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Tecnofeudalismo: O futuro da nova economia digital

sexta-feira, 28 de março de 2025

Atualizado às 07:23

O termo "tecnofeudalismo", cunhado pelo economista e pesquisador francês Cédric Durand e popularizado pelo ex-ministro da Economia da Grécia Yanis Varoufakis, vem ganhando espaço, sobretudo após as repercussões em torno da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos da América e sua estreita relação com grandes stakeholders da tecnologia como Elon Musk (X - antigo Twitter - Tesla, SpaceX, Open AI, entre outras) e Peter Thiel (PayPal, Palantir Technologies).

O conceito de tecnofeudalismo traduz a ideia do controle das atividades sociais e produtivas pelos conglomerados digitais, as chamadas big techs, em evidente associação ao regime econômico que vigorou na Europa Ocidental após a queda do Império Romano.

Argumenta-se que a esperança de liberdade e igualdade surgida na década de 19901 a partir das novas tecnologias foi frustrada pela produção de um efeito inverso, fazendo o capitalismo regredir para um modelo de dominação e submissão típico do monopólio exercido durante a Idade Média: manipulação política, desigualdade social, concentração da renda e precarização do trabalho.

Em outras palavras, tanto a expectativa de que a nova economia digital fosse impulsionar o neoliberalismo, induzindo inovação, empreendimento e proteção da propriedade intelectual, quanto a ideia então surgida de uma economia com alicerces na cooperação entre pequenos empresários, teriam sido superadas pela degradação do capitalismo, doravante baseado no controle concentrado de infraestruturas tecnológicas e dados.

No seu livro2- que leva o nome da teoria - Varoufakis sustenta que, na prática, as terras foram substituídas por plataformas digitais, à semelhança dos antigos feudos e, nessa nova dinâmica de mercado, os detentores desses ambientes virtuais, verdadeiros meios de produção, se tornam suseranos, os seus usuários assumem o papel de vassalos, o pagamento de impostos passa a ser feito através de taxas/assinaturas e, principalmente, do fornecimento de dados pessoais, e a renda toma o lugar do lucro, ou seja, ganhos sem esforços produtivos.

Como explica o professor Luis Felipe Valle3, nesta nova configuração "as big techs extraem valor da coleta e análise massiva de dados, determinando comportamentos de consumo, preferências políticas e até mesmo decisões cotidianas dos indivíduos (...), a atenção dos usuários se torna uma mercadoria, em que os algoritmos promovem conteúdos para maximizar engajamento e lucro. E essa lógica tem implicações profundas: redes sociais e mecanismos de busca moldam a opinião pública, influenciam eleições e reforçam desigualdades ao priorizar quem pode ou não ter visibilidade".

Nessa ordem de ideias, os defensores dessa teoria concluem que, diferentemente do que ocorre na livre iniciativa, caracterizada pela concorrência entre empresas, poucas e gigantescas corporações dominam setores inteiros da economia, impondo suas próprias regras e criando forte dependência dos usuários.

Para definir esse fenômeno de distopia digital, Varoufakis criou o conceito de "capital-nuvem", que, segundo ele, teria "destruído dois pilares do capitalismo, os mercados e o lucro, e os substituído pela extração de recursos dos usuários"4.

A despeito do panorama preocupante delineado pelos adeptos da teoria, o próprio Varoufakis reconhece que o tecnofeudalismo ainda seria uma realidade em construção, com "setores e espaços sociais que escapam dessa lógica", indicando que a solução para frear o seu avanço seria uma intervenção política que submeta o funcionamento das plataformas digitais ao racional dos serviços públicos.

Independentemente da crença na efetiva configuração do cenário proposto pelo tecnofeudalismo, parece inegável que a evolução tecnológica e o crescimento exponencial do comércio digital e das mídias sociais virtuais reconfiguraram o ordem econômica mundial, na qual grandes infraestruturas tecnológicas e o tratamento de dados ganharam enorme relevância.

Nesse contexto, a imposição de limites para a garantia de liberdades individuais e da livre concorrência deve ser assegurada através de uma efetiva regulação, um arcabouço legislativo que estabeleça regras claras, seguras e eficientes para a atuação das big techs, entre outras coisas mediante políticas de governança que fortaleçam as economias locais, a soberania de dados e a autonomia digital.

Valle pontua que "modelos econômicos baseados em plataformas cooperativas, código aberto e redes comunitárias podem substituir a dependência das big techs", de modo a reduzir o seu domínio e a deterioração do trabalho, permitindo não apenas a reorganização da economia, mas também que os meios atuais de interação social e de trabalho sejam repensados.

No caso específico do Brasil, o desafio é ainda maior, na medida em que passa por um processo de conscientização da sociedade acerca da importância da privacidade e da preservação dos dados pessoais, tema que somente ganhou maior tração após o advento da LGPD, diferentemente de outros países, em especial daqueles integrantes da Comunidade Europeia, em que, por questões históricas, essa preocupação já se encontra culturalmente arraigada, estando em pauta pelo menos desde a década de 1970.

Seja como for, iniciativas como a regulamentação do uso da inteligência artificial, da relação de trabalho via aplicativos e do combate às fake news são indicativos de que a situação está no radar do governo brasileiro, mas certamente ainda há um longo caminho a percorrer para a garantia plena de direitos fundamentais associados à dignidade da pessoa humana e de liberdade econômica e livre concorrência, frente à nova realidade vivenciada com a chegada da Quarta Revolução Industrial.

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1 À época, quando a internet comercial começava a se popularizar, acreditava-se que os usuários seriam capazes de compartilhar informações sem depender da chamada grande mídia, que pequenos empresários, associados a outros, teriam melhores condições de competir com gigantes do setor, etc. O que, como se viu nas décadas seguintes, não se tornou realidade.

2 Tecnofeudalismo: o que matou o capitalismo. Selo Crítica, Ed. Planeta, 2025.

3 Em entrevista para o Guia do Estudante, Disponível aqui. 

4 Citação em matéria do jornal O Globo, Disponível aqui.