pelo devedor. 

Análise Paralela (negocial)

Como já é possível perceber da análise feita acima, o aspecto negocial que se abre a partir da possibilidade de apresentação de um plano de recuperação judicial pelos credores é, a nosso ver, a principal novidade que iremos experimentar da novel legislação. O exame das condições impostas no já mencionado art. 56, 6º permite-nos refletir mais sobre a perspectiva de maior diálogo que o PRJC inaugura.

De início, além do exame dos requisitos autorizadores do cram down (art. 56, §6º, inciso I), faz-se necessário cumprir as exigências constantes do art. 53 (art. 56, §6º, inciso II), sendo preciso que o PRJC apresente: (i) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados e seu resumo; (ii) demonstração de sua viabilidade econômica; e (iii) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor. Referido requisito é questionável na medida que impõe um ônus considerável aos credores diante do déficit informacional existente para que obtenham dados próprios do devedor.

Sobre o tema, assevera Marcelo Sacramone que "o requisito não se justifica. Para além do fato de que os credores não terão acesso aos bens do devedor e às condições para a realização de laudo, o qual tampouco poderia ser produzido em lapso temporal tão curto, referidos laudos já constarão no processo diante de sua apresentação obrigatória pelo próprio devedor. Esses laudos não exigem qualquer alteração, pois a circunstância econômica do devedor, ou seus ativos, não sofreu alterações substanciais do período de rejeição do plano originário até a apresentação do plano alternativo, de modo que não precisam ser substituídos ou reapresentados."9

Ademais, nesse ponto, é possível questionarmos a viabilidade da apresentação de um plano factível pelos credores, considerando a existência de tal assimetria informacional quanto aos dados necessários para tanto. É realmente difícil imaginar como um único credor ou um grupo deles poderá ter acesso substancial a informações relevantes sobre o real estado econômico-financeiro do devedor sem contar com mínima cooperação deste último. Para tanto, tem o devedor o dever de cooperar, o administrador judicial deverá atender as demandas informacionais dos credores, podendo, inclusive, o próprio juízo recuperacional ser instado para concessão de medidas necessárias à supressão do natural déficit de informação dos credores.

Comentando sobre a exigência feita em relação aos laudo econômico-financeiro, Paulo Penalva Santos assinala que o "laudo deve conter informações sobre a estruturação das operações sugeridas pelos credores e consequentes impactos tributários, regulatórios, necessidade de eventual obtenção de financiamentos adicionais, novos recursos, etc., que devem ser fornecidas pelo devedor"10.

Desta feita, parece-nos essencial que, para a construção de uma proposta de reestruturação séria e exequível, os credores precisam ter mesmo acesso amplo a esse conteúdo.

A terceira condição imposta pela lei diz respeito ao apoio substancial da proposta por parte dos demais credores (art. 56, §6º, inciso III). Ao exigir, alternativamente, o apoio prévio, por escrito, de um quarto (25%) da totalidade dos créditos sujeitos à recuperação judicial ou 35% dos créditos dos credores que compareceram na AGC em que rejeitado o plano do devedor, a lei almejou ter um mínimo de apoio para que a proposta seja levada à votação, dispensando-se planos que não apresentem adesão relevante e que, portanto, não têm a mínima representatividade.

A quarta e quinta condições inseridas pelo legislador impõem que o plano não impute obrigações novas aos sócios do devedor, que não sejam derivadas da lei ou de contratos anteriormente celebrados (art. 56, §6º, inciso IV) e obrigam a renúncia, pelos credores apoiadores do plano e por todos aqueles que o aprovarem, das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos novados (art. 56, §6º, inciso V).

Esta última imposição é questionável. Isto porque o próprio artigo 49, §1º11 determina que a novação decorrente da aprovação do plano não atingirá coobrigados, fiadores e obrigados de regresso, exceto se expressamente houver concordância dos credores. Sendo assim, é certo que a condição impõe um ônus muito alto aos credores, inexistente no âmbito de um plano proposto pelo devedor. Não é mesmo compreensível o ônus ora imposto pelo legislador ao credor a fim de lhe facultar a propositura de um plano. Em alguns casos, acaba-se por anular o próprio direito conferido ao credor de elaborar um plano alternativo, tendo em conta que o sacrifício decorrente para tanto pode não ser suficientemente atrativo12. Veja-se que, ao renunciar a garantia, o credor passará a figurar como quirografário.

O fundamento para a inclusão da indigitada condição, explica Sacramone, seria a "impossibilidade de os garantidores serem prejudicados por uma deterioração das condições da recuperanda em virtude do plano alternativo apresentado pelos credores, o que exigiria que os referidos credores satisfizessem em maior parte o crédito que garantiram"13.

