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Rejeição dos vetos presidenciais às alterações na lei 11.101/05 pelo Congresso Nacional

terça-feira, 30 de março de 2021

Atualizado às 07:13

O Congresso Nacional rejeitou diversos vetos presidenciais à lei 14.112/2020. Dentre os vetos rejeitados, aqueles que implicam alterações na lei 11.101/05 foram os referentes ao art. 6º, §13º; art. 6º - B; art. 50-A; art. 60, parágrafo único e art. 66, §3º.

A apreciação desses novos dispositivos legais, alguns com efeitos absolutamente controversos, deve ser feita individualmente. 

a)      Art. 6º, § 13.

"Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica." 

O veto presidencial ao art. 6º, § 13, inserido pela lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, era justificado na possibilidade de que a recuperação judicial somente para as cooperativas médicas feria o princípio da isonomia em relação às demais modalidades societárias e afastava "os instrumentos regulatórios que oportunizam às operadoras no âmbito administrativo a recuperação de suas anormalidades econômico-financeiras e as liquidações extrajudiciais". O veto foi rejeitado pelo Congresso Nacional.

O art. 6º, §13º, possui duas determinações distintas, sem causa e efeito, como sua redação tenta induzir.

A primeira delas é a não sujeição à recuperação judicial dos créditos decorrentes de atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados.

Ainda que a sociedade cooperativa, como pessoa jurídica não empresária, não possa utilizar-se da recuperação judicial para superar a crise que afeta sua atividade, seja ela qual for, seus cooperados poderiam requerer recuperação judicial e submeter todos os seus débitos à negociação coletiva, desde que sejam empresários. Dentro desses débitos dos cooperados em recuperação, contudo, era excepcionado o crédito das sociedades cooperativas.

As justificativas ao acolhimento da Emenda 13 ao PL 6.229 pelo relator, e que inseria o dispositivo legal, foram exclusivamente a peculiaridade que caracterizaria as operações realizadas no âmbito das cooperativas e a importância dessas para o desenvolvimento econômico nacional.

O ato cooperativo praticado entre a cooperativa e seus associados é qualquer operação destinada à consecução dos objetivos sociais da cooperativa. Por essa posição adotada pelo legislador, como os atos cooperativos não visariam ao lucro, mas ao bem comum, não poderiam ser caracterizados como operação de mercado ou contrato de compra e venda regular de produto ou mercadoria (art. 79 da lei 5.764/71).

Tais características peculiares do cooperativismo e que fariam com que o conflito de interesses típico dos contratos a mercado fosse atenuado em função do mutualismo entre cooperativa e do cooperado fizeram com que o legislador tratasse de forma diferenciada os créditos decorrentes desses contratos e não os submetesse às recuperações judiciais dos cooperados.

Durante a tramitação legislativa da alteração ao art. 6º, § 13, foi inserida complementação ao dispositivo legal pelo Senado Federal, sem que o texto alterado  voltasse para a Câmara dos Deputados. A complementação é justamente a determinação de que a vedação às cooperativas contida no art. 2º, II, não afetaria a sociedade operadora de plano de assistência à saúde se fosse cooperativa médica.

A despeito da inserção do advérbio "consequentemente" no dispositivo legal, a inserção não possui qualquer relação lógica com o restante do parágrafo, que trata da cooperativa enquanto credora na recuperação judicial dos cooperados. Por não se tratar apenas de correção redacional, imprescindível era seu retorno à Câmara dos Deputados, pelo que o dispositivo possui inconstitucionalidade formal.

Outrossim, o dispositivo apenas ressalta a não aplicação às cooperativas prestadoras de assistência à saúde do art. 2º, II, o qual veda a determinados empresários o requerimento de recuperação judicial.  Pela redação do próprio dispositivo legal, a cooperativa médica continua, portanto, a não se sujeitar à recuperação judicial ou à falência pois não é considerada empresária, condição imprescindível para a submissão aos institutos da recuperação de empresas e falência, nos termos do art. 1º da Lei n. 11.101/2005.

