Uma crítica à utilização do princípio da unicidade nos crimes de insolvência
terça-feira, 22 de agosto de 2023
Atualizado às 08:43
Introdução
Desde o advento do decreto-lei 7.661/1945, a matéria atinente aos então denominados crimes falimentares é tratada integralmente nos diplomas da legislação pertinente, isto é, os tipos penais e suas respectivas penas são definidos na própria lei de insolvência. Abandonou-se, desde então, a anterior tendência legislativa que se limitava a prever determinadas condutas, as quais, praticadas no âmbito de uma falência tida como culposa ou fraudulenta1, configurariam crimes, cujas penas, no entanto, eram dispostas em legislação criminal comum.
A edição da lei 11.101/2005 reafirmou a lógica da legislação revogada ao prever os tipos penais relacionados com a insolvência e as sanções cominadas para essas condutas2, e por outro lado, inovou ao estabelecer a aplicação das regras de prescrição contidas no Código Penal3 e prever novas condutas relacionadas com a recuperação judicial ou extrajudicial, o que nos conduz à necessária mudança de nomenclatura: crimes de insolvência4. De fato, na vigência da legislação em vigor, foram tipificadas ações delituosas que podem ser praticadas antes ou depois da falência, da sentença de concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial, portanto, entendemos que essa nova denominação é mais adequada ao cenário atual.
Evidentemente, a substituição da legislação de 1945 pela lei 11.101/2005 trouxe outros desafios relacionados à incidência das demais regras do Código Penal. Nesse sentido, devemos destacar o tema relativo ao concurso de crimes que está disciplinado nos artigos 69 a 71 do Código Penal, cujas disposições tratam dos concursos, material e formal (perfeito e imperfeito)5, e do crime continuado.
Essa questão é bastante relevante, principalmente se considerarmos que a legislação vigente não reproduziu a regra contida no art. 192 do decreto-lei 7.661/1945, cujo teor determinava, em caso de concurso de crimes falimentares, a incidência dos efeitos do concurso formal, aplicando-se, por consequência, a pena do crime de maior gravidade, aumentando-a, em qualquer caso, de um sexto até metade.
No contexto da legislação de 1945, como veremos adiante, essa hipótese de política criminal ficou conhecida como a unicidade (ou unidade) dos crimes falimentares. É conveniente recordar, ainda, que já naquela época havia uma interessante discussão sobre a abrangência desse princípio, em particular, quando identificado o concurso de crimes falimentares praticados antes e depois da sentença falimentar e, ainda, na hipótese de existência de crimes tipificados no Código Penal ou em outra lei extravagante.
Diante desse cenário, este texto irá realizar um exame crítico sobre a pertinência de ser aplicado o princípio da unicidade no contexto da lei 11.101/2005, considerando o silêncio da norma vigente sobre qual espécie de regra de concurso de crimes deverá ser aplicada, caso o agente realize uma pluralidade de condutas que estejam subsumidas aos tipos penais da legislação de insolvência e também em outras normas de direito penal.
Princípio da Unicidade
O princípio da unicidade, unidade ou unitariedade6 do crime falimentar corresponde a uma construção de parte da doutrina à época que antecede a vigência da lei 11.101/2005, com fundamento na tese de que tais delitos possuem uma estrutura complexa e, portanto, ainda que sejam constatadas a pluralidade de infrações penais que antecedem a decretação da falência, o que se pune é a violação do direito dos credores pela superveniente insolvência do devedor7.
Dessa forma, esses atos delituosos contra tal direito dos credores deveriam ser considerados como um todo único8. Ademais, essa conclusão seria reforçada pela redação do art. 192 do decreto-lei 7.661/1945, cujo teor nos remete ao concurso formal9 de crimes, ensejando, assim, a aplicação pelo juiz da pena cominada a essas infrações que seja considerada mais gravosa10.
