Os atos normativos do CNJ sobre recuperação judicial de empresas e falências
terça-feira, 22 de outubro de 2019
Atualizado às 09:00
Texto de autoria de Daniel Carnio Costa
O Conselho Nacional de Justiça aprovou, por unanimidade, no último dia 8/10/2019 (298ª Sessão Ordinária) três atos normativos referentes à recuperação de empresas e falências. São três recomendações que visam tornar mais eficiente a atuação do Poder Judiciário nos processos que tratam da insolvência empresarial.
As recomendações aprovadas são frutos dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria 162/2018, pelo presidente do CNJ e do STF ministro Dias Toffoli, por iniciativa do conselheiro Henrique Ávila, e que é presidido pelo ministro do STJ Luis Felipe Salomão.
O Grupo de Trabalho foi criado para estudo e implementação de boas práticas na gestão de processos de insolvência empresarial e é composto por algumas das maiores autoridades nos temas de falência e recuperação judicial de empresas no Brasil.
A primeira recomendação aprovada pelo Plenário do CNJ diz respeito à Constatação Prévia. Ficou reconhecido de forma unânime pelo Conselho Nacional de Justiça que a constatação prévia da regularidade/completude da documentação apresentada pela devedora e das reais condições de funcionamento da empresa são medidas de inegável utilidade para a adequada e racional gestão desses processos de insolvência empresarial.
A recomendação oferece aos magistrados um modelo de constatação prévia fortemente baseado no procedimento de perícia prévia aplicado desde 2011 na 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
Segundo a recomendação da Constatação Prévia, logo após a distribuição do pedido de recuperação empresarial, poderá o magistrado nomear um profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade para promover a constatação das reais condições de funcionamento da empresa requerente e a análise da regularidade e da completude da documentação apresentada juntamente com a petição inicial.
A remuneração do profissional deverá ser arbitrada posteriormente à apresentação do laudo, observada a complexidade do trabalho desenvolvido. O magistrado deverá conceder o prazo máximo de cinco dias para que o perito nomeado apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento da devedora e de verificação da regularidade documental, decidindo em seguida, sem a necessidade de oitiva das partes.
A constatação prévia consistirá, objetivamente, na análise da capacidade da devedora de gerar os benefícios mencionados no art. 47, bem como na constatação da presença e regularidade dos requisitos e documentos previstos nos artigos 48 e 51, todos da lei 11.101/2005. Não preenchidos os requisitos legais, o magistrado poderá indeferir a petição inicial, sem convolação em falência. Caso a constatação prévia demonstre que o principal estabelecimento da devedora não se situa na área de competência do juízo, o magistrado deverá determinar a remessa dos autos, com urgência, ao juízo competente.
A segunda recomendação aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça diz respeito à criação das Varas Especializadas Regionais. O Grupo de Trabalho analisou e adotou estudos que demonstram que Varas especializadas em recuperação empresarial e falência são significativamente mais eficientes na condução de processos afetos à matéria do que varas de competência cumulativa. Nesse sentido, e com base em análises estatísticas realizadas pela Associação Brasileira de Jurimetria, o CNJ recomendou "a todos os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios que promovam a especialização de varas em Recuperação empresarial e falência nas comarcas que receberam a média anual de 221 casos novos principais e incidentes relacionados à matéria, dos quais pelo menos 30 pertencentes às classes "Falência de Empresários, Sociedades Empresariais, Microempresas e Empresas de Pequeno Porte" ou "Recuperação Judicial", considerados os últimos três anos".
Note-se que, segundo os estudos estatísticos, os incidentes dos processos de insolvência (como impugnações de crédito) também devem ser computados na contagem da média de casos novos.
Na hipótese de a Comarca não possuir números suficientes para ter uma Vara especializada em falência e recuperação judicial, a recomendação autoriza que sejam somados os números de distribuição de casos novos (principais e incidentes) de Comarcas contíguas situadas em uma mesma circunscrição ou região administrativa ou de Comarcas com até 200 quilômetros de distância entre si. A especialização de Vara em recuperação empresarial e falência com competência regional poderá ocorrer sem prejuízo da manutenção da competência das Varas especializadas preexistentes na região, às quais também poderá ser atribuída competência regional.
Por fim, em relação às varas especializadas, nota-se que a recomendação autoriza, de forma excepcional, a inclusão de processos empresariais nas Varas de recuperação empresarial e falência em caso de haver disparidade na demanda de processos de uma mesma Comarca.
É importante destacar que os estudos demonstram que a mistura de processos empresariais com processos de insolvência (falência e recuperação judicial) não favorece a prestação jurisdicional eficiente. De toda forma, sendo essa uma última alternativa, ainda assim é preferível do que se ter processos de falência e recuperação judicial em varas de competência geral cumulativa.
Há, portanto, uma evidente gradação na recomendação do CNJ: devem ser criadas Varas especializadas em falência e recuperação judicial nas Comarcas em que os números mínimos de distribuição forem atingidos. Caso não exista demanda suficiente, somam-se os números de Comarcas pertencentes à uma mesma região ou de Comarcas distantes entre si até 200 quilômetros para criação das Varas de falência e recuperação Judicial regionais. Como última hipótese, e no intuito de viabilizar a especialização onde não exista demanda suficiente, autoriza-se a soma de processos empresariais juntamente com processos de falência e recuperação judicial.
A terceira e última recomendação aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça diz respeito ao uso da mediação em processos de falência e recuperação empresarial. Nesse sentido, o CNJ recomenda a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de Varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da lei 13.105/2015 e da lei 13.140/2015, o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.
A recomendação ainda exemplifica hipóteses de aplicação da mediação em processos de falência e recuperação empresarial, esclarecendo o cabimento dessa forma alternativa de solução de conflitos nos incidentes de impugnação de crédito, na negociação do plano de recuperação judicial, no caso de disputa entre acionistas da empresa devedora, dentre outros.
É importante destacar que a recomendação veda a utilização de mediação para definição de classificação de créditos.
Por fim, a recomendação estabelece critérios para escolha e atuação do mediador, vedando ao Administrador Judicial a acumulação das funções de mediador no mesmo processo onde já atua na administração judicial.
As recomendações do CNJ representam um grande avanço na gestão dos processos de insolvência empresarial e, por essa razão, carregam a esperança dos aplicadores do direito no atingimento da maior eficiência no trato das questões relacionadas à crise da empresa.
Os estudos do Grupo de Trabalho do CNJ continuam em franca evolução, aguardando-se, em breve, a edição de novos atos normativos que colaborarão com a melhor gestão dos processos de insolvência.
Sigamos nessa evolução!