COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Informação privilegiada >
  4. Discussões acerca da competência para homologação do acordo de colaboração premiada

Discussões acerca da competência para homologação do acordo de colaboração premiada

terça-feira, 17 de maio de 2022

Atualizado às 15:43

Quem atua no âmbito do Direito Penal Econômico recorrentemente depara-se com o instituto da colaboração premiada. Nesse aspecto, torna-se importante saber qual é o Juízo competente para a homologação do acordo, seja para representar os interesses de quem pretende colaborar, seja para impugnar a legalidade do acordo quando se representa os interesses do delatado. Este artigo busca apresentar as observações de duas principais vertentes acerca do tema: uma que considera como competente para homologação o juízo que autoriza outros meios de obtenção de prova; e outra que sustenta que esta homologação deve ser feita pelo juízo responsável pelos processos em que as benesses serão aplicadas.

A partir de tal proposição, busca-se, ainda, compreender como o acordo de colaboração é entendido pelos polos do processo penal, no momento da homologação, em relação à sua natureza dúplice - como meio de obtenção de prova ou como estratégia defensiva.

Segundo MENDONÇAi, o acordo de colaboração premiada é um negócio jurídico bilateral que engloba o comprometimento do colaborador em não exercer determinadas garantias, e, com isso, o fim do recebimento de benefícios penais acordados com a acusação. É a partir dessa bilateralidade que o autor faz uma importante distinção em relação à natureza do acordo, sob a perspectiva das razões pelas quais a acusação e a defesa resolvem celebrá-lo, ou seja, a causa do negócio jurídico para cada uma das partes.

Em primeiro lugar, o autor afirma que, para a acusação, o acordo premial é mais um meio de obtenção de prova, é uma ferramenta que leva ao alcance de outros meios de prova e, indiretamente, um meio de reparação do dano causado pelo delito. Em segundo lugar, MENDONÇA coloca que, na visão da defesa técnica, a colaboração em troca dos benefícios é uma estratégia. Apesar disso, ressalva que deve ser analisado o caso concreto antes de sua celebração, que será mais vantajosa à medida que as chances de condenação e de dilapidação do patrimônio do acusado aumentam. Vale dizer, a colaboração premiada se torna vantajosa na medida inversa da probabilidade da absolvição, considerados os elementos de corroboração aos quais o réu pode oferecer.

Assim, dentro do espectro necessário a este trabalho, conceitua-se o instituto da colaboração premiada como um negócio jurídico bilateral, que, embora busque um fim comum, possui causas diferentes para cada um dos envolvidos.

De acordo com BOTTINIii, em visão mais objetiva do instituto, a expressão "homologação" gera um reconhecimento, por parte do legislador, de um espaço de negociação entre as partes em que não há influência do Poder Judiciário. Além disso, o autor afirma que, uma vez homologado o acordo, este terá efeitos imediatos (direito à preservação do sigilo e à proteção do colaborador) e efeitos potenciais futuros (benefícios de acordo com a efetividade). Dessa forma, a homologação tem como objetivo não influir na negociação das partes, mas zelar pela sua forma e pela falta de inadequações viciosas no negócio, bem como sua regularidade, legalidade e voluntariedade.

Isto posto, conceituado o instituto e a função da homologação do acordo, passa-se à análise dos diferentes entendimentos acerca da colaboração premiada no que tange à fixação do Juízo competente para a sua homologação.

VERÍSSIMOiii tende a entender o instituto como um meio de obtenção de prova, deixando de lado por vezes seu caráter de estratégia defensiva. A autora não ignora os aspectos relativos aos direitos do colaborador quando da homologação do pacto, mas tem como entendimento mais presente o de que o juízo competente para a homologação é aquele que é responsável pelo deferimento de outros meios de obtenção de prova, como a interceptação telefônica.

A partir dessa premissa, VERÍSSIMO analisa algumas possíveis situações mais complexas, sem intenção de esgotá-las.

A primeira refere-se à fase processual a qual o acordo é encaminhado para a homologação, seja pré-processual ou processual, considerando também a possibilidade de recursos a outras instâncias. Nessa hipótese, a autora sustenta que o acordo homologado em segunda instância já possui validade em qualquer jurisdição. Em seguida, na discussão sobre a prerrogativa de foro, VERÍSSIMO coloca que, se o colaborador for detentor de foro privilegiado, o acordo deve ser homologado perante o tribunal com competência para julgá-lo e processá-lo.

Dentro da possibilidade de os atos delitivos terem sido praticados em diferentes jurisdições territoriais, a sugestão da autora é que os diferentes membros do Ministério Público nas jurisdições envolvidas atuem na negociação do acordo, separando os fatos em "anexos" a fim de preservar o sigilo. Dessa maneira, isola-se o que os magistrados de cada territorialidade terão acesso acerca dos fatos delatados, garantindo que serão analisados somente os aspectos importantes para aquela homologação. Caso isso não seja possível, a autora sugere, para a proteção do próprio colaborador, que os dados da colaboração não sejam compartilhados. Isso vale também a terceiros interessados, que devem aderir aos termos do acordo para que acessem seus benefícios.

Por fim, VERÍSSIMO propõe algumas soluções relativas às hipóteses de modificações da competência referentes à conexão e à continência. Nesse ponto, assevera que se um dos delatados possuir foro privilegiado, a competência para a homologação do acordo é do tribunal de maior graduação. Além disso, defende que, dentro dos órgãos colegiados, a competência é do relator e, nos casos em que existem tanto crimes federais como estaduais, a competência é da Justiça Federal.