Diante desse cenário identificado à luz da legislação de 1945, é necessário refletir se esse entendimento doutrinário majoritário, devidamente referendado pela jurisprudência daquela época, pode continuar sendo adotado na vigência da lei 11.101/2005, ou, em sentido contrário, diante da identificação de diversas infrações falimentares isoladas, o julgador deveria analisar as circunstâncias do caso concreto com a finalidade de aplicar a regra do concurso de crimes prevista nos artigos 69 a 71 do Código Penal, cujas especificidades serão abordadas em seguida.
O concurso de crimes no Código Penal
Pela sistemática atualmente existente no Código Penal, tem-se três espécies de concurso de crimes: material, formal e continuidade delitiva.
O concurso material será reconhecido quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, hipótese em que as penas são aplicadas cumulativamente (art. 69, caput, do Código Penal11). No primeiro caso, quando da ocorrência de crimes idênticos, diz-se que o concurso é homogêneo; no segundo, tem-se o caso de concurso heterogêneo, uma vez que diversos são os crimes12.
No concurso formal, o agente, mediante uma única conduta (por ação ou omissão), acaba praticando dois ou mais crimes. Reconhecido o concurso formal, aplica-se a mais grave das penas cabíveis, ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade (art. 70, caput, do Código Penal13 - primeira parte). Nesse caso, temos o que se conhece por concurso formal próprio. No entanto, excepcionalmente, aplica-se ao concurso formal a regra do material, quando os vários crimes praticados, embora decorrentes de uma única ação, resultam de desígnios autônomos, isto é, quando o agente quer praticar, mediante uma ação, os vários crimes, e não um só (art. 70, caput, do Código Penal - segunda parte). A doutrina classifica esta última hipótese de concurso formal impróprio14.
Finalmente, tem-se a prática de continuidade delitiva15 quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes da mesma espécie e, tendo-se em conta as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (art. 71, caput, do Código Penal16).
Diante das previsões acima destacadas e, levando-se em consideração a aparente distinção entre os regimes jurídicos adotados pela legislação revogada e a lei 11.101/2005 sobre o concurso de crimes, o momento da aplicação do princípio ora em comento também deve ser analisado, para efeito de incidência dos benefícios penais existentes em nosso ordenamento jurídico: transação penal, acordo de não persecução penal e suspensão condicional do processo.
Por essa razão, em continuação devemos analisar a possibilidade de ser considerada a unicidade dos crimes de insolvência antes da decretação da sentença penal condenatória, com vistas ao oferecimento de medidas despenalizadoras previstas em nosso ordenamento jurídico.
Momento da aplicação do princípio da unicidade
É relevante saber se é admitida a incidência do princípio da unicidade no concurso de crimes de insolvência antes da decretação da sentença penal condenatória, com o propósito de serem oferecidos ao agente os benefícios penais da transação penal17, do ANPP18 e da suspensão condicional do processo19.
Sobre esse tema, interessa observar que parte da doutrina e a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça rechaçam a possibilidade de utilização do princípio para deferimento das referidas benesses. Nesses casos, portanto, não se considera o crime único, para fins de concessão dos indigitados benefícios, antes da prolação de sentença penal condenatória, de modo que, se aplicadas as regras de concurso de crimes, a pena superar os limites impostos pelo legislador, não deverão ser concedidos essas medidas despenalizadoras ao agente20.
Essa não é, todavia, a única restrição à aplicação do princípio da unicidade nos crimes de insolvência, pois também devemos verificar se tal unidade também seria aplicável diante do concurso de crimes de insolvência e os comuns, previstos no Código Penal ou em qualquer outra norma penal extravagante.
Inaplicabilidade da unicidade no concurso de crimes de insolvência e comuns
O reconhecimento do princípio da unicidade, mesmo durante a vigência do decreto-lei 7.661/1945, encontrava algumas limitações apontadas pela doutrina quando, por exemplo, houvesse o concurso de crimes de insolvência anteriores e posteriores à decretação da falência21. Além disso, na hipótese de concurso de crime de insolvência com crime comum, não seria aplicável o princípio da unicidade. A observação é importante eis que pode ser verificada a ocorrência de concurso de crime falimentar com o crime de quadrilha (atual associação criminosa prevista no art. 288 do Código Penal), crimes de lavagem de dinheiro (da Lei 9.613/1998), estelionato, entre outros.
