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A responsabilidade penal nos crimes tributários cometidos no âmbito das empresas

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Atualizado às 11:20

As sociedades empresárias, cada vez mais estruturadas e complexas, tornam-se um ambiente de riscos, especialmente em razão da maior fluidez nas movimentações de produtos, receitas e informações. Por consequência, no âmbito penal, é progressivamente mais difícil a individualização das condutas dos seus agentes, notadamente pela divisão de tarefas existente nas pessoas jurídicas de grande porte.

Esclarece-se que, com exceção dos crimes ambientais, não há, atualmente, a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, posto que, apesar da disposição do artigo 173, §5ª, da Constituição da República, não há norma legal infraconstitucional que estabeleça a responsabilidade penal nos crimes praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Nesse quadro, diante da ocorrência de um possível crime tributário no âmbito de uma empresa, é possível embasar a denúncia tão somente na condição de sócio ou de administrador dessa sociedade empresária? Afinal, quem pode ser responsabilizado?

Primeiramente, aponta-se que a orientação do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "o contrato social pode ser considerado indício de autoria naquelas situações em que a complexidade do delito impedir a identificação pormenorizada da conduta de cada agente"1.

Ainda, é necessário ter-se em mente que o referido Tribunal admite a denúncia geral nos crimes societários, a qual não se confunde com a denúncia genérica. Na primeira, embora não haja minúcias da prática delitiva, há, ainda que minimamente, a descrição da contribuição de cada agente na empreitada criminosa, enquanto na segunda configura-se a responsabilidade objetiva, em virtude de a acusação pautar-se exclusivamente no contrato social, situação vedada em nosso ordenamento.

Logo, o ponto de partida para aferição da responsabilidade penal é o contrato ou o estatuto social, pois, a partir dele, verifica-se, formalmente, a posição de cada um dentro da pessoa jurídica.

No entanto, conforme já decidido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região2, "A condição de sócio-administrador, prevista no contrato social, não permite que se conclua, automaticamente, pela autoria delitiva. O contrato social não é elemento probatório suficiente para afastar a presunção de inocência", de modo que, no caso de tributo devido pela pessoa jurídica, o autor do crime contra a ordem tributária "será aquele que efetivamente exerce o comando administrativo da empresa".

Frisa-se que embora a condição de sócio-administrador/dirigente, no plano fático, seja requisito inicial para se verificar a responsabilidade penal, isso não significa que a responsabilização possa decorrer unicamente da posição dentro da empresa, pois, caso assim o fosse, estar-se-ia diante de hipótese de responsabilidade penal objetiva.

É necessário, portanto, haver a demonstração do real papel do sujeito dentro da empresa, bem como o seu vínculo com a conduta delituosa, ou seja, de que modo concorreu para a prática delitiva.

Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em situação em que houve o trancamento da ação penal ante a inépcia da denúncia que considerou apenas a condição do sujeito dentro da empresa:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INICIAL CONDUTA IMPUTADA. CONSIDERAÇÃO, APENAS, DA CONDIÇÃO DOS RECORRENTES DENTRO DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE MENÇÃO DA COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO IMPUTADO. CONFIGURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

(...)

2. Esta Corte Superior tem reiteradamente decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física, levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo desta com a conduta delituosa, por configurar, além de ofensa à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio.

3. No caso dos autos, atribuiu-se aos acusados a conduta de promover a redução de tributos devidos ao Estado de Santa Catarina, limitando-se a denúncia a indicar os cargos por eles ocupados no âmbito da empresa, deixando de descrever qualquer conduta ou fato que os ligasse, minimamente, ao delito nela indicado.

4. Agravo regimental provido par,

a prover o recurso em habeas corpus de modo a reconhecer a inépcia da denúncia de fls. 26/29 e trancar a ação penal proposta contra os recorrentes, sem prejuízo de que outra seja oferecida, desde que preenchidas as exigências legais.

(STJ, AgRg no RHC n. 132.900, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Relator para acórdão: Ministro Sebastião Reis Júnior, Dje: 02/09/2021 - grifou-se).

É certo que, para a incidência do Direito Penal, é necessária a aferição da culpabilidade, da responsabilidade penal subjetiva, que preconiza que um resultado criminoso só pode ser imputado ao agente se ele tiver agido com dolo, ou, no mínimo, com culpa, se o delito comportar essa modalidade de conduta.

Assim, chega-se a três importantes conclusões: (i) se a pessoa não consta como sócia-administradora/dirigente no documento, mas, na prática, exerce essa condição, em tese, pode ser averiguada a sua responsabilidade; (ii) se a pessoa consta como sócia-administradora/dirigente no documento e exerce essa condição, torna-se, novamente, possível a discussão quanto à sua responsabilidade e (iii) se a pessoa consta como sócia-administradora/dirigente no documento, mas, no plano fático, não exerce, resta afastada a possibilidade de ser responsabilizada penalmente.

Por fim, a análise não pode se limitar ao que consta do documento da empresa, posto que deve ser averiguado também o plano fático, que consiste no ponto chave para a definição da responsabilidade penal, bem como deve haver a demonstração mínima do vínculo entre a posição do sujeito dentro da pessoa jurídica e o delito imputado.

O conteúdo desta coluna é produzido pelos membros do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico da Universidade Federal do Paraná - NUPPE UFPR e pesquisadores convidados de grupos de pesquisa parceiros. 

__________

1 STJ - AgRg no AgRg no REsp: 2038919 PR 2022/0363549-2, Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, T5 - Quinta Turma, DJe: 16/08/2023.

2 TRF-4 - ACR: 27493520014047201 SC 0002749-35.2001.404.7201, Relator: Leandro Paulsen, Oitava Turma, Data de Julgamento: 27/04/2016.