O art. 2º, II, somente concebe as sociedades operadoras de seguro-saúde como relativamente excluídas para impedi-las, em razão da atividade, de se submeter à recuperação judicial ou à extrajudicial, mas não à falência, ainda que empresária. A sociedade cooperativa, entretanto, independentemente de sua atividade, é absolutamente excluída da aplicação da legislação de insolvência em razão de sua forma ser não empresarial, conforme art. 1º, que permanece em vigor e não foi alterado ou ressalvado.

 b)      Art. 6º-B.

"Não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta Lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese em que o ganho de capital decorra de transação efetuada com:

I - pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II - pessoa física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica devedora." 

As alienações judiciais de ativos realizadas pelos procedimentos de recuperação judicial e de falência poderão implicar ganho de capital ao empresário devedor, que pode ter adquirido os bens por valor inferior ao produto da referida arrematação.

Pela lei 14.112/2020, insere-se o art. 6º-B na lei 11.101/2005, que determina que não se aplica o limite percentual de que tratam os arts. 15 e 16 da lei 9.065, de 20 de junho de 1995, à apuração do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a parcela do lucro líquido decorrente de ganho de capital resultante da alienação judicial de bens ou direitos, de que tratam os arts. 60, 66 e 141 desta Lei, pela pessoa jurídica em recuperação judicial ou com falência decretada. O dispositivo legal havia sido vetado pelo Presidente da República, sob a justificativa de que acarretava renúncia de receita sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que estivesse acompanhada de estimativa de seu impacto orçamentário. O veto, entretanto, foi rejeitado pelo Congresso Nacional.

O dispositivo legal permite, assim, que o prejuízo fiscal apurado seja compensado, sem limite máximo de 30%, como previsto originariamente pela Lei n. 9.065/95, com o lucro líquido decorrente do ganho de capital das alienações judiciais nos procedimentos de insolvência, tanto para fins de imposto de renda quanto para a contribuição social sobre o lucro da pessoa jurídica.

A compensação somente poderá ocorrer, contudo, se os bens vendidos não forem adquiridos por pessoa jurídica controladora, controlada, coligada ou interligada, ou por pessoa física que fosse acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica devedora.

c)       Art. 50-A.

"Nas hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, deverão ser observadas as seguintes disposições:

I - a receita obtida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

II - o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida não se sujeitará ao limite percentual de que tratam os arts. 42 e 58 da lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995, na apuração do imposto sobre a renda e da CSLL; e

III - as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial serão consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica à hipótese de dívida com:

I - pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou

II - pessoa física que seja acionista controladora, sócia, titular ou administradora da pessoa jurídica devedora." 

A lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, inseriu o art. 50-A na lei 11.101/2005, o qual fora vetado pelo Presidente da República sob a justificativa de que os benefícios tributários concedidos feririam o princípio da isonomia tributária, acarretariam renúncia de receita sem o cancelamento de outra despesa obrigatória e sem que houvesse estimativa de seu impacto orçamentário e financeiro. O veto, entretanto, fora rejeitado pelo Congresso Nacional.

Trata o dispositivo legal da tributação sobre o desconto obtido em razão das negociações de dívidas em virtude da recuperação judicial, sejam elas sujeitas ou não sujeitas à recuperação.

Ainda que tivesse ocorrido discussão intensa sobre a necessidade de incidência ou não dos tributos sobre o desconto obtido na recuperação judicial, a inserção do art. 50-A mantém a tributação, embora permita regime diverso em razão da recuperação judicial do devedor.

O regime mais benefício de tributação ocorre desde que a renegociação não tenha ocorrido com pessoa diretamente relacionada ao devedor em recuperação ou com a pessoa jurídica que fosse controladora, controlada, coligada ou interligada, ou a pessoa física que fosse acionista controladora, sócia, titular ou administradora da pessoa jurídica devedora.