No entanto, tal premissa se baseia em uma presunção precipitada de que, como o plano alternativo é apresentado pelos credores, necessariamente as condições para o devedor seriam piores, o que não necessariamente será verificado. Além de encerrar um pensamento consideravelmente pessimista das perspectivas do plano alternativo, ainda que reconheçamos a probabilidade de que naturalmente os credores escolham privilegiar seus créditos, não se coaduna com a própria ratio da norma de permitir uma solução mais ajustada aos interesses de todas as partes em alternativa à quebra, situação, na maioria dos casos, pior para todos.

Manoel Justino Bezerra Filho observa que o rigor de tal exigência pode vir a desanimar fortemente os credores a apresentar um PRJC, sobretudo considerando a possibilidade de serem posteriormente responsabilizados pelo insucesso da aprovação de um plano que cause prejuízos ao devedor14. Com todas as vênias ao ilustre professor, não concordamos com tal hipótese, eis que os credores teriam agido em exercício regular de direito, com fundamento na lei, salvo se identificada fraude ou ato ilícito, sob os cânones do instituto da responsabilidade civil; por evidente, também aplicável ao próprio devedor, ao apresentar seu plano.

A sexta condição inserta faz menção ao comparativo da falência, ao impor uma avaliação de que o sacrifício determinado ao devedor e aos seus sócios não seja maior do que aquele decorrente de uma eventual quebra (art. 56, §6º, inciso VI). O fundamento de tal regra está no direito norte americano, no denominado best interest of creditors test, hipótese em que uma fórmula de cálculo indica qual deve ser o melhor caminho - aprovação do plano de recuperação judicial ou falência15. Trata-se de um modelo reconhecido e costumeiramente utilizado nos Estados Unidos, com parâmetros bem definidos16, o que não ocorre no Brasil. Assim, o legislador almejou coibir o exercício abusivo do direito por ele conferido aos credores, impondo-lhes um ônus de difícil satisfação - regra extremamente abstrata a ser averiguada na prática. E nesse ponto a reforma de 2020 gerou desequilíbrio na fórmula devedor/credores.

Por fim, a possibilidade aventada pelo §7º do art. 56 permite que o plano inclua a previsão de nova hipótese de direito de retirada do sócio do devedor em recuperação em caso de alteração do controle da sociedade por ocasião da capitalização do crédito17. Trata-se de nova hipótese legal, não prevista na Lei nº 6.404/1976 ou no Código Civil sendo, pois, potestativo e podendo ser exercido pelo sócio independentemente de comprovação de prejuízo ou justificativa.

Diante de todas as condições dispostas na reforma para que se possa apresentar um PRJC, vemos a construção de um de quadro de grande incentivo à negociação dos credores com o devedor, buscando uma solução conjunta à reestruturação da empresa em crise, assim minorando os custos de todas as partes, da forma em que já ocorre em países mais avançados no tratamento da matéria, como o sistema francês18. Para tanto, é ainda fortemente recomendável o uso do mecanismo de solução consensual previsto no artigo 20-A e seguintes da lei 11.101/2005, também fruto da reforma de 2020. 

Conclusão

Temos a convicção de que o intento da nova lei foi mitigar a tradicional monopolização da atuação da empresa devedora na seara recuperacional, conferindo ao procedimento um maior equilíbrio de forças, sobretudo, estimulando que a negociação aconteça de forma mais célere ao encorajar também a proatividade do devedor em apresentar uma proposta viável e em tempo razoável, sabedor de que se não o fizer, os credores podem agir em seu lugar.

A recém faculdade oferecida de apresentação de um plano de recuperação judicial pelos credores desponta como a abertura de uma janela maior de comunicação entre as partes envolvidas e poderá contribuir para que as discussões se tornem mais exitosas no âmbito do procedimento recuperacional, como já ocorre em diversos países mais avançados no tratamento da matéria, como a França e os Estados Unidos.

Ao estimular maiores debates e negociações, parece-nos que a possibilidade de conciliação e a solução consensual dos litígios porventura existentes é mesmo o maior benefício trazido pelo novel instituto, fazendo com que a previsão do plano de credores seja, na prática, algo raro, apesar de importante instrumento de negociação antes, durante e após a assembleia de credores, em prol de todo interesse econômico e social do direito das empresas em dificuldade.

__________

1 MOREIRA, Alberto Camiña. Plano de Recuperação apresentado pelo Credor. Coluna Insolvência em Foco. Disponível aqui. Acesso em 08/03/2023.

 

2 Art. 5º, §1º, inciso I da lei 14.112/2005.

Art. 5º Observado o disposto no art. 14 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) , esta Lei aplica-se de imediato aos processos pendentes.

