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As particularidades do ANPP em relação aos crimes tributários e o PL 3.673/21

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Atualizado em 20 de setembro de 2024 14:19

No contexto da administração pública e da arrecadação fiscal, os crimes contra a ordem tributária emergem como uma preocupação significativa. Esses ilícitos, previstos na lei 8.137/90, não apenas comprometem os recursos públicos, mas também afetam diretamente o funcionamento do Estado.

São delitos pluriofensivos, ou seja, que agridem diversos bens jurídicos, não somente o patrimônio da Fazenda Pública, mas também a função social dos tributos - os quais viabilizam programas sociais e cumprimento de demais atribuições a cargo do Estado.1

O Acordo de Não Persecução Penal como Alternativa

Sendo delitos cometidos sem violência ou grave ameaça e com penas mínimas inferiores a quatro anos, o ANPP - Acordo de Não Persecução Penal se apresenta como uma alternativa viável para a resolução de conflitos na esfera criminal. Essa modalidade foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela lei 13.694/19, parte do chamado "Pacote Anticrime", que trouxe inovações significativas para o CPP.

O acordo configura-se como um negócio jurídico pré-processual que busca otimizar a atuação do sistema de justiça, permitindo que o Ministério Público e o investigado, representado por um defensor2, entrem em um acordo que vise à suspensão do processo penal. Essa solução não apenas promove a economia processual, mas também propõe uma resposta mais rápida e menos onerosa ao conflito penal, afastando o acusado das consequências de um processo judicial que, muitas vezes, pode ser moroso e desgastante.

Requisitos e Condições para o ANPP

O ANPP está previsto no art. 28-A do CPP e confere ao Ministério Público a possibilidade de, ao invés de oferecer denúncia, propor o acordo desde que presentes os requisitos, tais como a confissão formal e circunstanciada do delito e a pena mínima cominada ser inferior a quatro anos. Não poderá ser oferecido em casos de violência ou grave ameaça, reincidência, indícios de prática habitual (reiterada ou profissional), crimes cometidos no âmbito de violência doméstica ou familiar contra a mulher por razões de gênero, crimes que comportem os benefícios da lei 9.099/95 e aos investigados que firmaram o acordo nos últimos cinco anos.

Além disso, é necessário o cumprimento de condições de forma cumulada ou alternada, quais sejam:

  1. Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
  2. Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
  3. Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à um terço ou dois terços da pena mínima cominada ao delito;
  4. Pagar prestação pecuniária, a entidade pública ou de interesse social;
  5. Outra condição indicada, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Desafios na Aplicação do ANPP aos Crimes Tributários

A vantagem para a celebração do ANPP seria a previsibilidade da sanção, que afasta a possibilidade de uma pena de prisão.3 Contudo, para ser realizado, o acusado deverá admitir aos fatos e reparar o dano, o que se torna um desafio em casos de crimes tributários.

Isso porque a celebração do ANPP não poderia obrigar o investigado a reparar o dano, pois, ao contrário dos demais crimes empresariais, a reparação extingue a punibilidade dos crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária. Como exigir a reparação do dano se o seu cumprimento impediria a própria persecução penal?

O tema já foi objeto de construção jurisprudencial pela dispensa da reparação do dano como requisito da suspensão condicional do processo em crime tributário.4 Partindo-se desse entendimento, o ANPP é possível aos crimes tributários e previdenciários sem que se imponha a reparação do dano.

Outra condição para a celebração do acordo é a confissão formal e circunstanciada da prática da infração, o que se torna um empecilho em crimes contra a ordem tributária por serem, em regra, coletivos e praticados no contexto da empresa.

A jurisprudência do STJ se alinhou no sentido de não ser necessário o completo detalhamento da conduta dos acusados nesses tipos crime (bastando-se o vínculo com o delito imputado), em virtude da dificuldade da apuração em estruturas empresariais. São comuns, então, acusações contra diretores e sócios de empresas com base no fato de serem, simplesmente, os responsáveis legais no contrato social, casos em que o objeto da instrução processual5 se torna a descoberta da autoria do fato.