Com efeito, o princípio da unicidade restringia-se aos casos específicos de pluralidade dos outrora denominados crimes falimentares, orientando-se nesse sentido, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
HABEAS CORPUS. PENAL. LEI DE FALÊNCIAS. CRIMES FALIMENTARES. PRESCRIÇÃO. ESTELIONATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA UNICIDADE. DELITOS AUTÔNOMOS.
1. A jurisprudência consagrada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal orienta que o prazo prescricional de 2 (dois) anos para os crimes falimentares deve correr a partir do trânsito em julgado da sentença que encerra a falência, ou da data em que esta deveria estar encerrada.
Inteligência do art. 132, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 7.661/45, e da Súmula 147/STF.
2. Decretada a falência da empresa na data de 05.08.1999, a denúncia só foi oferecida em 21.03.2005, havendo o transcurso de mais de três anos e meio após a data em que deveria ter se encerrado a falência, razão pela qual torna-se imperioso o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, no que tange ao crime falimentar imputado ao ora paciente.
3. O princípio da unicidade estabelece que, havendo o concurso de diversas condutas voltadas ao cometimento de fraudes aos credores da empresa em processo de falência, considera-se a prática de apenas um único tipo penal, para o qual deve ser aplicada a pena do mais grave deles.
4. Tal princípio não se aplica no caso de concurso de crimes falimentares e delitos comuns elencados no Código Penal brasileiro, que devem ser apurados e punidos separadamente, segundo as regras do concurso material de crimes, conforme previa expressamente o art. 192 do decreto-lei 7.661/45, revogado pela nova Lei de Falências.
5. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida, tão somente para declarar prescrita a pretensão punitiva do Estado com relação ao crime falimentar que se imputou ao ora paciente, devendo prosseguir a ação penal para a apuração dos outros delitos comuns pelos quais foi denunciado.22
Após a edição da lei 11.101/2005, o entendimento esposado pela Corte Superior mantém-se hígido no mesmo sentido da aplicação da regra do concurso de crimes na hipótese em que um dos fatos delituosos praticados configure crime comum.
A equivocada aplicação do princípio da unicidade na vigência da lei 11.101/2005
Diante da dinâmica acima exposta, forçoso reconhecer que carece de análise mais detida dos Tribunais23, em especial, do Superior Tribunal de Justiça24, a continuidade da aplicação do princípio nos crimes cometidos após a promulgação da atual legislação da crise da empresa (lei 11.101/2005), a fim de uniformizar o tema e trazer mais clareza e correção na aplicação das regras acima mencionadas do concurso de crimes.
A ratio da lei 11.101/2005 não abre mais espaço para o acolhimento do postulado, inclusive diante da adoção de um regime penal mais gravoso na vigente norma. O seu fundamento, desenvolvido na égide da legislação passada, é superado pelo texto legislativo atual, ao não dispor sobre a unidade dos crimes falimentares e, ademais, determinar a aplicação das regras constantes do Código Penal25. Assim, as condutas praticadas devem ser consideradas individualmente, com subsunção dos respectivos tipos delituosos existentes, sem que se considere todas as praticadas como um único evento delitivo.
Fazendo coro à superação da incidência ao princípio da unicidade aos delitos de insolvência, Marlon Tomazette, citando ainda Arthur Migliari Junior, Alexandre Demetrius Pereira, Jane Silva e Nilo Batista como autores que compartilham do mesmo entendimento, sustenta que o novo regime falimentar não abraça mais o princípio antes aplicado, sendo imperiosa a incidência das regras dos concursos de crimes, previstas no Código Penal. Nesse sentido, pontua que:
"nada justifica a existência desse princípio. Em primeiro lugar, não se cogita mais da ideia da falência como crime, havendo a punição de crimes para a recuperação de empresas também. Em segundo lugar, não há qualquer dispositivo na legislação, do qual se possa inferir a inexistência de concurso entre crimes falimentares. Em terceiro lugar, não há mais um prazo prescricional unificado, o que reforça a ideia da ausência de unidade. Por fim, não há qualquer motivo que justifique um privilégio para o agente que cometeu esses crimes. Ele deverá ser punido por todas as suas condutas e não apenas por uma delas"26.
