Inteligência artificial e abordagem via risquificação
terça-feira, 19 de abril de 2022
Atualizado às 07:25
Introdução
Vivemos na sociedade da informação, sociedade de dados e sociedade 5.0 (Japão), atrelada aos conceitos de pós-humanismo e de transumanismo, falando-se ainda em "virada do não humano", um conceito macroscópico segundo Grusin, trazendo repercussões sociais de alta magnitude1, com foco no descentramento do humano da biosfera, para se tornar verdadeira força geológica, a provocar a era do antropoceno.
Surgem ao mesmo tempo novos desafios e oportunidades com as novas tecnologias na interface com as humanidades, em especial com a utilização da chamada inteligência artificial (IA), sendo certo que as diretrizes éticas devem ir de mãos dadas com as questões legais, no âmbito da governança de algoritmos.
O Projeto de Lei 21/20 que cria o marco legal do desenvolvimento e uso da Inteligência Artificial (IA) é uma importante iniciativa de regulamentação da IA no Brasil, ao lado da Estratégia Brasileira de IA no Brasil, Instituída pela Portaria MCTI nº 4.617, de 6 de abril de 2021, apesar de algumas falhas e omissões, imprecisões técnicas, ausência de obrigações substantivas e processuais, ausência de parâmetros mínimos de procedimentalização e previsão de instrumentos de governança algorítmica, em especial se comparamos com as regulamentações internacionais. Há também uma falha a ser destacada no tocante ao processo democrático de deliberação, já que houve um curto período de tempo para contribuições por parte da sociedade civil, ao contrário, por exemplo, do Marco Civil da Internet, lei 12 965/2014, o qual contou com um período bem mais extenso de discussão democrática e inclusiva.
Um amplo período de debate envolvendo diversos grupos da sociedade civil é essencial e possui relação com o conceito de ética digital intercultural, trazendo ao diálogo os grupos vulneráveis e todos os setores da sociedade. Justamente ética digital intercultural e o estabelecimento de frameworks concretos para tradução de princípios éticos abstratos em práticas concretas são pontos a serem desenvolvidos, devendo contar com a contribuição de uma equipe interdisciplinar e multistakeholder, e, sobretudo, independente.
O Projeto de Lei 21/20 que cria o Marco Legal da IA no Brasil é uma importante iniciativa no sentido de regulamentação da IA, já que cada vez mais se fala no fim da era dos códigos de conduta (autorregulação), como bem aponta Luciano Floridi, no recente artigo "The end of an era: from self-regulation to hard law for the digital industry".2
Isto porque a autorregulação pelas empresas, não seria eficaz nem tampouco contribuiria para o aspecto da confiança, já que muitas vezes tal iniciativa colide com a busca de fins públicos e com a proteção de direitos fundamentais e humanos, voltando-se primordialmente para os valores de mercado, não sendo iniciativas pautadas na transparência e imparcialidade. Em muitos casos há aqui uma concepção proprietária dos diretos envolvidos, a busca da inovação e de valores econômicos acima de outros valores democráticos, envolvendo a elaboração de conteúdo unilateral e seletivo em termos de interesses, na linha de uma análise econômica do Direito, voltada para eficiência do mercado.
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1 Grusin, Richard. Introduction. In: Grusin, Richard (org). The nonhuman turn. Minneapolis, mn: University of Minnesota Press, 2015. p. vii-xxxi, Grusin, 2015, Conferência realizada em 2012, "A Virada do Não Humano nos Estudos do Século XXI", Center for 21st Century Studies, Universidade de Wisconsin-Milwaukee.
2 Floridi, Luciano, The end of an era: from self-regulation to hard law for the digital industry (November 9, 2021). Available at SSRN.