Dentro do regime especial definido pela lei, as renegociações de dívidas realizadas pela pessoa jurídica em recuperação judicial, com eventual obtenção do deságio, implicam receita diante da redução da dívida. Mesmo que as dívidas renegociadas não estejam sujeitas ao procedimento de recuperação ou que não haja o reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, a receita decorrente da redução da dívida deve ser tributada pela incidência do imposto de renda e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Pelo dispositivo legal, essa receita decorrente da redução da dívida não é computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Para o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e pelo regime de tributação com base no lucro real, permite-se que o lucro líquido seja ajustado com adições e exclusões, sem que haja a incidência do limite de redução em no máximo 30%.

Da mesma forma, na contribuição social sobre o lucro, o lucro líquido ajustado pode ser reduzido por compensação da base de cálculo negativa de períodos anteriores sem a limitação de 30%. São também consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior, as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial.

d)      Art. 60, parágrafo único.

"O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei." 

A lei restringiu o risco dos adquirentes de bens alienados pela recuperanda. As obrigações do devedor e os ônus que recaiam sobre os bens arrematados deverão ser de responsabilidade exclusiva do devedor1.

A limitação da sucessão das obrigações do devedor ao adquirente procura garantir o princípio da preservação da empresa. Separada do conceito de empresário devedor, a empresa, entendida como atividade, poderá ser desenvolvida de modo mais eficiente pelo adquirente do conjunto de bens, que poderá garantir maior circulação de riquezas. Permitir a venda de ativos livres de ônus garante que a empresa a ser desenvolvida pelo adquirente não seja impossibilitada pela ineficiência do devedor vendedor.

Por seu turno, a limitação da sucessão reduz os riscos do adquirente, o que garante aumento do valor do preço obtido pelas arrematações e, por consequência, maior satisfação de todos os credores.

Quanto aos ônus, a alienação do bem na recuperação judicial assegura o levantamento de todas as constrições ou ônus que poderiam recair sobre o ativo, como penhoras de credores, submetidos ou não submetidos à recuperação judicial, impostos pendentes como IPTU ou IPVA, multas administrativas, débitos trabalhistas etc. Referidos ônus deverão ser levantados pelos órgãos administrativos competentes mediante mero ofício do juízo da recuperação judicial, ainda que a constrição tenha sido realizada mediante determinação por juiz diverso.

Quanto à sucessão do arrematante, não haverá responsabilidade por nenhuma obrigação do devedor ou do bem adquirido existente até o momento da arrematação, sejam os débitos trabalhistas, tributários, ambientais, administrativos, penal, anticorrupção etc.

A inclusão dos débitos ambientais, administrativos, penal, anticorrupção e trabalhistas foi expressamente mencionada no parágrafo único pela alteração promovida pela lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020. O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República sob o fundamento de que as obrigações ambientais seriam protegidas constitucionalmente, assim como as da Lei anticorrupção deveriam ser conservadas sob pena de afronta aos direitos fundamentais da probidade e da boa administração pública. O veto fora rejeitado pelo Congresso Nacional.

A despeito da inclusão expressa da não sucessão às obrigações ambientas, regulatórias, administrativa, penal, anticorrupção e trabalhista, a redação original do dispositivo já permitia exatamente essa interpretação do texto. Isso porque determinava-se que não haveria sucessão do arrematante em nenhuma obrigação, de modo que todas essas, juntamente com as tributárias, estavam incluídas.

A inclusão de todas as obrigações, afinal, conforma-se com o intuito de maximização do valor e satisfação da coletividade de credores2-3.