§ 1º Os dispositivos constantes dos incisos seguintes somente serão aplicáveis às falências decretadas, inclusive as decorrentes de convolação, e aos pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial ajuizados após o início da vigência desta Lei:

I - a proposição do plano de recuperação judicial pelos credores, conforme disposto no art. 56 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 ;

3 Art. 6º § 4º-A. O decurso do prazo previsto no § 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, na forma dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do art. 56 desta Lei, observado o seguinte:

I - as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei;

II - as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.

4 Art. 631-19, I,  al. 2 do Código Comercial francês: Toute partie affectée peut soumettre un projet de plan qui fera l'objet d'un rapport de l'administrateur et sera soumis, ainsi que celui proposé par le débiteur, au vote des classes conformément aux conditions de délai et aux modalités fixées par décret en Conseil d'Etat. (tradução livre: Todas as partes interessadas podem apresentar um projeto de plano, o qual será objeto de um relatório do administrador e será submetido, da mesma forma que aquele proposto pelo devedor, ao voto das classes conforme as condições de prazo e modalidades fixadas em decreto).

5 Parágrafo 1.121 (c) do Chapter 11 do US Bankruptcy Code: Any party in interest, including the debtor, the trustee, a creditors' committee, an equity security holders' committee, a creditor, an equity security holder, or any indenture trustee, may file a plan if and only if - (tradução livre: Qualquer parte interessada, incluindo o devedor, o administrador judicial, o comitê de credores securitizados, o comitê de credores, o credor securitizado ou qualquer agente fiduciário, pode apresentar um plano, sob as seguintes condições: )

6 Sobre o tema, João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea apresentam três aspectos fundamentais: "O primeiro deles é que a legitimação para apresentar plano alternativo parece ser uma decorrência do simples decurso do prazo do período de proteção. Dessa forma, ainda que o stay period seja prorrogado (...), os credores estão legitimados a apresentar o plano alternativo. De qualquer maneira, considerando as importantes repercussões decorrentes da apresentação de um plano concorrente na recuperação judicial, não se pode descartar a possibilidade de o magistrado, a depender das particularidades das circunstâncias do caso concreto, avaliar as razões da demora na tramitação do processo e se a apresentação de um plano dos credores não pode ser um fator a contribuir ainda mais para o retardo da marcha processual. Em segundo lugar, como o plano do devedor não chegou a ser rejeitado pela assembleia geral de credores, apenas não foi submetido à deliberação, haverá planos concorrentes (devedor e credores). Sendo assim, ao menos teoricamente, continua possível a aprovação do plano do devedor - o qual pode, ainda, ser aprimorado, conforme as dinâmicas de negociação. Em terceiro lugar, caso os credores não manifestem interesse em apresentar plano alternativo na hipótese de vencimento do stay period, não se justifica a convolação da recuperação judicial em falência, dado que as hipóteses do art. 73 constituem rol taxativo. Nesse caso, o plano do devedor apresentado pelo devedor permanecerá sendo o único disponível para deliberação dos credores" SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falências. São Paulo: Almedina, 2023. p. 138. p. 786-787.

7 Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembleia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

§ 4º Rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores

§ 5º A concessão do prazo a que se refere o § 4º deste artigo deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade dos créditos presentes à assembleia-geral de credores

§ 6º O plano de recuperação judicial proposto pelos credores somente será posto em votação caso satisfeitas, cumulativamente, as seguintes condições:       

I - não preenchimento dos requisitos previstos no § 1º do art. 58 desta Lei;      

II - preenchimento dos requisitos previstos nos incisos I, II e III do caput do art. 53 desta Lei;      

III - apoio por escrito de credores que representem, alternativamente:     

a) mais de 25% (vinte e cinco por cento) dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial;

b) mais de 35% (trinta e cinco por cento) dos créditos dos credores presentes à assembleia-geral a que se refere o § 4º deste artigo;    

IV - não imputação de obrigações novas, não previstas em lei ou em contratos anteriormente celebrados, aos sócios do devedor;      

V - previsão de isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados e que sejam de titularidade dos credores mencionados no inciso III deste parágrafo ou daqueles que votarem favoravelmente ao plano de recuperação judicial apresentado pelos credores, não permitidas ressalvas de voto; e   

VI - não imposição ao devedor ou aos seus sócios de sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência.      

§ 7º O plano de recuperação judicial apresentado pelos credores poderá prever a capitalização dos créditos, inclusive com a consequente alteração do controle da sociedade devedora, permitido o exercício do direito de retirada pelo sócio do devedor.    

8 O art. 73, inciso III da lei falimentar previa como efeito imediato da rejeição do plano de recuperação a decretação de quebra do devedor. A Lei nº 14.112/2020 reformou o indigitado dispositivo para prever que, apenas quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 56, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do art. 56 e do art. 58-A, será convolada a recuperação judicial em falência.

9 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 326. 