A perpetuação do referido princípio na atual sistemática de direito das empresas em dificuldade autoriza inadvertidamente um benefício que já não encontra mais previsão em nosso ordenamento jurídico ao agente que, em um mesmo contexto, pratica diversas condutas, as quais, isoladamente, amoldam-se a crimes distintos. O raciocínio fazia sentido, em especial, na lei anterior, pela existência de tipos mistos alternativos, os quais caracterizam-se quando a lei estabelece diversos núcleos que, se praticados no mesmo contexto fático, importam o cometimento de apenas um delito27.
No entanto, sob a perspectiva da legislação atualmente em vigor, a definição dos crimes de insolvência é completamente distinta, existindo tipos penais que compreendem condutas praticadas após a falência e mesmo aquelas praticadas no curso de uma recuperação judicial ou extrajudicial, sem que haja necessariamente um decreto de quebra28.
Ademais, a pormenorização mais detalhada das condutas delituosas em tipos penais autônomos é resultado do maior rigor que a lei 11.101/2005 impôs à repreensão dos crimes nela previstos, afastando-se da ideia antes existente - e que dava respaldo à unicidade - no sentido de que todas as condutas poderiam ser reputadas como um único comportamento delitivo.
A manutenção do princípio autorizada pela jurisprudência (atual) vai de encontro a tal objetivo, na medida em que a unicidade acaba por anular a chance de destrincharmos as ações individualmente praticadas e conferir punição estreita, correta e legal (isto é, de acordo com as regras vigentes sobre concurso de crimes), a cada conduta delituosa praticada no âmbito da fraude falimentar.
Conclusão
É nesse contexto que a aplicação da unicidade não mais se coaduna com o espírito da legislação em vigor, demandando necessária revisão dos precedentes que, no entanto, ainda são vastamente encontrados ao se pesquisar o tema.
A partir da publicação da Recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público nº 102, de 08 de agosto de 2023, que dispõe sobre o aprimoramento da atuação do Ministério Público nos casos de recuperação judicial e falência de empresas, o membro do Ministério Público deverá observar a possibilidade de aplicação dos benefícios legais aos agentes que tenham praticado crimes de insolvência (art. 9º), sempre com a perspectiva da não incidência do princípio da unicidade29. De igual forma, deverá o membro do Ministério Público zelar pelo afastamento desse benefício na sentença penal condenatória e, sobretudo, quando estivermos diante do concurso de crimes de insolvência praticados antes e depois da sentença falimentar, de concessão da recuperação judicial e de homologação do plano de recuperação extrajudicial, assim como se houver concurso de crimes de insolvência e comuns e, por fim, nos casos em que os sujeitos passivos sejam distintos.
No estudo em comento, conclui-se que a lei 11.101/2005 inaugura uma nova lógica normativa, na qual o postulado da unicidade dos crimes de insolvência não encontra mais amparo legal, demandando atenção imediata de revisão jurisprudencial para que não se perpetuem decisões desconexas com a lei e com os ensinamentos doutrinários mais relevantes sobre o tema.