No tocante às obrigações tributárias, além de sua expressa não sucessão no art. 60 da LREF, o art. 133 do Código Tributário Nacional corrobora o dispositivo legal. Pela alteração concebida pela Lei Complementar 118/2005, o art. 133, § 1º, II, estabelece que na alienação judicial de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial não haverá a sucessão do arrematante pelas obrigações tributárias do vendedor.

A interpretação do dispositivo legal, ao contrário do que poderia ser deduzido do veto presidencial rejeitado pelo Congresso Nacional, não contraria a Constituição Federal. A ausência de responsabilidade não impede a satisfação dos referidos créditos pelo produto da alienação pelo devedor nos termos do plano de recuperação judicial e, outrossim, garante que o melhor valor de alienação para a satisfação de todos os créditos seja efetivamente possível, o que assegura a melhor satisfação das referidas obrigações.

A não sucessão das obrigações do devedor e o levantamento dos ônus incidentes sobre o bem, entretanto, são condicionados à alienação por uma das modalidades públicas prescritas na LREF. Ao remeter ao art. 142, a LREF determina que a alienação desses ativos deverá ser realizada na modalidade do leilão, processo competitivo organizado ou qualquer outra modalidade aprovada nos termos dessa Lei.

A exigência decorre da garantia de que haveria um procedimento competitivo entre os interessados e que seria alcançado o melhor preço de aquisição do bem, com vantagens a todos os credores. Com esse produto da arrematação, o devedor poderia satisfazer seus credores, tanto para os credores sujeitos quanto aos não sujeitos à recuperação judicial.

A alienação de bens diretamente entre o devedor e o adquirente não é impedida pela legislação de insolvência. Todavia, a não sucessão das obrigações pelo arrematante apenas ocorrerá se a alienação ocorrer por essas formas públicas de alienação. Na hipótese de alienação direta e de modo que os credores não sejam prejudicados por uma aquisição abaixo de valor de mercado do bem, o adquirente é considerado sucessor das obrigações e passa a ser responsável pelo pagamento dos credores na medida do valor do bem adquirido, ainda que essa forma esteja prevista no plano de recuperação judicial aprovado4.

A responsabilidade do adquirente ocorrerá, também, se este for sócio do devedor, for sociedade por ele controlada, parente em linha reta ou colateral até o quarto grau, consanguíneo ou afim, seja do devedor ou de sócio do devedor, ou, ainda, considerado agente do devedor5.

 e)      Art. 66, §3º.

"Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista". 

A LREF garantiu que a alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor (UPI), desde que realizada por um dos modos públicos disciplinados no art. 142 da LREF e mediante aprovação no plano de recuperação judicial, permitirá ao arrematante a aquisição dos bens livre de toda e qualquer sucessão nas obrigações do devedor e de qualquer encargo existente sobre os bens, nos termos do art. 60.

A isenção de responsabilidade para a UPI e filiais não foi reproduzida originalmente pelo art. 66 para a alienação ou oneração de bens não circulantes e fora do plano de recuperação judicial, mas a falta de previsão expressa não significava imediata sucessão.

Sustentava-se que a alienação de bens individuais, que não se confundiam com estabelecimentos empresariais, não gerava o risco de ineficácia do trespasse caso não restassem bens suficientes para solver o passivo (art. 1.145 do CC), ou a sucessão geral do adquirente pelas obrigações contabilizadas do devedor (art. 1.146 do CC), por falta de previsão legal.

Contudo, poderia se cogitar de o adquirente ser responsável apenas por eventuais ônus incidentes sobre o bem, porque não poderia alegar seu desconhecimento, ou pela satisfação das obrigações propter rem, como qualquer outra alienação em que o vendedor não estivesse sujeito à recuperação judicial. Entretanto, a interpretação sistemática dos diversos dispositivos da lei 11.101/2005 já impedia essa conclusão.

Se a alienação do estabelecimento empresarial, desde que realizada por uma das formas públicas de alienação previstas no art. 142 e aprovada pelos credores no plano de recuperação judicial, teria seu objeto livre de qualquer ônus e não implicaria sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, o mesmo efeito deverá ser produzido em relação aos bens menos importantes ao desenvolvimento da atividade ou que, em regra, afetariam menos a garantia dos credores.