É nesse cenário que o ANPP esbarra na exigência da confissão, pois aqueles que foram alvo da proscrita responsabilidade penal objetiva teriam que assumir fatos que não praticaram, quando muitas vezes o foram por terceiros alheios ao contrato social da pessoa jurídica (diretores, contadores, gerentes, etc.).

A Proposta de Alteração Legislativa e Seus Impactos

O projeto de lei 3.673/216, de iniciativa do senador Wellington Fagundes (PL/MT), propõe a modificação do art. 28-A do CPP para retirar a exigência da confissão como requisito do ANPP. A alteração eliminaria a obrigatoriedade que é objeto de críticas desde a criação do instituto, especialmente pela afronta ao princípio do nemo tenetur se detegere (ou direito à não autoincriminação), importante garantia do acusado na persecução penal positivada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal.

A exigência atual tem sido criticada por profissionais da área, uma vez que limita a liberdade do acusado e pode conduzir a situações de injustiça, na medida em que força um indivíduo a admitir uma culpa que ele pode não possuir, motivado pelo receio das consequências de um processo penal prolongado e oneroso. Além disso, essa exigência pode fomentar a ideia de que a confissão é um pré-requisito para a resolução de casos, o que pode se traduzir em coação psicológica e emocional sobre o acusado, desvirtuando a função do ANPP enquanto uma alternativa legítima e justa ao processo tal como o conhecemos.

Segundo José Antônio Ceccato Júnior7, além de ferir um direito constitucional, a exigência da confissão é excessiva pois a própria possibilidade de responder ao processo criminal (se descumpridas as condições impostas) já seria suficiente, ou seja, a confissão não seria a condição garantidora do cumprimento pelo investigado.

Assim, a retirada da referida obrigatoriedade encerraria o debate sobre a violação do direito do acusado e viabilizaria a aplicação do ANPP a diversos réus acusados de crimes contra a ordem tributária.

Em 18/6/24 o projeto de lei foi aprovado na CSP - Comissão de Segurança Pública e atualmente encontra-se na CCJ - Comissão de Constituição e Justiça do Senado8 para que receba a decisão terminativa.

Considerando-se que os crimes tributários atualmente são parcela considerável dos processos criminais existentes, bem como a inviabilidade prática para a realização do ANPP - nesses casos -, as modificações trazidas pelo PL podem acarretar um desafogamento do judiciário, culminando em economia processual e monetária ao Estado. Dessa forma, aguarda-se o completo julgamento do projeto, bem como a sua possível implementação.

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O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR e pesquisadores convidados.

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1 ZIEMBOWICZ, Rodrigo L. Crimes Tributários. São Paulo: Grupo Almedina, 2020. E-book. ISBN 9788584935680. Disponível aqui.

2 STJ NO SEU DIA. STJ No Seu Dia explica o acordo de não persecução penal. Disponível aqui.

3 LIMA, José Luis Oliveira; DALL'ACQUA, Rodrigo. Crimes tributários e o novo acordo de não persecução penal. Disponível aqui.

4 TJ/SP; Habeas Corpus Criminal 2102385-65.2018.8.26.0000; Relator (a): Augusto de Siqueira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Guaíra - 1ª Vara; Data do Julgamento: 28/06/2018; Data de Registro: 02/07/2018

5 FERREIRA, André. Acordo de não persecução penal e crimes contra a ordem tributária. Migalhas, 12 jul. 2020. Disponível aqui.

6 BRASIL. Projeto de lei 3.673, de 2021. Altera o art. 28-A do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 12941 (Código de Processo Penal), para aperfeiçoar o instituto do acordo de não persecução penal. Disponível aqui.

7 CECCATO JÚNIOR, José Antônio. A confissão no acordo de não persecução penal viola direito à não autoincriminação. 2021. Disponível aqui.

8 SENADO, Agência. Vai à CCJ dispensa de confissão para acordo de não persecução penal Fonte: Agência Senado. 2024. Disponível aqui.