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1 O art. 798 do Código Comercial previa que "a quebra ou falência pode ser casual, com a culpa ou fraudulenta". A falência era considerada casual quando a insolvência procedia "de acidentes de casos fortuitos ou força maior" (art. 799). Seria culposa quando ocorresse uma das hipóteses dos incisos do art. 800: (1) "Excesso de despesas no tratamento pessoal do falido, em relação ao seu cabedal e número de pessoas de sua família"; (2) "Perdas avultadas a jogos, ou especulação de aposta ou agiotagem"; (3) "Venda por menos do preço corrente de efeitos que falido comprara nos seis meses anteriores a quebra, e se ache ainda devendo"; e (4) "Acontecendo que os falido, entre a data do seu último balanço (art. 10 n. 4) e a da falência (art. 806), se achasse devendo por obrigações diretas o dobro do ser cabedal apurado nesse balanço". Por fim, o art. 802 previa as hipóteses em que a falência era considerada fraudulenta: (1) "Despesas ou perdas fictícias, ou falta de justificação do emprego de todas as receitas do falido"; (2) "Ocultação no balanço de qualquer soma de dinheiro, ou de quaisquer bens ou títulos (art. 805)"; (3) "Desvio ou aplicação de fundos ou valores de que o falido tivesse sido depositário ou mandatário"; (4) "Vendas, negociações e doações feitas, ou dívidas contraídas com simulação ou fingimento"; (5) "Compra de bens em nome de terceira pessoa; e (6) Não tendo o falido os livros que deve ter (art. 11), ou se os apresentar truncados ou falsificados".
2 Comentando o tema, Alexandre Demetrius Pereira pontua que "a matéria referente aos crimes falimentares esteve em princípio disciplinada parcialmente nos diplomas falenciais e penais, sendo transportada posteriormente em sua integralidade para a legislação falimentar - tendência esta mantida no Decreto-lei 7.661/1945 e na Lei 11.1011/2005." PEREIRA, Alexandre Demetrius. Crimes Falimentares: Teoria, Prática e Questões de Concurso Comentadas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Malheiros Editores Ltda., 2010, p. 60.
3 Com respeito ao início da contagem do prazo prescricional, o art. 182 da Lei 11.101/2005 apenas ressalvou que a prescrição começaria a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial. Deve-se ter atenção para o fato de essa ressalva ser aplicável apenas para os crimes que sejam praticados antes desses marcos indicados no referido dispositivo. No caso de crimes cujas condutas sejam realizadas em momento posterior, aplica-se o Código Penal. Nesse sentido: SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553627727. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627727/. Acesso em: 16 ago. 2023.: "Se o crime for pós-falimentar ou recuperacional, o marco inicial da prescrição deverá respeitar as regras gerais do Código Penal. A prescrição da pretensão punitiva deve se iniciar do dia em que houve a consumação do delito ou, no caso de tentativa, do dia em que cessaram os atos de execução (art. 111 do CP)."
4 Há doutrina no sentido de que não é necessária essa mudança. Veja: SCALZILLI, João P.; SPINELLI, Luis F.; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Grupo Almedina (Portugal), 2023. E-book. ISBN 9786556277950. Disponível aqui. Acesso em: 16 ago. 2023.
5 De acordo com a lição de Cleber Masson: "...Perfeito, ou próprio, é a espécie de concurso formal em que o agente realiza a conduta típica, que produz dois ou mais resultados, sem atuar com desígnios autônomos. Desígnio autônomo, ou pluralidade de desígnios, é o propósito de produzir, com uma única conduta, mais de um crime. É fácil concluir, portanto, que o concurso formal perfeito ou próprio ocorre entre os crimes culposos, ou então entre um crime doloso e um crime culposo. Imperfeito, ou impróprio, é a modalidade de concurso formal que se verifica quando a conduta dolosa do agente e os crimes concorrentes derivam de desígnios autônomos. Existem, portanto, dois crimes dolosos." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2019. p. 426-427.
6 Oscar Stevenson, ao escrever sobre o tema, antes da vigência do Decreto Lei 7.661/1945, utilizava a denominação "princípio da unitariedade", em relação aos crimes ocorridos antes da sentença falimentar. STEVENSON, Oscar. Do crime falimentar. Editora Saraiva, São Paulo, número 8, 1939, página 154.
7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo, Editora Saraiva, Volume II, 14ª Edição, p. 160.