Se a alienação do estabelecimento, mesmo sem remanescerem outros ativos para a satisfação do passivo ou mesmo sem a anuência da totalidade dos credores, era prevista como livre de ônus ou débitos, com mais razão e por gerar menos riscos de insatisfação das obrigações, a alienação ou oneração de outros ativos não circulantes também deveria ser realizada sem responsabilidade do adquirente. Se a situação mais gravosa aos credores é permitida, não seria lógico proibir a menos gravosa.

De forma a retirar qualquer risco do adquirente e evitar qualquer controvérsia, a alteração da lei 11.101/2005 pela lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, incluiu o art. 66, § 3º, em que se determina que a alienação, desde que feita por uma das formas públicas de alienação disciplinadas pelo art. 142, está livre de qualquer ônus e não há sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, quaisquer que fossem.

O veto do Presidente da República, fundamentado na impossibilidade constitucional de se impedir a sucessão das obrigações ambientais e da Lei anticorrupção,  fora levantado pelo Congresso Nacional. A despeito da inserção expressa, a interpretação sistemática já era permitida pela redação original da lei 11.101/2005.

A alienação de bens deve ser interpretada em conjunto com o art. 60 da lei 11.101/2005. Nesse aspecto, a alienação do estabelecimento empresarial, desde que realizada por uma das formas públicas de alienação, terá seu objeto livre de qualquer ônus e não implicará sucessão do arrematante nas obrigações do devedor. A ausência de risco na aquisição assegura maior valor das arrematações e, por consequência, a maior possibilidade de satisfação dos interesses de todos os credores, sujeitos e não sujeitos à recuperação judicial. Pela mesma razão, notadamente porque exigirá inclusive a aprovação judicial na hipótese de ativos não circulantes, não deverá ocorrer sucessão nos demais bens.

A alienação sem qualquer possibilidade de sucessão permitirá que os ativos dispensáveis ao prosseguimento da atividade empresarial sejam alienados a outros empresários, que poderão alocar esses fatores de produção de forma mais eficiente. Outrossim, aumenta a possibilidade de existirem interessados, o que permite ao empresário a redução dos custos com ativos desnecessários para o desenvolvimento de sua atividade, bem como o aumento do valor obtido nas arrematações, o qual reverterá ao pagamento de toda a coletividade de credores.

Nem se alegue que a impossibilidade de sucessão permitiria a liquidação ordinária dos ativos, em detrimento dos credores não sujeitos à recuperação judicial. A alienação dos ativos continua condicionada à evidente utilidade para a recuperação judicial reconhecida pelo juiz e, mesmo se aprovada pela Assembleia Geral de Credores, poderá gerar a convolação em falência se verificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implica liquidação substancial da empresa, nos termos do art. 73.

__________

1 O Supremo Tribunal Federal considerou o dispositivo legal de acordo com a Constituição Federal. A não sucessão dos adquirentes dos bens alienados pelas empresas em dificuldades garante a função social que tais complexos patrimoniais exercem (STF, ADI 3.934-2, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 6-11-2009).

2 Em sentido contrário, BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 218. Para o autor, "o adquirente deve atentar para o fato de que esta blindagem não o protegerá de sucessão nos créditos derivados da legislação do trabalho e nos decorrentes de acidentes do trabalho; quando a lei quis excluir estes créditos, mencionou-os de maneira explícita, como se vê da leitura do inc. II do art. 141".

3 STF, ADI 3.934-2/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 4-6-2009.

4 TJ/SP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, AI 0057674-82.2013, rel. Des. Araldo Telles, j. 30-9-2013; TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, AI 0227587-33.2011, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 30-10-2012.

5 Conferir comentários aos arts. 141 e 142.