Nota-se que a Procuradora Federal foca no acordo como um meio de obtenção de prova, de modo que os meios que sugere para solução dos conflitos de competência partem desse aspecto do acordo.

Nessa linha, em análise jurisprudencial acerca do tema, VASCONCELLOSiv parece seguir a mesma vertente teórica do acordo de colaboração premiada como meio de obtenção de prova para definição do juízo competente para homologação. O autor afirma que a lógica adotada pelas Cortes Superiores costuma ser a mesma relacionada a pedidos de quebra de sigilos e de interceptações telefônicas e telemáticas, restando, portanto, coerentes os critérios tradicionais como determinantes. Faz apenas duas ressalvas: quando houver prerrogativa de foro, a homologação só será efetiva em relação a fatos delatados correspondentes à investigação matriz; e há a vinculação do órgão colegiado ao acordo quando a homologação é feita monocraticamente pelo relator.

Do mesmo modo, ao se debruçar sobre o entendimento do Superior Tribunal Federal, LINHARESv conclui que a homologação do acordo compete ao juízo responsável pela autorização de outras medidas investigativas e, nos órgãos colegiados, o relator é o responsável, mas a vinculação do colegiado se dá na medida da efetividade dos elementos colhidos.

REINALDETvi, por sua vez, compõe uma vertente teórica diversa da apresentada anteriormente. O texto do autor procura demonstrar outra perspectiva acerca da definição de competência para a homologação do acordo de colaboração premiada, que considera sua natureza de estratégia defensiva, com fundamento em decisões jurisprudenciais, especialmente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.

Assim, o autor expõe duas principais hipóteses de fixação da competência nos casos de homologação do acordo de colaboração premiada.

A primeira aproxima-se da exposta por VERÍSSIMO, VASCONCELLOS e LINHARES, segundo a qual o juízo que está legalmente habilitado para processar e julgar os fatos delatados é o competente para homologar o acordo de colaboração. Dessa forma, tem-se que a territorialidade, a materialidade e a prerrogativa de função são determinantes para a escolha do juízo que homologará o acordo premial. Além disso, nos casos de maior complexidade, REINALDET aponta para a possibilidade de uma pluralidade de decisões de homologação, especialmente se utilizados os critérios das competências territorial e material. Ainda, o autor afirma que há uma tendência de que, quando utilizado o critério por prerrogativa de foro para definição do juízo competente, não exista a pluralidade de decisões de homologação, e sim de uma decisão advinda de um tribunal de instância superior, na linha do que defende a primeira vertente apresentada.

Entretanto, REINALDET vai além e apresenta outra proposta para a determinação do juízo competente à homologação do acordo, na qual se abandona os critérios clássicos e adota-se o critério de designação. A proposta defendida dentro dessa segunda vertente é a de que o juízo que homologará o acordo é aquele responsável pelas ações em que os efeitos do acordo - isto é, os benefícios concedidos ao colaborador - serão aplicados. Segundo o autor, no caso de o acordo gerar efeitos em diferentes processos penais em curso, a jurisprudência tem demonstrado dois entendimentos: a multiplicidade de decisões de homologação; ou, havendo processos em diferentes graus de jurisdição, o da instância superior já valeria para as inferiores envolvidas.

Assim, fica clara a distinção entre a primeira vertente exposta, em que o juízo competente para a análise é o mesmo responsável pelo deferimento de outros meios de obtenção de prova; e a proposta apresentada pela segunda vertente, que considera o juízo competente para homologar o acordo aquele que exerce jurisdição no local em que se realizam os efeitos do pacto.

A homologação do acordo de colaboração premiada ainda não possui uma regulamentação procedimental exaustiva, mesmo com a promulgação de novas leis sobre o tema. A jurisprudência fica, então, incumbida do preenchimento de diversos vácuos deixados pela legislação acerca do tema da colaboração premiada.

Comparando os conceitos das duas vertentes analisadas, conclui-se que a jurisprudência e a doutrina têm considerado as diferentes naturezas do acordo de colaboração premiada - ora como meio de obtenção de prova, ora como estratégia defensiva - para concluir qual o juízo competente para a homologação do acordo. Nesse sentido, o entendimento da segunda vertente parece ter sido desenvolvido a partir dos padrões estabelecidos pela primeira vertente, conferindo enfoque maior ao aspecto defensivo da colaboração premiada.

_______________

i MENDONÇA, Andrey Borges de. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade e a autonomia da vontade. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

ii BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A homologação e a sentença na colaboração premiada na ótica do STF. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

iii VERRÍSSIMO, Carla. Principais questões sobre a competência para a homologação do acordo de colaboração premiada. In. BOTTINI, P. C.; MOURA, M. T. de A. Colaboração premiada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

iv VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Ebook.

v LINHARES, Raul Marques. O acordo de colaboração premiada e os efeitos da sua homologação no entendimento do Supremo Tribunal Federal. In. CALLEGARI, André L. Série IDP - Colaboração premiada. São Paulo: Saraiva, 2019.

vi REINALDET, Tracy. A competência para homologar o acordo de colaboração premiada. In. GEBRAN NETO, João Pedro. Colaboração premiada: perspectivas teóricas e práticas. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2020.