8 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, Editora Forense, 4ª Edição, Volume VII, p. 219-221: "...assentou a doutrina no sentido de que 'em matéria de bancarrota, há unidade no crime, não obstante a multiplicidade de fatos que a caracterizem. O fato criminoso que., em última análise, se pune é a violação do direito dos credores pela superveniente insolvência do comerciante. Todos os atos, portanto, contra tal direito devem ser considerados como um todo único. Por esse evento lesivo, isto é, o prejuízo efetivo ou potencial, dos credores, é punido o devedor, e tão-somente por causa dele; assim, é lógico atingir com a pena somente aquilo que esse evento representa. Não cada um dos atos que contribuíram para ele, mas a totalidade deles, como uma unidade incindível. Não há razão para o cumulo material ou jurídico de penas... O evento lesivo é um só, uma só é a violação do interesse penal protegido"
9 SALVADOR FRONTINI, Paulo. Crime Falimentar. Revista de Direito Mercantil 1978, pp.27-55,
10 MIRANDA VALVERDE, Trajano de. Comentários à Lei de Falências. Editora Forense, Rio de Janeiro, 4ª Edição, 1999, página 69.
11 Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
12 NUCCI, Guilherme de S. Curso de Direito Penal: Parte Geral: arts. 1º a 120. v.1. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559646852. Disponível aqui. Acesso em: 16 ago. 2023.
13 Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
14 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto D.; et al. Código penal comentado. Saraiva: Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555593914. Disponível aqui. Acesso em: 16 ago. 2023.
15 Em verdade, o crime continuado constitui uma forma de concurso material já que o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes, situação que, no entanto, por razões de conveniência político-criminal, é reputada como se todos constituíssem um só crime. Trata-se de uma ficção legal (unidade jurídica de ação). Nesse sentido: BITENCOURT, Cezar R. Código penal comentado. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. E-book. ISBN 9788553615704. Disponível aqui. Acesso em: 16 ago. 2023.
16 Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
17 Art. 76, Lei 9.099/1995. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.
18 Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
19 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
20 Alexandre Demetrius conclui que se "a unicidade do crime falimentar não é aplicável antes da sentença para viabilizar benefícios penais como a suspensão condicional do processo, pela mesma razão entendemos inaplicável referido instituto para possibilitar, também antes da sentença, a proposta de acordo de não persecução penal. Dessa forma, se o concurso de crimes falimentares resultar em pena mínima igual ou superior a quatro anos, incabível será a proposta de acordo de não persecução penal". Veja-se: PEREIRA, Alexandre Demetrius. O acordo de não persecução penal e os crimes falimentares: algumas particularidades. Migalhas, 2020. Disponível aqui. Acesso em: 12 de agosto de 2023
"HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. CONCURSO MATERIAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA UNICIDADE. INAPLICABILIDADE ANTES DA SENTENÇA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 243 DO STJ. PRECEDENTES.
1. O concurso material de crimes falimentares (art. 186, inciso VI, e 187, do Decreto-lei n.º 7.661/1945) - cujas penas mínimas cominadas em abstrato são, respectivamente, de 06 (seis) meses e 01 (um) ano, perfazendo um somatório acima da restrição legal, que é de 1 (um) ano - constitui óbice à propositura ministerial da suspensão condicional do processo. Aplicação, in casu, do enunciado da Súmula n.º 243 do Superior Tribunal de Justiça.
2. A unidade dos crimes falimentares, ressalte-se, fictícia, de criação doutrinária, e altamente questionável, já caracterizaria uma benesse ao agente, aplicável somente ao final da instrução criminal, por ocasião da prolação da sentença. Não pode servir, também, para, contornando o comando legal (art. 89 da Lei n.º 9.099/95), vencer uma restrição objetiva à suspensão condicional do processo, outro benefício instituído pela lei. Precedentes do STJ.