10 E ainda acrescenta que a obrigação referente ao laudo sequer se justifica por ser um documento que o devedor precisaria apresentar para convencer os seus credores quanto à viabilidade do plano por ele elaborado. Em se tratando de proposta de reestruturação dos próprios credores, não haveria razão para apresentação do documento a demonstrar a viabilidade que já estaria implicitamente aceita. SANTOS, Paulo Penalva. Plano Alternativo Apresentado pelos Credores. Revista do Advogado. 2021. Ano XLI, nº 150. Disponível aqui. Acesso em 09/03/2024.

11 Art. 49. § 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

No mesmo sentido, o art. 59, caput expressamente determina a novação dos créditos diante da homologação do plano, ressalvando-se as garantias:

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

12 Nesse sentido, observa Sheila C. Neder Cerezetti em obra de coordenação de Paulo Toledo: "É de se imaginar que o conteúdo dessa regra terá o condão de impedir a viabilidade de plano de credores em alguns casos. A renúncia à garantia de terceiros imposta pelo dispositivo, sem possibilidade de ressalvas, pode contribuir para que o importante mecanismo do plano alternativo se torne muito menos frequente do que seria ideal." CEREZETTI, Sheila C. Neder. Comentários aos artigos 55 a 59. In DE TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 369.

13 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Op. Cit. p. 327.

14 "Aliás, outro aspecto que, certamente, fará com que credores não se sintam animados à apresentação de plano alternativo deflui do fato de, eventualmente, poder vir a ser estabelecida responsabilidade pelo fracasso do plano. Em tal caso, em tese, aqueles que apresentaram o plano alternativo poderão vir a ser responsabilizados pelo insucesso e deverão responder pelos prejuízos causados. Essa possibilidade de responsabilização do apresentante do plano e, eventualmente, daqueles que votaram favoravelmente, torna-se ainda mais presente no caso de ter havido oposição do devedor ao novo plano. Camila Serrano (pg. 60) ressalta que a LREF não prevê especificamente tal tipo de responsabilização, mas entende que essa ausência de previsão 'não poderá ser motivo para não responsabilizar tais credores que assumem o poder de credores controladores, assim como é a figura do acionista controlador na Lei das Sociedades Anônimas, de modo a punir as condutas lesivas, abusivas e contrárias aos princípios norteadores do processo de recuperação judicial das empresas'." (FILHO, Manoel Justino Bezerra. Lei de Recuperação de Empresas e Falência - Lei 11.101/2005. 16ª edição. São Paulo: Thomson Reuters, 2022. p. RL-1.11. Disponível aqui)

15 Tal disposição está prevista no §1129 (a) (7) do Chapter 11 Bankruptcy Code, indicando que cada credor "with respect to each impaired class of claims or interests, (i) has accepted the plan or (ii) will receive or retain under the plan on account of such claim or interest property of a value, as of the effective date of the plan, that is not less than the amount that such holder would receive or retain if the debtor were liquidated under chapter 7 of this title on such date.".

17 Fábio Ulhoa Coelho, asserta que o plano poderá prever, como forma de satisfação do passivo, "o aumento do capital social da sociedade devedora, com a emissão de novas ações integralizáveis por lançamentos contábeis, a débito de rubrica do passivo e a crédito da rubrica do capital social", convertendo-se, portanto, crédito em participação societária (conversão da dívida em equity). COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 232. Ainda que seja um meio de recuperação atrativo por permitir o abatimento da dívida sem dispêndio direto de recurso da devedora, certo é que para os sócios da sociedade a solução pode vir a provocar a diluição de sua participação social. De todo modo, afigura-se uma boa alternativa à falência em que, irremediavelmente, já seria verificada uma liquidação forçada da participação dos sócios. Sobre o tema, Alberto Camiña Moreira anota que "A efetivação cogente de obrigações é um modo de tutela de direitos quando há previsão legal. No âmbito do processo de recuperação o devedor tem a primazia de liderar tanto a apresentação do plano de recuperação como as próprias negociações. Sendo infrutífera a sua iniciativa, e diante da alternativa da falência, a lei consagra aos credores a possibilidade de uma solução melhor, que consiste no prosseguimento da atividade empresarial nas mãos de outras pessoas, ainda que contra a vontade do devedor. Essa opção da lei, entre a execução forçada do patrimônio da sociedade na falência e a execução forçada da participação do sócio na sociedade que teria a falência decretada, é legítima e não ofende o direito de propriedade." MOREIRA, Alberto Camiña. Plano de Recuperação apresentado pelo Credor. Coluna Insolvência em Foco. Disponível aqui. Acesso em 08/03/2023.

18 Em recente mesa redonda de renomados especialistas na matéria, verificou-se um debate intenso sobre os custos financeiros dos processos de insolvência, incluindo os extrajudiciais. Difficulté des entreprises - Les coûts du traitement des difficultés des entreprises - Entretien. Revue des procédures collectives n° 1, Janvier-février 2024.