3. Ordem denegada.
(HC n. 23.922/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 23/11/2004)"
No mesmo sentido: HC n. 26.126/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/11/2003; EDcl no AgRg no Ag n. 698.820/RJ, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 2/2/2006
21 De acordo com Ricardo Negrão: "No concurso de crimes antefalimentares, contudo, com pós-falimentares, como, por exemplo, desvio de bens da massa (art. 189, I) e todos os previstos nos arts. 189 e 190 do Decreto-Lei n. 7.661/45, Paulo Salvador Frontini (1980:109-111) atentava para o fato de existirem duas ou mais ações, com dois ou mais resultados, caracterizando, segundo seu entendimento, o concurso material, e, nesse caso, sujeitando-se o agente à soma das penas incidentes, nos termos do art. 69 do Código Penal". Veja em: NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa: recuperação de empresas, falência e procedimentos concursais administrativos. v.3. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553627512. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627512/. Acesso em: 16 ago. 2023.
22 HC n. 56.368/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 24/10/2006, DJ de 20/11/2006, p. 347. No mesmo sentido, confira-se: RHC n. 11.918/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 13/8/2002, DJ de 16/9/2002, p. 202; HC n. 85.148/SP, relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), Quinta Turma, julgado em 6/9/2007, DJ de 1/10/2007, p. 351.
23 No âmbito do TJSP, destaca-se decisão que somente reconheceu a aplicação do princípio da unicidade quando o sujeito passivo do delito e insolvência é o mesmo (por exemplo, os credores). Veja-se: Brasil - TJSP - TJSP; Apelação Criminal 1500018-85.2019.8.26.0549; Relator (a): Klaus Marouelli Arroyo; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Santa Rosa de Viterbo - Vara Única; Data do Julgamento: 08/03/2023; Data de Registro: 08/03/2023: "Nulidade - Inépcia da denúncia - Não caracterizada - Qualificação dos acusados, descrição fática e individualização da conduta satisfatórias - Requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal observados - Preliminar rejeitada. Crime Falimentar - Absolvição - Materialidade e autorias devidamente comprovadas - Condenações mantidas. Princípio da Unicidade - Crimes falimentares - Ainda que com desígnios autônimos, mas contra credores, se reconhece como crime único, valendo-se da pena do maior ilícito - Reconhecida a unicidade quanto aos delitos previstos no artigo 168 e 173 da Lei de Falências, eis que sujeito passivo é o mesmo, isto é, o credor - Mantido o concurso material em relação ao delito previsto no artigo 171 da Lei em comento, eis que sujeito passivo distinto, no caso, o Juízo, a Administração Pública. Redução das penas-base - Circunstâncias judiciais desfavoráveis - Consequência e gravidade do delito que extrapolaram às inerentes ao tipo penal em apreço justificam a majoração da reprimenda. Regime semiaberto - Primariedade - Total das reprimendas - Circunstâncias judiciais desfavoráveis - Inteligência do artigo 33, § 2º, alínea "b" do Código Penal. Recursos parcialmente providos."
24 Como mencionado, a jurisprudência do STJ ainda aplica amplamente o princípio da unicidade no caso de concurso de crimes exclusivamente falimentares (v. REsp n. 1.644.237, Ministro Relator Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 05/09/2017. REsp n. 1.617.129/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 21/11/2017; AgRg no AREsp n. 986.276/RS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 17/8/2018).
25 Acerca da superação do princípio, abalizada doutrina estatui que "No regime anterior era pacífico que o crime falimentar deveria ser único, i.e., em ocorrendo mais de um crime falimentar, somente se puniria aquele dotado de pena mais grave, restando impuníveis os demais (princípio da unicidade ou unidade). (...). Na vigência da Lei 11.101/05, a definição dos crimes falimentares é completamente diferente daquela empregada na legislação anterior. A LREF não admite expressamente o princípio da unidade ou unicidade, razão pela qual se pode sustentar que a interpretação anterior não prevaleceria no atual regime. Além disso, seriam aplicáveis as normas do Código Penal, e aí estão incluídas as regras do concurso de crimes (CP, art. 69-71)" SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência - Teoria e prática na Lei 11.101/2005. 3ª edição. São Paulo: Almedina, 2018. p. 1010. Nota de Rodapé nº 3746
26 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2023. p. 247.
27 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal (Parte Geral) - Volume Único. 12ª Edição. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2023. p. 358-360.
28 MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, pp. 106/107, 2006.